Imaginação e a épica maquiaram alguns dos episódios mais famosos. Confira 12 mentiras da história que engolimos sem chiar
Sara Navas, ElPaís
O poder de persuasão de Hollywood, rumores que com o passar dos anos foram tomados por verdades absolutas e manipulações históricas com interesses políticos e econômicos fizeram com que muitos episódios da trajetória do ser humano tenham passado à história de maneira distorcida.
A imaginação e a épica maquiaram alguns episódios da história ao longo dos anos e nós acreditamos naquilo que ao longo de nossa vida nos ensinaram os livros de texto, as obras de arte e o cinema, sem questionar. Falamos com historiadores e especialistas que nos ajudaram a desmentir doze dessas tergiversações.
Não, Walt Disney não está congelado
O que nos contaram: Que Walt Disney (1901-1966, EUA), criador do rato mais famoso do mundo e de um império de entretenimento infantil, está há 52 anos congelado como um filé de peixe esperando a chegada do momento em que os avanços científicos permitirão devolvê-lo à vida.
O que realmente aconteceu: “A única verdade é que esse homem se transformou em pó, literalmente. Em 1966, Disney foi reduzido a três quilos de cinzas três dias depois de sua morte por câncer de pulmão”, afirma a especialista Nieves Concostrina na seção Pretérito Imperfecto, em La Ventana, programa da rádio espanhola La Ser. “A história do congelamento foi uma balela desde o começo”, afirma. Por que então continuamos acreditando que está congelado? O fato de seu funeral ter sido íntimo não ajudou a acabar com os rumores. Muitos viram esse funeral como uma ação secreta em vez de algo íntimo. A família não desmentiu e não confirmou. Simplesmente deixou que o rumor sobre o congelamento de Disney crescesse para alimentar a lenda. Mas um dos grandes responsáveis por acreditarmos ainda hoje em sua criogenização foi Salvador Dalí. O pintor catalão, que acreditou na história do começo ao fim, disse publicamente que ele queria ser congelado como seu amigo Walt Disney. E o mundo deu como certo que, efetivamente, o criador de Mickey Mouse descansava em um congelador.
Van Gogh não arrancou a orelha
O que nos contaram: A história, repetida até a saturação, afirma que em 1888 o pintor holandês Vincent Van Gogh, em um momento de loucura após discutir com seu amigo, o também pintor Gauguin, arrancou com uma lâmina de barbear a orelha esquerda. Orelha que, mais tarde, envolta em um pedaço de pano, o autor de quadros tão famosos como A Noite Estrelada entregou a uma prostituta chamada Raquel.
O que realmente aconteceu: A verdade supera uma épica ficção que até mesmo deu nome a um grupo espanhol de música pop. De acordo com os acadêmicos alemães Hans Kaufmann e Rita Wildegans em uma reportagem da BBC publicada em 2009, foi Gauguin que, em plena discussão, cortou parte do lóbulo esquerdo de Van Gogh com uma espada. Para proteger seu (apesar de tudo) colega, Van Gogh contou à polícia a popular versão da autolesão. Ou seja, Van Gogh não ficou sem uma orelha – perdeu só uma parte do lóbulo – e não foi ele mesmo que se cortou por sua instabilidade mental.
A tumba de Tutancâmon não foi descoberta pelo menino da água
O que nos contaram: Em 1922, o arqueólogo Howard Carter – descobridor da tumba de Tutancâmon – contou durante uma palestra que deu nos EUA que o primeiro degrau da tumba foi encontrado por um menino egípcio que levava água aos trabalhadores da escavação. A partir desse momento o menino começou a ser conhecido como o menino da água.
O que realmente aconteceu: Por que Carter inventou esse menino? “Provavelmente para dar um toque romântico à história. Mas o descobridor não imaginava que isso acabaria saindo de seu controle e que, apesar da falta de provas, após sua palestra a notícia foi tomada como real. Hoje o menino da água aparece até mesmo em livros acadêmicos”, diz Nacho Ares, apresentador do programa de rádio Ser História. A família de Abd El Rassul, filho de um dos capatazes egípcios que trabalhava para Carter, aproveitou que a lenda do menino da água se espalhou para afirmar que Rassul era esse menino. “Existem dezenas de entrevistas desse homem falando da descoberta e jamais contou nada do menino da água e muito menos que fosse ele. Quando morreu, entretanto, seus filhos inventaram que seu pai era o menino da água. Hoje têm um restaurante em Luxor (Egito), e está repleto de entrevistas de seu pai em que ele só diz que foi a última testemunha viva da descoberta”, diz Ares.
