Sul do Brasil é a região que mais baixa conteúdo neonazista na internet
Estados do Sul do Brasil são os que mais baixam conteúdos neonazistas na internet, mostra estudo que monitorou o crescimento de facções de extrema-direita. Apenas no RS, 2º colocado da lista, são 42 mil simpatizantes das ideias de Hitler
Um estudo estima que o sul do Brasil abrigue mais de 100 mil simpatizantes na internet de uma ideologia que condenou à morte milhões de pessoas, precipitou o mundo em uma guerra mundial e virou sinônimo de intolerância em todo o planeta. Apenas no Rio Grande do Sul, onde estaria concentrado o segundo maior polo de neonazistas do Brasil, haveria 42 mil seguidores das ideias de Adolf Hitler, conforme a pesquisa que monitorou o crescimento dessas facções de extrema-direita na web.
Um trabalho de monitoramento da internet realizado pela pesquisadora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e antropóloga Adriana Dias detectou um crescimento de quase 170% no número de páginas virtuais com conteúdo neonazista em português, espanhol ou inglês entre 2002 e 2009 – de 7,6 mil para 20,5 mil. Além disso, fez uma análise sobre a origem de internautas que baixavam um número expressivo (superior a cem) de materiais de cunho discriminatório.
O cruzamento de informações permitiu à especialista estimar o número de simpatizantes do ideário extremista no Brasil. Os Estados do Sul lideram o ranking da intolerância, cujo topo é ocupado por Santa Catarina e seguido por Rio Grande do Sul e Paraná. Características culturais e históricas podem ter relação com a maior prevalência dos grupos de ódio nessa região, de forte imigração europeia. Os seguidores da cartilha neonazista costumam defender a “superioridade” da raça branca sobre as demais e perseguição a negros, judeus e homossexuais.
Os dados compilados pela pesquisadora indicam ainda que há comunidades de orientação neonazistas em 91% das 250 redes sociais monitoradas pela antropóloga, e que o número de blogs sobre o assunto cresceu mais de 550% no período. Além de refletirem o crescimento da própria internet nos últimos anos, esses números sugerem que a facilidade para troca de informações de maneira relativamente anônima segue atraindo fanáticos – e fornecem uma pista sobre o perfil de quem propaga a violência no mundo virtual.
— Geralmente, eles atendem ao proselitismo na juventude. O jovem em busca de uma causa acaba recebido pelo grupo, que o convence de que o negro ou o judeu tomou seu espaço no mercado de trabalho, na universidade, etc. — explica Adriana Dias, em entrevista à Agência Brasil.
O presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, Jair Krischke, confirma que o perfil dos neonazistas no Estado hoje é formado principalmente por jovens, muitas vezes com nível socioeconômico razoável ou elevado:
— Um problema sério é que a grande maioria dessas pessoas que entram nos sites são jovens. Isso é uma falha nossa como sociedade. Não estamos dando aos jovens motivações, valores superiores. É uma falha da escola, da igreja, das famílias, dos partidos políticos que não estão dando perspectivas a eles.
Maior presença na rede
Confira o avanço no número de páginas da internet com conteúdo nazista:
2002: 7.600
2003: 8.100
2004: 9.485
2005: 11.036
2006: 12.191
2007: 13.421
2008: 15.601
2009: 20.502
Variação de 2002 a 2009: 169,8%
Mapa da intolerância
Confira o número estimado de simpatizantes de ideais nazistas no Brasil, com base em usuários na internet que fazem downloads de conteúdos da ideologia:
Santa Catarina: 45 mil
Rio Grande do Sul: 42 mil
São Paulo: 29 mil
Paraná: 18 mil
Distrito Federal: 8 mil
Minas Gerais: 6 mil
Fonte: antropóloga Adriana Dias
Júri popular
As ações neonazistas dentro e fora da internet vêm enfrentando uma coalizão de forças formada pelas polícias militar e civil, Ministério Público e ativistas de direitos humanos no Estado. Em junho, o Estado deverá testemunhar um dos mais importantes resultados da frente antiviolência: o julgamento de quatro réus neonazistas em júri popular por formação de quadrilha, discriminação racial e tentativa de homicídio.
Três homens e uma mulher acusados de participar do ataque a três estudantes judeus na Capital, em 2005, deverão ir à corte no dia 13 de junho – mas a data ainda pode sofrer alteração. Segundo o delegado da 1ª Delegacia da Polícia Civil, Paulo César Jardim, o caso é emblemático porque seria o primeiro em que um grupo neonazista iria a júri popular no Estado – e talvez no Brasil. O Tribunal de Justiça não tem registro de caso semelhante.
— Tenho recebido ligações da imprensa da Bélgica, da França, da Alemanha, da Inglaterra, do mundo inteiro. Estão muito interessados nesse julgamento, querem saber como foi o inquérito — revela Jardim.
Ao todo, 14 pessoas chegaram a ser pronunciadas como rés pela Justiça, mas uma dezena delas recorreu e por isso não deverá ir a julgamento agora. Todos foram vinculados ao movimento neonazista e suspeitos de participar das agressões a soco e facadas contra os estudantes judeus. Jair Krischke acredita que o julgamento pode servir de exemplo para desestimular novas adesões à filosofia nazista, mas lamenta a demora para o julgamento:
— O crime ocorreu em 2005, e só agora vai a júri.
Em entrevista à Rádio Gaúcha, o delegado Jardim disse que tem uma “série de restrições” à pesquisa da antropóloga Adriana, mas não detalhou quais são essas restrições. Ele afirmou apenas que já conversou com a pesquisadora. Após falar à rádio, Jardim foi novamente ouvido por Zero Hora e preferiu não contestar os dados.
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Marcelo Gonzatto, Gauchazh