Reportagem revela que campanha de Haddad recebeu alerta de que está sendo monitorada pelo Exército em vigilância militar pró-Bolsonaro
André Barrocal, CartaCapital
Peças-chave do QG petista estariam sendo alvo de espionagem. Aviso chegou dois dias após o primeiro turno da eleição.
Dois dias após a votação que quase levou o presidenciável da extrema-direita, Jair Bolsonaro (PSL), à vitória em primeiro turno, um cardeal do QG petista recebeu um alerta sinistro.
As principais peças do comitê de Fernando Haddad têm sido monitoradas pela área de inteligência das Forças Armadas.
Por trás da espionagem estaria o general da reserva Sérgio Etchegoyen, chefe do GSI, o órgão controlador da Agência Brasileira de Inteligência, a Abin.
O objetivo seria reunir informações para ajudar Bolsonaro a triunfar daqui a duas semanas.
É um alerta crível?
CartaCapital mostrou recentemente: a maioria do Exército bolsonarizou-se.
É uma identificação corporativa alimentada pela fúria antipetista que se alastrou pelo País e se converteu em 49 milhões de sufrágios no deputado do PSL, 46% dos votos válidos.
Entre oficiais da reserva, o bolsonarismo é total.
O vice da chapa dele, general Antonio Hamilton Mourão, comandava até setembro o Clube Militar, ponto de encontro dos que penduraram a farda.
Vários militares colaboram com a campanha e os planos do candidato extremista.
Tem mais. Etchegoyen nutre antipatia visceral pelo PT.
Há uns seis, sete anos, ele esteve em uma solenidade em sua terra natal, a cidade gaúcha de Santa Maria.
O atual líder petista na Câmara, Paulo Pimenta, outro filho da terra, também.
O deputado estendeu-lhe a mão, e Etchegoyen deixou-a no ar.
Pimenta foi puxado de canto por outro general e ouviu: “Ele não gosta do PT, coisa de família e ideologia”.
Os instintos de Etchegoyen parecem ter piorado com a Comissão da Verdade, no primeiro mandato de Dilma Rousseff.
A comissão listou seu pai, Leo, e um tio, Cyro, como cúmplices da violação de direitos humanos na ditadura civil-militar de 1964 a 1985.
Subordinada a Etchegoyen, a Abin foi apontada em junho de 2017, pela Veja, como espiã de um juiz do Supremo Tribunal Federal, Edson Fachin.
Foi logo após a delação da JBS/Friboi que quase derrubou Michel Temer, um processo que corria no STF sob a guarda de Fachin.
Na época, o hoje chefe da articulação política de Temer, Carlos Marun, que era apenas deputado, disse à reportagem de CartaCapital: “O presidente não usou a Abin. Mas, e se tivesse usado, qual o problema?”
A Lei da Abin (a 9.883, de 1999), afirmava, autorizaria a espionagem em caso de ameaça à “segurança nacional”.
O petista alertado agora lembra que, na crise que levou à deposição de Dilma, tinha recebido outro aviso, da parte de um major.
O informante pediu para conversar. E que fosse caminhando, pois ficar parado era dar sopa à espionagem.
No papo, o major disse: as Forças Armadas não aceitam a permanência de Dilma, ela vai ser cassada.
Em 5 de junho passado, a reportagem conversou com um deputado do PSDB, que não foi reeleito agora, sobre uma aparente inteligência na campanha bolsonarista.
Ele contou que, na época do impeachment, a inteligência do Exército tinha seus próprios cálculos quanto à votação e acertou na mosca, 367 deputados contra Dilma.
Nas contas dos civis do mutirão partidário anti-Dilma, seriam 369.
No alerta feito agora ao QG petista, há mais coisa sinistra.
O mesmo STF que teria tido um de seus membros bisbilhotado há pouco mais de um ano estaria hoje sob o tacão dos quartéis.
A começar pelo presidente da Corte, Dias Toffoli, contra quem já haveria munição para usar.
Seria para agradar aos militares que Toffoli classificou recentemente o golpe de 1964 de “movimento de 1964”?
Seria esse também o motivo para ter nomeado como seu assessor especial o número 2 do Exército até aquele setembro, o general Fernando Azevedo e Silva?
Um oficial que, soube-se recentemente, presta colaboração informal à campanha de Bolsonaro, tendo inclusive recebido Mourão em sua casa para um almoço em setembro.
Nas redondezas do gabinete de Toffoli circula uma história espantosa.
Quando Bolsonaro tomou uma facada, em 6 de setembro, altos oficiais teriam se revoltado e decidido ir às ruas.
A ameaça de golpe militar era real. Como Temer não tem autoridade moral para enquadrá-los, sobrou para Toffoli segurar o abacaxi.
A nomeação de um general para assessor teria sido um misto de abertura de canal com o Exército e aceitação tácita de tutela fardada.
Em 9 de setembro, o Estadão publicou uma entrevista com o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, em que ele afirmava que haveria risco de instabilidade no País, caso Bolsonaro fosse derrotado e essa derrota, encarada como efeito da facada.
Mais: que a candidatura de Lula, se aceita pelo Judiciário, provocaria a mesma instabilidade.
Até hoje, nem Toffoli nem Villas Bôas comentaram a nomeação de Azevedo e Silva.
Há sinais de que as Forças Armadas aderiram à Operação Lava Jato e não aceitam a soltura de Lula.
Quando o STF negou um habeas corpus ao petista, em abril, um general da reserva, Paulo Chagas, recém derrotado na disputa pelo governo do Distrito Federal, mandou uma carta ao juiz Gilmar Mendes, que votara a favor do HC, em tom ameaçador.
“Se a última esperança de salvar a Nação do caos, depositada pelos brasileiros nas mãos dos Ministros do STF, está desmoronando, onde estará a salvação?” Nas Forças Armadas, dizia.
Em setembro, um bolsonarista general da reserva, Luiz Eduardo da Rocha Paiva, defendeu no GloboNews a ideia de um “autogolpe”, ou seja, de golpe, pois não daria para confiar nem no STF.
“Vai fazer o quê? Vai esperar o esfacelamento da Nação?”
O alerta recente ao QG petista continha mais duas informações.
Etchegoyen teria garantido uma espécie de salvo-conduto para Temer, quando este deixar o poder. Como se sabe, há dois processos criminais à espera do emedebista.
Além disso, já haveria articulações para blindar a Lava Jato no Supremo por meio de duas nomeações para a Corte no próximo governo, para vagas que serão abertas em 2020 e 2021.
Uma nomeada seria a PGR Raquel Dodge, que gosta da ideia, segundo relatos. O outro seria o juiz Sergio Moro.
“Não tenho receio de um golpe militar que impeça o Haddad de assumir, caso ele vença. Tenho é de o Supremo impedir, por pressão militar”, disse à reportagem o petista alertado.
Como seria a manobra jurídica? “O Supremo e o TSE podem inventar problemas nas nossas contas de campanha.”
Na PGR, há gente graúda com seus receios.
“A preocupação é enorme. O golpe parece inevitável em algum momento, principalmente se o Haddad ganhar”, diz um subprocurador-geral da ativa.
Será?
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