Como explicar o voto de um advogado criminalista em Jair Bolsonaro? A resposta pode estar em Freud e Erich Fromm
Djefferson Amadeus*, Jornal GGN
Mas ó, bom deus! Como explicar que um advogado criminalista, pasmem, um criminalista (que deve lutar pela liberdade!) possa votar em alguém que representa justamente o maior perigo… à liberdade?
Como explicar, senhoras e senhores, que um advogado criminalista, justo ele, que num eventual Governo de Bolsonaro seria alçado ao patamar de inimigo número 1 do Estado, deseja ver seu algoz no poder?
Numa palavra final: como entender o fato de que há gente que não só faz questão de menosprezar-se, debilitar-se e humilhar-se, mas, mais do que isto, gosta de fazer isso?
Fui buscar a resposta em Freud e Erich Fromm. Minha tese (na verdade a tese é de Fromm, mas por mim adaptada, com umas “pitadas de Étienne De La Boétie) é que um advogado criminalista vota no Bolsonaro por um masoquismo moral – uma espécie (neo)servidão voluntária ou por puro sadismo.
Explico.
O masoquismo moral, segundo Freud, pode ser visto como uma tendência para sofrer não física, mas sim mental [1]. Por isso, “o eu, no masoquismo moral patológico, sai em busca de castigo oferecendo sua face sempre que tem a oportunidade de levar uma bofetada.”[2]
Um juiz que se recusa a recebê-lo; que indefere suas perguntas ou que se recusa a consignar em ata um pedido feito por ele, enfim, tudo que possa colocá-lo numa posição de covardia é por ele desejado, porque, como diz Fromm, tudo o que o masoquista moral (leia-se: advogado criminalista covarde) deseja é:
“ser tornado um fraco “moralmente”, pelo fato de ser tratado como uma criança ou de ser repreendido ou humilhado de qualquer maneira.”[3]
O masoquismo, para o advogado criminalista covarde, visa solucionar uma situação emocional insustentável para ele, qual seja: a de que ele nunca queria estar ali.
A humilhação, a vergonha, o vexame, que se caracterizam pela sua submissão ao juiz, não é, como diria Fromm, o que ele quer, mas sim o preço que paga para alcançar o seu verdadeiro objetivo: esquecer que é um advogado criminalista.
Por isso, como ele sabe que o advogado criminal é sinônimo de luta e resistência, inconscientemente ele age de modo diverso ao que se espera de um criminalista, isto é, com frouxidão, covardia e pusilanimidade.
Aqui é interessante notar que há dois grupos de advogados covardes: os masoquistas e os sádicos. No caso dos masoquistas, muitas das vezes, não se trata, como diria Lebrun, “de um sujeito maléfico, mas de um sujeito que se demite de sua posição de sujeito (garantidor – acrescentei) e que, por isso, se submete totalmente ao sistema que o comanda, o qual não o autoriza a pensar…”[4]. Um advogado corajoso, como Lenio Streck, diria que a inautenticidade é tão grande, que “o simbólico está colonizado por um discurso ideológico que não permite a possibilidade de o sujeito dar-se conta do mundo.”[5]
Isso se deve, aparentemente — entre outras coisas, mas, principalmente — porque no decorrer da história moderna, segundo Fromm, a autoridade da Igreja foi substituída pela do Estado, a do Estado pela consciência e, em nossa era, a consciência foi substituída pela autoridade anônima do senso comum.[6]
Como o senso comum está dominado por advogados covardes, que fizeram com que os juízes acreditassem que eram deuses, ele submete-se ao juiz e idolatra-o, sentindo-se seguro pelo fato de ver-se unido a vários advogados frouxos que partilham do mesmo sentimento.
Há, por outro lado, e aqui chego ao final de meu texto, o advogado sádico (que também é um covarde), mas por outros motivos.
Enquanto o advogado masoquista caracteriza-se, como vimos, pela ânsia de submeter-se a alguém, o sádico, por sua vez, caracteriza-se pela sede de poder sobre alguém.[7]
O advogado sádico, por isso, é quase sempre um moralista; ele acha que sabe o que é melhor para o cliente dele (seu objeto de amor), bem como para sua esposa (daí a maioria ser machista). Como diria Fromm: “Ele pode imaginar que quer dominar a vida deles pelo fato de amá-los muito; na verdade, ele os ama porque os domina.”[8]
Ele quer que o seu cliente delate sempre, mesmo sendo inocente, porque se está ali deve ter feito alguma coisa daí só o arrependimento pode levar à Glória de deus, como diria o enviado de deus – Cabo Daciolo.
