Editorial | Jair Bolsonaro e o futuro do Brasil: é mole ou querem mais?
Em momentos cruciais da história, as organizações, os intelectuais, os veículos de comunicação e o povo precisam se posicionar. A Globo até hoje tenta se justificar por ter apoiado o golpe de 1964. Esse é o nosso editorial. Que fique registrado
Editorial ALE* — Pragmatismo Político
Com Bolsonaro presidente, o Brasil continuará sendo levado no “banho-maria”, já que a agenda de Michel Temer será mantida e ampliada. O mercado financeiro gostará, assim como quem pretender investir nos mais diversos setores da economia.
A inflação permanecerá sob controle, com os altos e baixos habituais. O desemprego deverá cair até o ponto permitido pelas reservas econômicas dos meios de produção. Não haverá sobressaltos maiores devido o Congresso estar, majoritariamente, apoiando o governo.
Os movimentos sociais e os sindicatos reproduzirão o comportamento das crianças de determinada faixa etária em relação aos pais, testando a autoridade do governo até terem a certeza de que poderão se expandir mais ou terão que recuar.
Sem dúvida, o caráter militarista do governo incomodará, pois haverá o temor de romper os limites permitidos. Como nunca, nem mesmo nos tempos da ditadura militar, brotará a frustração, o desconforto de se sentir vigiado, reprimido.
A simples presença de Bolsonaro no cargo, ao invés de provocar raiva nos que nele não votaram e confiança em seus eleitores, transmitirá dúvida, apreensão e medo. Logo ele, que tanto falou em segurança.
Bolsonaro manterá tudo o que Temer deixou nas questões trabalhistas e no teto dos gastos. As demais reformas — inclusive a da Previdência, serão tratadas superficialmente para não afetar aqueles que, de fato, o escolheram para defender seus privilégios.
Os subempregos e o trabalho informal continuarão crescendo. A criminalidade não diminuirá na percepção das pessoas. Quando muito, na observação de certas estatísticas.
Um dado a se tornar visível será o empoderamento das forças policias e de segurança em geral, em todo o país, no exercício das suas funções repressivas.
No combate ao crime, todos eles, naturalmente, vão superdimensionar o valor das energias agressivas desenvolvidas e disciplinadas pelos treinos. Quer dizer, com essa salvaguarda para os agentes de seguranla, os meros suspeitos que se cuidem.
Em alguns aspectos, o provável afrouxamento para o uso de armas poderá até ser positivo no sentido de que muitos deixarão de frequentar determinados ambientes; todavia, e os estritamente necessários? Haverá um clima de sobreaviso como em tempos de guerra.
Sabendo-se que, na verdade, nem mesmo os mais aptos especialistas em segurança estão o tempo todo preparados emocionalmente para usar uma arma, os cidadãos passarão a temer não apenas os bandidos e sim também os homens de bem armados.
É possível surgir a sensação de auto-toque de recolher, que seria o próprio indivíduo apossado da condição de censor e protetor da sua vida e da sua família. Estaria efetuada, inquestionavelmente, a genuína segurança privada e particular.
Como está claríssimo, com Bolsonaro no poder o Brasil seria transformado num imenso quartel, com uma disciplina rígida, e inquietadora na medida em que nem toda hora a população, não obstante admire a espartana vida militar estará disposta a praticar ordem unida.
Os brasileiros lutaram e sofreram enormemente pela democracia; e, hoje, apesar de ela estar em estado de inanição, não podemos deixar que morra à míngua.
A democracia brasileira está na UTI, respirando por aparelhos. A última e significativa marca do seu aviltamento foi no perídio de 1964 a 1985, através de um golpe militar idealizado, monitorado e comandado pelos Estados Unidos em plena Guerra Fria.
Aqueles 21 anos de regime de exceção deixaram cicatrizes irremovíveis de sofrimento (para uns) e de conforto e prazer (para outros). Censura, prisões, torturas e mortes estigmatizaram a história do País.
Em quase todos os países da América Latina, as intervenções militares e as ditaduras delas decorrentes trouxeram uma violência ostensiva que durou até que os americanos liberassem o relaxamento gradativo. O roteiro era traçado pela “Grande Central” e cada recanto adotava seus próprios métodos.
Aqui, os governos impostos pelas armas foram terrivelmente desumanos e impiedosos com seus opositores, só que de maneira não tão visível aos menos atentos. Era uma barbárie dissimulada, bem ao jeitinho brasileiro.
Enquanto se torturava e matava, por exemplo, o presidente Médici frequentava a tribuna de honra do Maracanã, em jogos do Flamengo e da Seleção Brasileira, ouvindo seu pequeno rádio de pilhas.