A salada russa não é russa e a omelete francesa não vem da França
O que nos contaram: A lógica, implacável, nos fez acreditar que esses pratos cujos nomes fazem referência a certos pontos geográficos do planeta vinham desses lugares. Comíamos salada russa acreditando que sua origem vinha da terra de Sharapova, Irina Shayk e Leon Tolstói, entre outros russos ilustres; e pedíamos omelete francesa com a convicção de que sua história estava ligada à França. A lógica nos dizia que não podia ser de outra forma.
O que realmente é: Que a omelete francesa é tão francesa quanto os crepes congelados que você compra no supermercado. O sobrenome francês vem do assédio das tropas napoleônicas à cidade de Cádiz em 1810. A escassez de alimentos e de batatas para preparar a típica omelete espanhola fez com que as pessoas precisassem cozinhar o ovo batido sem condimentos. Com o passar dos anos essa omelete continuou sendo feita e chamada de “omelete dos franceses” em referência aos assediadores franceses. De modo que hoje essa omelete se chama omelete francesa. De acordo com o Institut Français, para os franceses a única omelete autóctone é a que leva queijo. Com a salada russa acontece algo parecido. É russa por obra e graça do acaso. Esse prato foi criado em 1860 por Lucien Olivier, um belga de origem francesa radicado em Moscou. O chef elaborou pela primeira vez essa receita no Hermitage, o restaurante dirigido por ele no centro da cidade russa. O furor que a salada causou fez com que ficasse popularmente conhecida por salada russa. Na Rússia, entretanto, se chama salada Olivier.
Se sabemos que a Terra gira em volta do Sol não é graças a Copérnico
O que nos contaram: Que Nicolau Copérnico, após um estudo exaustivo do movimento dos corpos terrestres, chegou à conclusão de que a Terra girava sobre seu eixo e que esta e o restante dos planetas giravam, por sua vez, em volta do Sol. E não ao contrário, como se acreditava até esse momento. Dessa forma criou a Teoria Heliocêntrica recebendo o ataque da Igreja, fiel defensora da teoria geocêntrica (isso é, que era o Sol – e o restante dos planetas – que giravam em torno da Terra). A Inquisição chegou a censurar a teoria de Copérnico, já que colocava em dúvida a onipotência de Deus, reafirmando a imobilidade da Terra.
O que realmente aconteceu: Foi o astrônomo e matemático grego Aristarco de Samos o primeiro a perceber que nosso planeta girava em torno do Sol. Assim o explicou no tratado De Revolutionibus Caelestibus mil anos antes de ser mencionado por Copérnico. “Aristarco de Samos viveu no século III antes de nossa era. Foi ele quem propôs o modelo heliocêntrico que dezoito séculos mais tarde Copérnico mencionou em sua obra”, diz o professor da Universidade Autônoma de Madri Javier Ordoñez. Apesar de Aristarco já a estudar no século III a.C., a Teoria Heliocêntrica não foi vista como uma teoria consistente até ser formulada por Copérnico no século XVI.
Não está claro que Cervantes fosse maneta
O que nos contaram: Que o autor de Dom Quixote perdeu a mão esquerda enquanto combatia na batalha de Lepanto, um dos confrontos navais mais sangrentos da história. A batalha ocorreu em 7 de outubro de 1571, no golfo de Lepanto. Lá se enfrentaram turcos otomanos e a coalizão cristã Liga Santa, integrada pelo Papa, a República de Veneza e a monarquia de Felipe II.
O que realmente aconteceu: Uma interpretação linguística errônea é a culpada de que Cervantes tenha passado à história como o maneta de Lepanto. No século XVII era considerado maneta não só quem havia perdido a mão e sim qualquer um que tivesse inutilizado um braço parcial ou totalmente. “Não se sabe realmente se Cervantes perdeu uma mão. É provável que só tenha perdido um dedo ou parte dela pelos disparos que recebeu durante a batalha de Lepanto”, diz ao ICON o historiador José Carlos Rueda Laffond.
