Apenas 3 presidenciáveis pretendem diminuir uso de agrotóxicos
Dos 13 candidatos à Presidência da República nas eleições de 2018, apenas 3 apresentaram no programa oficial de governo medidas específicas que preveem a redução do uso de agrotóxicos. Por outro lado, o agronegócio é prioridade para sete candidatos
Cida de Oliveira, RBA
Demanda da sociedade brasileira, a redução gradativa do uso de agrotóxicos até o seu banimento no país está fora dos planos da maioria dos candidatos à Presidência da República.
Dos 13 presidenciáveis, Fernando Haddad (PT), Guilherme Boulos (PSol) e Marina Silva (Rede) pretendem adotar medidas nesse sentido. Já Ciro Gomes (PDT) propõe a utilização de “defensivos agrícolas específicos para as nossas culturas e problemas, de menor conteúdo tóxico para pessoas e o meio ambiente, e incentivo à adoção de sistemas de controle alternativos na agricultura, prática essa que se constitui em uma tendência mundial”.
Os demais sequer têm o termo agrotóxico ou similares em seus programas registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Segundo especialistas, não existem agrotóxicos menos tóxicos. Todos são nocivos à saúde e ao meio ambiente.
O fato de o Brasil liderar o ranking mundial do consumo de herbicidas, fungicidas e inseticidas nas lavouras – o equivalente a 6,1 quilos de venenos por hectare plantado, mais que o dobro dos 2,6 quilos consumidos nos Estados Unidos –, e de que muitos dos que são usados aqui são causadores de câncer e malformações fetais, entre outros problemas graves, daí a proibição em outros países, é levado em conta por alguns dos candidatos.
Para mudar a situação, Haddad pretende instituir um programa de redução de agrotóxicos, com medidas específicas e imediatas, entre as quais destacam-se o estímulo aos biopesticidas e a atualização da legislação nacional às recentes recomendações do Fundo das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), que são mais restritivas.
O programa fala ainda em rever os incentivos fiscais e tributários existentes para os insumos químicos proibidos em outras partes do mundo, em fortalecer a avaliação e a fiscalização periódica, pela Anvisa, dos agrotóxicos autorizados no país, e em banir também os produtos que já estão proibidos nos países que são parceiros comerciais do Brasil.
O compromisso ainda inclui a retomada e ampliação da política nacional de segurança alimentar e nutricional, articulada com a promoção da agricultura familiar em bases agroecológicas. Ou seja, produzir alimentos livres de transgênicos, agrotóxicos e outros agroquímicos em uma perspectiva ambiental, social, cultural e economicamente sustentável, próximo ao mercado consumidor.
A ideia é baratear o custo para que toda a população tenha acesso a uma alimentação mais saudável, assim como aqueles que podem pagar mais pelos orgânicos hoje restritos às poucas feiras e supermercados, a preços mais altos.
Transição
O candidato do Psol, Guilherme Boulos, propõe a transição do atual modelo de produção agrícola, baseada no uso de agroquímicos, para a agroecologia. E também o controle sobre a avanço das lavouras transgênicas, que já dominam o cultivo de soja, milho e algodão no Brasil em extensas áreas de monocultivo.
Para isso, defende a luta contra o processo de “oligopolização da agricultura“, em que as empresas Syngenta, Bayer, Basf, Monsanto e Dupont “definem o que comemos“, já que controlam 60% do mercado mundial de sementes e de agrotóxicos no mundo, com sérias consequências ao meio ambiente.
O programa fala também em revogar todas as medidas tomadas pelos governos anteriores, que autorizam ou facilitam a utilização de agrotóxicos e em debater com a sociedade a construção de uma base para o rigoroso controle e regulação do setor, que fez do Brasil o maior consumidor mundial de herbicidas, inseticidas e fungicidas, entre outros.
No documento, a candidatura destaca que nos últimos 15 anos o consumo cresceu 284%, o que se deve também ao crescente uso de sementes geneticamente modificadas resistentes aos herbicidas, como o glifosato.
Sem detalhamento, o plano de governo de Marina Silva – ex-ministra do Meio Ambiente no governo Lula, cuja trajetória política foi construída na defesa da natureza – fala em alimentação saudável, redução do uso de agrotóxicos e apoio à agroecologia.
E destaca apoio ao Projeto de Lei 6.670/2016, que cria a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos. “Apoiaremos a aprovação do projeto de lei da Política de Redução de Agrotóxicos, de iniciativa Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco)“.
Agricultura familiar
O apoio à agricultura familiar consta apenas dos programas do PT, PSol, Rede e PPL, que tem como candidato à Presidência João Goulart Filho, e, de maneira implícita, da candidata Vera Lúcia (PSTU). Em seu documento, a legenda menciona o campo brasileiro dominado pelo agronegócio, por sua vez controlado por um pequeno número de grandes empresas e do capital financeiro internacional.