Os jovens de hoje precisam pesquisar, procurar entender aquela fase difícil. O material é farto, porém tem que se ter paciência. Vários signatários daqueles dolorosos momentos conseguiram transmitir pelas gerações subsequentes a false ideia de que tudo que ocorrera foi bom para o Brasil.
A partir das manifestações populares de junho de 2013, Jair Bolsonaro começou a capitalizar eleitoralmente esse saudosismo injustificável.
O resultado do primeiro turno das eleições de 2018 prenuncia turbulências que, de uma vez por todas, exporá o verdadeiro caráter do Brasil, que sustenta-se numa mistura inconciliável de interesses e coloca todo um povo à deriva dos próprios sonhos.
Não dá mais para esconde o que se pensa, qual espécie de convicção está sendo gerada. Todos são brasileiros e, como se diz, “roupa suja se lava em casa”.
Quem se empolga com a volta dos militares ao poder de forma mais destacada, como parece estar acontecendo agora, ou é um conservador sobrevivente dos anos duros da ditadura, ou é alguém que desconhece os pontos básicos que desencadearam a história que, atualmente, se relata.
Tudo o que incomoda hoje a sociedade — se não foi plantado lá atrás, nos idos da repressão –, cresceu e se desenvolveu sob aquele manto de incertezas e desencantos que, lamentavelmente, parecem resistir como fogo de monturo.
Depende da iniciativa de cada cidadão jogar bastante água no lixo que esconde aquela chama à espera de estímulo para ressurgir igual a uma brasa aparentemente apagada que pede o revigorante álamo que lhe fará de novo uma labareda.
Será triste e catastrófico se esse fogo do autoritarismo sair definitivamente do estado latente e se transformar num fogaréu que leve a um incêndio de incalculáveis proporções. Os três poderes da República ofereceram bastante combustível para que se chegasse a esse ponto.
O desejo incontido de desidratar o PT e até destruí-lo fez com que, atabalhoadamente, se desgastasse ao máximo a classe política, pois, apesar de a prioridade ter sido o alijamento de Lula da corrida presidencial, nomes fortes que seriam opções dos antipetistas foram, surpreendentemente e fora do que previam, aparecendo em delações de presos à cota de redução de penas. Justiça seletiva e partidária dá nisso: Jair Bolsonaro.
Tirar Lula do jogo fez crescer o candidato do PSL, que seria pelo líder petista derrotado de acordo com todas as pesquisas de intenção de voto. Então, a onda militarista cresceu em face do clamor popular por um protetor, um salvador diante de tanta injustiça e violência.
Espera-se que, futuramente, o eleitor saiba distinguir o essencial do supérfluo. A consciência política é uma conquista da cidadania; tem-se que estudar, vasculhar a História no ritmo possível, nem que seja resumidamente.
Neste momento da vida nacional, é prudente começar a exercitar o senso crítico. Que se observe os currículos pessoal e profissional dos dois presidenciáveis que disputam o segundo turno da eleição; e, também, seus discursos.
É quase impossível dissociar Jair Bolsonaro da ditadura militar, porque ele, em quase trinta anos como deputado federal, sempre procurou, notadamente com opiniões e atitudes, fazer visível a identificação. Será que isso agrada a maioria dos membros das Forças Armadas, seus oficiais de maior patente?
Um dia essas dúvidas serão dissipadas; até lá é bom recordar que, regida por armas e cornetas, a corrupção que já existia, tomou corpo adulto e foi praticada camufladamente, embora já bem perceptível.
Durante a ditadura, o Brasil alcançou picos de prosperidade na economia, mas jamais investiu na educação de base e no social. As obras faraônicas proliferaram; algumas necessárias, claro, outras não. O famoso Milagre Brasileiro não se refletiu nas regiões mais desassistidas, como o Nordeste. O Brasil cresceu e se desenvolveu, é inegável, contudo desordenadamente, sem resolver seus problemas estruturais.
O País dividido que se vê não é obra do Partido dos Trabalhadores e da esquerda. A propaganda de Bolsonaro se orgulha de afirmar que o Brasil está rachado entre petistas e antipetistas. Embora isso tenha algum fundo de verdade, qual a origem do fenômeno?
Exatamente no fato de que eles — direitistas, conservadores, etc — não foram capazes de impedir a eclosão de movimentos reativos, entre os quais o mais ousado de todos, que permitiu a ascensão do PT ao topo do poder político para mostrar que, mesmo com turbulências, é possível melhorar a vida dos mais sofridos.