A Espanha não é o país mais antigo da Europa
O que nos contaram: Que a Espanha é a nação mais antiga da Europa. Essa afirmação se transformou em um mantra de alguns partidos políticos conservadores. “A Espanha goza de ótima saúde, é a nação mais antiga da Europa”, disse Mariano Rajoy em março, quando ainda era primeiro-ministro do país.
O que realmente é: “[o ex-chefe do Governo espanhol, Mariano] Rajoy situa o nascimento do Estado espanhol na época dos Reis Católicos (final do século XV e início do XVI) e alimenta o mito de que em 1492 –com Isabel e Fernando, o fim da reconquista, a expulsão dos judeus e a descoberta da América– a Espanha foi fundada. Parece uma maravilhosa conjunção astral, mas é falsa. O casamento de Fernando e Isabel não implicou na fusão dos dois reinos. Mais do que isso, até o século XIX as coroas de Aragão e Castela tiveram moedas diferentes, afirma a este jornal José Carlos Rueda, professor de História Contemporânea da Universidade Complutense de Madri. Rueda diz que na Europa é impossível começar a falar em nações antes do século XIX. As declarações dadas por José Álvarez Junco, professor de História do Pensamento da Universidade Complutense, ao EL PAÍS coincidem com a teoria de Rueda. “Rajoy confunde os conceitos de nação e Estado e projeta seus próprios desejos no passado. O que define uma nação é um elemento subjetivo: grupos de indivíduos que acreditam compartilhar certas características culturais e vivem em um território que consideram próprio, enquanto os Estados modernos são estruturas político-administrativas que controlam um território e a população que o habita.” Segundo José Carlos Rueda, se tivermos que apontar alguma nação como a mais antiga da Europa, seria a França. “Com mil ressalvas, podemos considerar que a França tem uma estrutura estatal unificada mais antiga do que a Espanha (até o fim do século XVII, Monarquia Hispânica). O mesmo ocorre em relação aos seus limites fronteiriços. Ou sobre sua capital (Paris), que existe como tal desde a Idade Média. A unidade linguística também é historicamente muitíssimo mais intensa que na Espanha”, diz o historiador.
Júlio César nunca disse: “Até tu Brutus, meu filho”
O que nos contaram: No dia 15 de março de 44 antes de Cristo, um grupo de senadores, entre os quais estava Brutus (filho de Servília, amante de César, que sempre gozou da proteção e da simpatia de Júlio César), apunhalou o ditador romano até a morte. Momentos antes de morrer por causa dos graves ferimentos, Júlio César, que não podia acreditar na traição de Brutus, pronunciou uma das frases mais famosas da história: “Até tu Brutus, meu filho”.
O que realmente aconteceu: De fato, Júlio César foi apunhalado várias vezes nas escadarias do Senado romano. No entanto, nunca articulou a frase que o mundo se esforça em lhe atribuir. Por que então se acredita que essa foi a última coisa que disse antes de morrer? Provavelmente, o fato de Shakespeare tê-la reproduzido em sua obra Júlio César (que data de 1599) ajudou que o mundo o considerasse um fato histórico verídico. Por outro lado, Plutarco (que nasceu no ano 45 depois de Cristo) afirma em sua obra que César não disse tal coisa. Segundo o filósofo grego, a única coisa que o ditador fez antes de morrer foi cobrir a cabeça com a toga ao ver Brutus entre seus assassinos. “Ao ver Brutus com a espada desembainhada, colocou a roupa sobre a cabeça e se deixou golpear”, diz Plutarco no volume V de Vidas Paralelas. A frase se tornou hoje um símbolo que representa a traição máxima.
O Velcro não foi inventado pela NASA
O que nos contaram: Que esse sistema de adesão baseado em uma fita com pequenos ganchos de plástico e outra fita de fibras sintéticas que ficam unidas quando se juntam e se separam de uma só vez foi inventado pela NASA. O objetivo da agência do Governo dos EUA responsável pelo programa espacial civil era contornar a falta de gravidade no espaço oferecendo aos astronautas uma maneira simples e cômoda de colocar e tirar o traje espacial.