“Defendemos a nacionalização e estatização do grande latifúndio e do chamado agronegócio sob o controle dos trabalhadores para que definam a sua produção, de acordo com as necessidades do povo e em harmonia com o meio ambiente“.
Haddad propõe prioridade à produção de alimentos saudáveis no âmbito da agricultura familiar como forma de geração de emprego e renda no campo e abastecimento com qualidade nutricional na cidade; a ampliação da oferta de serviços nas pequenas cidades do interior para evitar a evasão da população do campo para os centros urbanos em busca dos direitos à educação, ao trabalho, à saúde e à cultura; e a democratização do acesso à propriedade da terra, com políticas de reforma agrária, incentivos à agroindústria, ao escoamento da produção, assistência técnica rural, armazenamento e comercialização dos produtos camponeses, ampliação do crédito e da economia solidária, com cooperativas e associações.
Para isso, pretende atualizar e ampliar o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), além de reorientar a atuação da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), para a compra de alimentos da agricultura familiar e implementar um plano nacional de desenvolvimento sustentável dos povos e comunidades tradicionais de matriz africana, interditado pelo governo de Michel Temer.
Reforma agrária
O termo reforma agrária aparece dez vezes no programa de Fernando Haddad, onze no de Guilherme Boulos, oito no de João Goulart Filho e uma no plano de Vera Lúcia. Ciro, que tem como vice na chapa a empresária, pecuarista e ex-dirigente da Confederação Nacional da Agricultura Kátia Abreu (PDT-TO), Marina Silva e os demais não mencionam nenhuma vez.
Dedicando mais espaço ao tema, o plano do candidato do Psol é uma reforma agrária popular e agroecológica, com democracia e justiça no acesso à terra, em contraposição ao agronegócio, que só gera concentração de renda, desemprego, pobreza e envenenamento da terra e da água.
Para a candidatura, o modelo defendido proporciona o trabalho familiar, renda e sustento. Além disso, é a solução para os problemas sociais, como disputas agrárias envolvendo assentados do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) e de outros movimentos populares, além de comunidades quilombolas e povos indígenas, pescadores e ribeirinhos. E ambientais, já que essas populações são o melhor exemplo de como a natureza deve ser tratada.
O programa do PSTU defende a partilha de parte do latifúndio para garantir terra aos camponesas sem-terra que a reivindicam, assim como todas as condições de produção e comercialização de seus produtos, com acesso a crédito barato ao pequeno proprietário e apoio técnico. “Seria possível assim garantir alimentos baratos à população“, diz o documento.
Respeitando a Constituição e outras leis, Boulos pretende desapropriar as terras que não cumprem a função social, ambiental e que tenham débitos com o poder público, especialmente as grandes propriedades, vinculadas ao capital estrangeiro. As terras desapropriadas serão destinadas ao programa de reforma agrária popular, no qual o Incra deverá trabalhar em conjunto com os institutos de terra dos governos estaduais, com as prefeituras e movimentos populares.
O candidato pretende ainda retomar e realizar as metas e objetivos do II Plano Nacional de Reforma Agrária (2003), com regularização fundiária massiva para diferentes setores da agricultura popular e assentamento de, no mínimo, um milhão de novas famílias sem terra, assentados, pequenos agricultores, agricultores familiares, indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. E construir uma rede nacional de cooperação entre esses setores da agricultura que são responsáveis pela produção e comercialização de alimentos, com investimentos em infraestrutura e industrialização no campo.
Articulando reforma agrária com estímulo à agricultura familiar, Boulos promete estimular a agricultura familiar e todos os serviços necessários para essa população, especialmente a educação no campo em todas as suas experiências e níveis.
Filho do ex-presidente Jango (1918-1976), que decretou a primeira e única política de reforma agrária no país, interrompida pelo golpe de 1964, o candidato João Goulart Filho também se compromete com a democratização no acesso à propriedade da terra nos mesmos moldes propostos por Boulos. Propõe a taxação progressiva da propriedade rural, levando em consideração o tamanho, independente da produção, e promete assentar, nos seis primeiros meses de governo, todas as 130 mil famílias de sem-terra acampadas, de um total de 400 mil que serão assentadas no primeiro ano.
Promete promover a produção e o aumento da produtividade de alimentos na pequena e média unidade rural para o mercado interno, com a garantia de preços rentáveis para o agricultor, compra antecipada de toda produção de alimentos dos pequenos produtores, crédito rural suficiente e subsidiado, seguro rural, assistência tecnológica, armazenagem, apoio ao acesso a máquinas, equipamentos e insumos.
Outra proposta de Goulart Filho com impacto direto no agronegócio é a revogação da Lei Kandir, que isenta de ICMS produtos e serviços destinados à exportação, bem como a isenção da contribuição previdenciária para o agronegócio. E a cobrança, de forma progressiva, de imposto de exportação sobre produtos agropecuários.
