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Uma necessária reflexão sobre a “autocrítica do PT”

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Quando se cobra autocrítica ao PT, deve-se partir de um questionamento imprescindível: teria sido possível o trabalho histórico de inclusão, sem entrar no jogo do presidencialismo de coalisão?

Luis Nassif, Jornal GGN

Minha caçula, a mais militante da família, levanta o tema “o PT não fez autocrítica”. Em vários locais dito progressistas ouvi a mesma queixa. Prova maior de que os interrogatórios da Globo são embasados em boas pesquisas de opinião. A insistência da Globonews e, depois, do Jornal Nacional, em levantar o tema, e nenhuma questão sequer sobre o programa do partido, mostra que são eficazes em sua política de pautar a discussão. Outra narrativa emplacada pela máquina da Globo é que, depois de 14 anos de campanha ininterrupta da mídia, foi o PT quem estimulou a versão de “nós contra eles”.

Vamos por partes.

O PT errou e muito na sua convivência com o presidencialismo de coalisão. O ex-Ministro Tarso Genro deve se recordar de uma conversa que tivemos, poucos meses antes de explodir o “mensalão”, em que o alertei que viria pela frente uma campanha mais ampla que a do impeachment de Fernando Collor.

Ele se espantou.

Mas era nítido. Disse-lhe que quando um exército toma a cidadela adversária, a primeira atitude do comandante é reunir a tropa e enquadrar os soldados, impedindo qualquer forma de abuso. A segunda atitude é punir exemplarmente o primeiro caso de transgressão, para servir de exemplo.

Isso não ocorreu. A sem-cerimônia com que Delubio Soares entrava e saída do Planalto, era imprudência pura. Ainda mais em um partido totalmente exposto ao escrutínio da mídia e dos demais poderes.

Relatei-lhe uma conversa que tive com Collor, anos depois do impeachment. O que ele mais lamentava era ter desmontado o antigo SNI (Serviço Nacional de Investigações). Não para fiscalizar os adversários, mas para se prevenir contra a guerra de informações da mídia. No auge da campanha do impeachment, o governo ficou totalmente desarticulado ante a saraivada de denúncias, verdadeiras ou meros factoides, com que era bombardeado.

Mesmo se não tivesse escândalo, a mídia criaria. Mas com o amadorismo do início de governo, ficou mais fácil. E o governo não tinha sequer a relação das pessoas que entraram na máquina pública. De fato, na montagem do governo vieram militantes de todas as partes do país, aliás, algo inevitável para um partido que estreava no poder.

Alguns meses depois estourou o escândalo de Roberto Jefferson. Aliás, foi bem no dia em que, flagrado pela mídia saindo do Palácio, Delúbio declarou que era assim mesmo, os partidos tinham que participar do governo depois das eleições.

Em suma, o PT fez o mesmo que todos os demais partidos fizeram para garantir a governabilidade, e com o amadorismo dos marinheiros de primeira viagem.

Pode-se argumentar que o caso Petrobras foi exagerado. E foi. Explodiram os preços do petróleo, foi descoberto o pré-sal, a Petrobras ganhou uma dimensão inimaginável até então e as caixinha subiram proporcionalmente ao salto da empresa. Nada foi feito para impedir a esbórnia. Quando assumiu o governo, Dilma Rousseff colocou na presidência Graça Foster com a incumbência de limpar a empresa. Mas Graça não tinha a menor familiaridade com modernos métodos de complience. Limitou-se a centralizar a liberação de pagamentos no seu gabinete, atitude inútil para identificar mutretas, e que quase paralisou a empresa.

Mas, se a autocrítica fosse o ponto central, a mais urgente seria da própria Globo, por ter criado o clima de ódio no país – ao lado da Veja -, estimulado o golpe, interferido em várias eleições. Seria de Luis Roberto Barroso porque seu apoio ao estado de exceção gerou uma enormidade de abusos em todos os quadrantes do país – fenômeno pouco divulgado pela mídia. Seria da própria Lava Jato e da Procuradoria Geral da República, por terem destruído a engenharia nacional e chocado o fenômeno Bolsonaro. Seria do STF (Supremo Tribunal Federal) por ter derrubado a cláusula de barreira que tornou mais caótico ainda o quadro partidário, além de ter aberto uma avenida para a infidelidade partidária. E pelo carnaval da AP470 que, fragilizando o governo, tornou-o mais vulnerável ainda às investidas do PMDB – repetindo o mesmo fenômeno pós-maxidesvalorização, que obrigou Fernando Henrique Cardoso a entregar parte dos ministérios para o mesmo grupo.

Nesse ponto, exige-se uma relativização do que ocorreu.

Teria sido possível a Lula o trabalho histórico de inclusão, de redução das desigualdades, de acesso dos mais pobres à universidade, se tivesse enfrentado o boicote dos partidos políticos? Evidente que não.

Aqui mesmo, várias vezes criticamos as concessões ao mercado, o câmbio excessivamente apreciado, as taxas de juros muito acima das taxas internacionais, a timidez em relação à reforma fiscal e política. Mas a contrapartida foi um trabalho inédito de combate a desigualdades históricas, um trabalho que, entre 2008 e 2010 projetou o Brasil como um exemplo para mundo. Teria sido possível sem essas concessões?

Em suma, a autocrítica teria que ser das instituições como um todo – partidos, tribunais, corporações públicas, mídia – por ter exposto o país formal ao ataque perigosíssimo das hordas bárbaras.

Mas a questão, agora, não é essa. O que está em jogo é o próprio futuro da democracia e da estabilidade nacional.

PT, PSDB, Executivo, Supremo, mídia são peças integrantes do sistema institucional. O PT teve o mérito de civilizar os movimentos sociais – substituindo a violência, a rebeldia, pela disputa política. O PSDB falhou em fazer o mesmo com a direita. Terceirizou a oposição para a mídia, que só sabia exercitar o anti-petismo. Abriu uma avenida para a direita selvagem, que emerge, agora, com uma força incontrolável.

Agora, todos – PT, PSDB, mídia, instituições – são alvos dessa direita selvagem. E nenhuma delas passará incólume por um eventual governo Bolsonaro. Haverá um liberou geral para as arbitrariedades na ponta, para a rebelião de procuradores contra PGRs, de delegados contra a cúpula da PF, de juízes contra os tribunais superiores. Explodirão as arbitrariedades das polícias, dos promotores municipais, haverá o aparecimento de milícias legitimadas pelas vitórias nas eleições e pelo aval de um presidente selvagem.

Se o eleitor se recusar a votar no PT, porque não fez autocrítica da lambança na Petrobras, no Ciro, porque não fez autocrítica das mudanças recorrentes de partido, no Alckmin, por seu apoio a Temer, e por ter fechado os olhos às esbórnias do próprio PSDB, o que esperar dessas eleições?

Por isso, cortem essa história de autocrítica. O que está em jogo não é premiação ou punição de quem quer que seja, mas a própria sobrevivência do Brasil como nação democrática.

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