O que realmente aconteceu: O engenheiro suíço Georges de Mestral, que não tinha nada a ver com a NASA, criou o velcro em 1948 depois de passar um dia caçando no campo. Durante sua caminhada pela natureza, notou como as sementes das flores aderiam às suas roupas. Ao observá-las de perto com um microscópio, descobriu que suas pontas eram minúsculos ganchos, por isso era difícil retirá-las das roupas. Mestral decidiu inventar um sistema que reproduzisse o comportamento dessas sementes e criou as populares fitas adesivas que hoje fazem parte de dezenas de peças de vestuário e de quase todos os calçados infantis. Nos anos 60, a NASA decidiu incorporá-lo ao equipamento dos astronautas e o sistema começou a se popularizar. O repentino uso generalizado, tanto para fins domésticos quanto esportivos (os macacões de pilotos de corrida e de esquiadores o incorporaram), ajudou a difundir a crença de que os engenheiros da NASA eram os criadores do velcro.
Elvis pode ser o rei, mas não criou o rock
O que nos contaram: Nos livros didáticos, nas enciclopédias, em palestras, em artigos de imprensa… A frase pode ser lida e ouvida em muitos lugares: “Elvis Presley inventou o rock and roll”.
O que realmente aconteceu: “É uma teoria muito parcial essa que diz que Elvis inventou o rock, principalmente nos anos 50 e 60, quando a indústria do rock explodiu e havia muito dinheiro em jogo. Elvis era branco, bonito, patriota, de origem humilde… em outras palavras, o sonho americano feito carne. Ele era o único que podia convencer os pais a comprar essa música do diabo aos filhos, além das poderosas emissoras de rádio e televisão. Elvis era uma marca branca de algo muito satânico, como o rock and roll. Mas não, o rock, como quase todos os gêneros musicais duradouros, foi inventado pelos afro-americanos. Músicos negros como Joe Turner e sua Shake, Rattle and Roll, Lloyd Price com Lawdy Miss Clawdy, Fats Domino com The Fat Man ou a grande Big Mama Thornton e sua Hound Dog (que logo Elvis gravaria). Anos mais tarde chegariam Chuck Berry, Little Richards e Elvis. O que fez Elvis em 1954 com sua canção That’s All Right foi popularizar o rock and roll e levá-lo a todos os lugares, o que não é pouco”, explica o crítico de música Carlos Marcos.
Os imperadores romanos não condenavam os gladiadores à morte baixando o dedo
O que nos contaram: Vimos Joaquin Phoenix (no papel do imperador Cômodo) fazer esse gesto no oscarizado Gladiador (Riddley Scott, 2000) e o tomamos como verdade absoluta. Por seu lado, livros, quadros, o cinema e a televisão se encarregaram de alimentar a lenda fazendo o espectador acreditar que quando um imperador baixava o polegar no circo romano o que estava fazendo era condenar à morte o gladiador que estivesse em desvantagem na arena.
O que realmente aconteceu: Todo o contrário do que o cinema nos mostrou. Se o imperador levantava o polegar, estava incitando o gladiador vitorioso a matar o gladiador derrotado. Quando o imperador queria salvar a vida do gladiador, introduzia o polegar no punho fechado da mão oposta. “Acreditar que os imperadores condenavam à morte baixando o polegar é um erro que nos transmitiram via Hollywood. Realmente a sentença de morte se dava quando o imperador romano levantava o polegar para cima”, explica a historiadora María F. Canet.
Os signos do zodíaco não são 12
O que nos disseram: Que os signos do zodíaco –as constelações zodiacais que a linha imaginária que une o nosso planeta ao Sol aponta ao longo de um ano– são doze. E que todos nós, dependendo do mês de nosso nascimento, temos um que define nossa personalidade e até nosso destino.
O que realmente é: Há 3.000 anos, a civilização da Babilônia dividiu o zodíaco em doze partes, atribuindo uma constelação a cada uma delas. Conscientes de que a divisão zodiacal não resultava em doze partes exatas, elas a adaptaram para obter um calendário prático. Sabiam que havia uma décima terceira constelação chamada Ofiúco e a excluíram deliberadamente. Em 2016, a NASA fez cálculos e explicou que o eixo da Terra nem sequer aponta na mesma direção de 3.000 anos atrás. Atualmente, a linha imaginária entre a Terra e o Sol aponta para Virgem durante 45 dias e apenas 7 para Escorpião. Ou seja, quem faz aniversário em 25 de março seu signo do zodíaco era Áries até agora, mas os novos cálculos da NASA revelam que hoje seria Peixes.
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