Defesa do agronegócio
Despreocupados com a produção de alimentos saudáveis para toda a população, com a agricultura familiar e muito menos com a reforma agrária, alguns candidatos estão comprometidos com o desenvolvimento do agronegócio. É o caso de Alvaro Dias (Pode), Cabo Daciolo (Patriotas), Eymael (DC), Geraldo Alckmin (PSDB), Henrique Meirelles (MDB), Jair Bolsonaro (PSL) e João Amoêdo (Novo).
“A liderança do Brasil na agricultura será reforçada pela transformação do Plano Safra em um plano plurianual para dar previsibilidade às regras da política agrícola, pela garantia da paz e da segurança jurídica no campo e pela consolidação dos programas de seguro agrícola e rural“, destaca o candidato tucano.
Alckmin tem como vice a senadora licenciada Ana Amélia Lemos (PP-RS). Integrante da bancada ruralista, foi agraciada com o prêmio Líder do Agronegócio Brasileiro 2018. À vontade com bandeiras do lobby armamentista, é aliada do Armas pela Vida, que defende a posse de armas no meio rural para solucionar questões agrárias em favor dos latifundiários.
O banqueiro Meirelles promete que financiamento, inovação, expansão dos projetos de pequenos irrigantes e melhoria da infraestrutura serão prioridades para que os agricultores sigam ampliando a produtividade. “Outras medidas de apoio estão previstas, como o reforço da segurança no campo e a expansão da telefonia celular, graças ao satélite geoestacionário do Brasil“, conforme seu plano registrado no TSE.
O também banqueiro Amoedo é mais explícito: “A garantia da propriedade privada e da segurança no campo para que o agronegócio tenha todas as condições jurídicas e estruturais para tirar o máximo de seu inigualável potencial“.
Em um plano de governo minguado, Alvaro Dias dedica um tópico ao “Planeta Agro“: Quer elevar a produção em 30% até 2022, com 300 milhões de toneladas de grãos, cereais e leguminosas. Tudo isso com “segurança no campo, com reintegração de posse sumária, seguro rural e armazenagem, defesa animal e vegetal, projeto ferrovias“.
Ferrovias, aliás, e hidrovias, “que trarão melhorias ao setor agropecuário“, são prometidas por Daciolo em seu Plano de Nação para a Colônia Brasileira.
A proposta de Eymael é valorizar o agronegócio e apoiá-lo com ações de governo específicas, “valorizando e apoiando ao mesmo tempo os pequenos e médios produtores rurais“.
Defensor de “armas para todos“, Bolsonaro propõe segurança no campo e “solução para a questão agrária” em um pacote que inclui logística de transporte e armazenamento, políticas específicas para consolidar e abrir novos mercados externos e “uma só porta para atender as demandas do agro e do setor rural“.
Seu projeto prevê uma nova estrutura federal agropecuária, que concentra no Ministério da Agricultura a política e economia agrícola, recursos naturais e meio ambiente rural, defesa agropecuária, segurança alimentar, pesca e piscicultura, desenvolvimento rural sustentável e inovação tecnológica. Em entrevistas, como esta ao canal Terra Viva, ele garante que, se for eleito, colocará na pasta representante do agronegócio. Assim, a segurança no campo soa como excelente notícia para os ruralistas.
Na análise do integrante dos fóruns baiano e nacional de combate aos impactos dos agrotóxicos e transgênicos, o agrônomo Ruy Muricy, as propostas refletem a luta de classes por trás da disputa.
“A luta contra os agrotóxicos ou a redução do seu uso tem origem nos movimentos ambientalistas e foi paulatinamente sendo incorporada pelos partidos de esquerda e movimentos sociais do campo. Com o advento dos verdes no parlamento tal bandeira também foi incorporada à pauta ambiental“, afirma. “Não é de estranhar que apenas a candidatura de cunho ambientalista e aquelas de esquerda tenham um enfrentamento na questão do Brasil figurar no cenário mundial como o maior consumidor de venenos agrícolas.”
Repensar o modelo agrário e agrícola do país, conforme Muricy, não é portanto tarefa para os partidos à direita. “O agronegócio baseado em monocultivos para exportação é ‘por natureza’, desculpem o trocadilho, indutor de desequilíbrios ambientais que criam um ciclo vicioso de necessidade de doses crescentes de venenos. Acrescente-se fertilizantes químicos, tratores, implementos e aviões que derramam chuva de agrotóxicos e a isso chama-se ‘mercado’.”
“O outro lado da moeda é a agricultura camponesa ou familiar, que encontrou o caminho da agroecologia – o diálogo com a natureza, com romantismo, mas também ciência, e chama-se ‘riqueza’ distributiva. A velha luta de classes, mas com uma variável que significa a própria sobrevivência do planeta e por extensão da odisseia humana. Mas, quem está mesmo se importando com questões tão filosóficas e existenciais diante do convencimento do eleitorado pra depositar seu voto na urna?”
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