Preferido por 26% dos brasileiros e liderando por ampla margem a frente do segundo colocado, o Partido dos Trabalhadores nunca deixou de ser visto pela elite como um representante da periferia, tomando até mesmo o seu discurso pela igualdade como um perigo para as estruturas sociais vigentes.
Seu eleitorado é majoritariamente pobre, tão ou mais periférico quanto o próprio partido diante dos seus opositores, e tratado de forma não menos marginalizada pela elite brasileira.
A luta do partido para vencer a clandestinidade vendida pela imprensa transformou-o no partido institucionalizado que alguns criticam hoje. Ao longo dos anos, o discurso mais radical foi se suavizando até encontrar a carta aos brasileiros e, enfim, a presidência em 2002.
A crítica em torno da adequação do partido é pertinente, mas essa crítica não pode ignorar a ânsia pela efetiva participação na política por parte dos sindicalistas fundadores do partido, mais acostumados com pequenas vitórias do que com a afirmação ideológica que, muitas vezes, sequer lhes pertencia de origem.
Assim como nas eleições anteriores, o partido foi eleito para a presidência com a base eleitoral formada pela população de baixa renda, especialmente no Norte e Nordeste do país. Embora tenha se sujeitado à política econômica ortodoxa, já aplicada pelo governo que o antecedeu, o governo federal passou, enfim, a destinar as verbas públicas para políticas que amparassem os mais pobres e os incluísse como efetivos usufruidores dos – ainda que efêmeros – benefícios do capitalismo. Apesar de todas as suas contradições, nunca deixou de ser reconhecido como maior representante dos cidadãos da periferia.
O Partido dos Trabalhadores sofreu um duro golpe em 2016 e esse é um fato que não pode ser esquecido. Infelizmente, há um apagamento dessa lembrança por boa parte da “esquerda brasileira” nessas eleições.
Quando Lula foi impedido de se candidatar esse ano, Haddad, seu representante, começou a subir nas pesquisas. A classe média começou a se desesperar com o que estava por vir. Declarações de voto no Ciro justificadas pela situação revelada pelo “cenário perigoso” que se avizinhava começaram a aparecer com intuito de convencer o povo a seguir pelo mesmo caminho. Não deu certo: o povo continuou a declarar o seu voto no partido preferido das massas e rechaçado por parte da esquerda (geralmente de fora da massa).
Esse movimento de migração vem sendo apontado como um voto útil, direcionado a uma candidatura que vem se declarando de centro já há algum tempo. Seu fundamento é: sabemos que houve um golpe contra a classe trabalhadora, mas, nesse momento, é perigoso demais apoiar o partido preferido da classe trabalhadora, e a melhor alternativa que se apresenta é apoiar um partido de centro, cujas pautas, embora respeitem alguns direitos trabalhistas, não enfrentam diretamente o desmatamento, a demarcação de terras indígenas e a escravidão no campo (vide carta-compromisso Conatrae), e defendem a “liberdade” dos veículos de comunicação e o “medo da ascensão do comunismo” (entrevistas da candidata à vice).
Alguns, além de declarar o voto na conciliação, julgam inoportuna a candidatura do partido, diante do cenário polarizado no qual esclarecidamente tratados como o mal do país, pois representantes da esquerda, da corrupção e da subversão. Não me parece sensato que nós possamos exigir que o partido que representa historicamente a massa do país – independentemente dos seus erros – não tenha direito de fazer a resistência que lhe compete frente à onda de horror representada por Bolsonaro e que – especificamente – contra ele mesmo se dirige.
Agora, convido todos a se questionarem o motivo pelo qual o objeto do ódio é, justamente, o petismo e por que o candidato que se apresenta como solução “convencional” afasta-se, para ampliar seu campo eleitoral, das pautas das minorias.
A história não é peculiar ao caso brasileiro. Não faz muito tempo, assistimos um movimento de repressão da esquerda, tal qual o corrente, por motivos semelhantes. Não é a corrupção que direciona o ódio ao petismo, mas o rompimento da cordialidade que mascarava um preconceito represado e que já existia desde a fundação do partido, decorrente do abalo, ainda que tênue, da nossa estrutura social e da reação conservadora que disso decorreu. O levante dos oprimidos. Não é por outro motivo que o discurso de ódio se direciona ao petismo em primeiro lugar, mas ao atravessá-lo atinge diretamente as minorias – cotas, feminismo, demarcação de terras, bolsa família – que se beneficiaram de suas políticas.
A reação teve forte representação no discurso ditatorial, representado pelo Bolsonaro, mas não foi menos presente na civilidade de João Amoedo, contrário, da mesma forma, às ações afirmativas implementadas pelo governo petista, bem ao combate à desigualdade social, ambas vistas como interferências indevidas na liberdade econômica – e apenas econômica – que lhe é conveniente.
Escolher a opção “conciliatória” diante do cenário polarizado significa abster-se diante dessa onda em nome do “medo da ditadura” às abertas, que, no entanto, nunca deixou de existir de forma velada para essas minorias – invasões sem mandados nas favelas, prisões arbitrárias, repressão policial e preconceitos de classe. Não basta a defesa de uma candidatura “progressista”, devemos defender a candidatura que significou o progresso que hoje combatem.
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