O advogado sádico é aquele coroinha da igreja, que tornou-se policial militar, depois fez faculdade de direito, pois sonhava em ser Promotor de Justiça, mas passou para a defensoria pública, o que ele compensa sacaneando os assistidos. Aposentou-se e, hoje, é advogado.
Adora Juízes inquisidores; na verdade, inveja-os, porque é movido por uma neoservidão voluntária. Por isso, quando um juiz manda seu cliente calar a boca ou humilha-o, ele discute com o… cliente.
A propósito, com Étienne De La Boétie, é possível dizer que no advogado sádico, “o segredo, a força da dominação consiste no desejo de identificar-se com o tirano, tornando-se o senhor de um outro.”[9] (Jacinto Coutinho)
Dizendo de outra maneira: este tipo de advogado aceita ser oprimido porque espera oprimir (e acredita que sua vez chegará); daí ele gozar com o opressor porque sonha em ocupar um posto no qual possa, de algum modo, oprimir e tornar-se senhor de alguém também.
Cria-se, assim, uma rede de interesses que a torna muito mais complexa do que a polarização opressor/oprimido[10]. “A tirania atravessa a sociedade de ponta a ponta”[11]. Por isso, “a servidão é escolha e, naturalmente, escolha voluntária.”[12]
Étienne De La Boétie nos lembra, ainda, que “Esses miseráveis admiram deslumbrados a radiância do poder. Cegados por essa claridade, aproximam-se, sem, contudo, perceberem que se lançam à chama que inevitavelmente os consumirá.”[13]
A criminalização da advocacia, que com Bolsonaro eleito se acentuaria, estaria aí – viva – pronta para pegá-los.
Numa palavra final: se o canto das sereias acabou sendo consagrado como o fascínio diante de um canto que, quando escutado, nos atraía como chamado, para logo sermos devorados pela sereia que cantava, então indago: o que aconteceria se a sereia ouvisse o seu próprio canto? Respondo: escutando a si mesma a sereia acabaria devorada por ela mesma, numa espécie de autoantropofagia.
Vocês, criminalistas covardes, que votarão no Bolsonaro, serão engolidos pelos seus cantos, tal como foram todos (os da direita e os da esquerda) que buscaram legitimar o poder punitivo. Até breve; será um prazer defendê-los!!!
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*Djefferson Amadeus é mestre em Direito e Hermenêutica Filosófica (UNESA-RJ), bolsista Capes, pós-graduado em filosofia (PUC-RJ), Ciências Criminais (Uerj) e Processo Penal (ABDCONST), pesquisador da Coop. Social Fiocruz, Advogado criminalista.
Referências:
1. FREUD, Sigmund. O problema econômico do masoquismo. Obras completas, ESB, v. XIX. Rio de Janeiro: Imago, 1974, p. 179.
2. NAKASU, Maria Vilela Pinto; Jr. Nelson da Silva. http://revistapercurso.uol.com.br/index.php?apg=artigo_view&ida=1065&ori=edicao&id_edicao=51
3. FROMM, Erich. O medo à liberdade. Rio de Janeiro: Zahar, 1978, p.123.
4. LEBRUN, Jean-Pierre. Um mundo sem limite: ensaio para uma clínica psicanalítica do social. Trad. Sandra Regina Felgueiras. Rio de Janeiro: Companhia de Freud. 2004, p. 73.
5. STRECK, Lenio Luiz Hermenêutica Jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica do direito. 10. Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 88.
6. FROMM, Erich. O medo à liberdade. Rio de Janeiro: Zahar, 1978, p.201.
7. FROMM, Erich. O medo à liberdade. Rio de Janeiro: Zahar, 1978, p.188
8. FROMM, Erich. O medo à liberdade. Rio de Janeiro: Zahar, 1978, p.120.
9. DE LA BOÉTIE, Etienne. Discurso da Servidão voluntária. Trad. Evelyn Tesche. Introdução: Paul Bonnefon. Edipro, 2017. p. 94.
10. KARNAL, Leandro. Prefácio. In: DE LA BOÉTIE, Etienne. Discurso da Servidão voluntária. Trad. Evelyn Tesche. Introdução: Paul Bonnefon. Edipro, 2017. p. 12.
11. J COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Direito e Psicanálise. Interlocuções a partir da Literatura. Florianópolis. Empório do Direito, 2016, p. 94.
12. KARNAL, Leandro. Prefácio. In: DE LA BOÉTIE, Etienne. Discurso da Servidão voluntária. Trad. Evelyn Tesche. Introdução: Paul Bonnefon. Edipro, 2017. p. 13.
13. DE LA BOÉTIE, Etienne. Discurso da Servidão voluntária. Trad. Evelyn Tesche. Introdução: Paul Bonnefon. Edipro, 2017. p. 77.
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