O Brasil está dividido porque os governos petistas deixaram um legado social que, queiram ou não seus opositores, continuará fazendo o contraponto a tudo o que se pretender implantar de retrocesso.
As gestões fardadas não souberam aproveitar as bonanças da economia para investimentos robustos em áreas estruturais como educação, saúde, segurança, moradia e outras. O que de bom realizaram está registrado e ninguém nega. No entanto, uma postura equivocada do presidente Ernersto Geisel quebrou a economia em fins da década de 1970.
O economista Mário Henrique Simonsen advertira Geisel que não era para gastar em demasia naquele instante, pois a segunda crise do petróleo (a primeira foi em 1973) estava às portas com a queda do preço do barril no mercado internacional.
O general ignorou o alerta e o resultado logo chegou com inflação resistente e crescente que culminou no aumento do endividamento externo, nos empréstimos ao FMI, na moratória, nos planos de salvação fracassados, na hiperinflação e no caos, até que surgisse o Plano Real para estabilizar a economia.
A verdade é que os militares na política são como peixes fora d’água e esse é o medo que causa ao olharmos para o contexto presente. A função primordial que exercem de defensores da soberania nacional é sinal maior de que a democracia recebe o aval que necessita para, progressivamente, se fortalecer e se aprimorar.
Fica esquisito e preocupante a maneira pela qual essa provável intromissão militar no espaço político brasileiro está acontecendo. Dá para desconfiar que Bolsonaro, com seu discurso impactante, pode ser simplesmente uma ponte.
Suas promessas quanto ao combate eficaz à corrupção e à violência são, essencialmente, igualmente feitos por todos os que aspiram o mais alto cargo da nação. Convergem para Bolsonaro as maiores expectativas devido à contundência e agressividade com que toda vida abordou os temas, somadas à natural incorporação do fato de carregar a disciplina de um militar da reserva.
Evidentemente que, se eleito, nem a violência nem a corrupção serão reduzidas ao patamar as esperanças que criou. E, com o passar do tempo, as coisas ficarão bem mais claras. Todos verão que a distância que ele conseguiu fazer crer não haver entre o que promete e o que fará existe e é enorme, praticamente irreduzível. Só que quando isso for constatado poderá ter sido tarde demais.
Ninguém pense que adiantará ir às ruas pedir para que deixe o cargo. O “FORA BOLSONARO” partiria de petistas e esquerdistas mais radicais; e não encontraria guarida nas instituições que, mesmo que disfarçadamente, o guarnecem através da maioria dos seus membros ou do espírito corporativista que prevalece em momentos decisivos. A referência é aos três poderes da República e à imprensa, todos sob os olhos vigilantes das Forças Armadas.
Os cinco generais que governaram o Brasil nos anos de chumbo da ditadura militar devem estar se virando em suas tumbas diante da performance do capitão Jair Bolsonaro. São eles: Castelo Branco, Costa e Silva, Garrastazu Médici, Ernesto Geisel e João Figueiredo.
Todos — Figueiredo menos — eram discretíssimos e, exceto para os atentíssimos, não demonstravam ser capazes de comandar tudo aquilo que, só depois de algum tempo, ficou revelado no resgate histórico e com colaboração documental dos Estados Unidos, através dos arquivos da CIA.
O escritor Elio Gaspari escreveu uma coletânea descrevendo os bastidores daquele período. A discrição dos referidos fez também, em parte, com que, anos depois, não houvesse tanto ódio na apuração dos fatos como ocorreu, por exemplo, na Argentina e no Chile.
O tamanho continental do Brasil, mais o temperamento tranquilo e alegre do seu povo ante tantas opções de divertimento — entre elas o futebol e a música –, foram muito bem usados pelo regime visando atenuar os efeitos do que ocorrera.
A propósito, a penúltima pesquisa do Datafolha, divulgada em 19/10/2018, revela que boa parte dos brasileiros acredita que o país não corre o risco de cair em uma nova ditadura.
Considere-se que as enquetes não mostram o que leva as pessoas a formarem uma convicção. Quer dizer, as aparências são o carro-chefe para a construção do senso crítico da maioria da população. E se essa ditadura já estiver aí, sorrateira, pedindo para entrar nos lares brasileiros com novas vestimentas e, por isto, tão ou mais perigosa do que foi no passado?
Nãos se pode dar brecha ao engano. Uma administração do PSL não fará uma porção de coisas que constam no programa de governo de Bolsonaro. O aceno a iniciativas polêmicas e a abordagem firme e autoritária foram responsáveis pelo seu crescimento eleitoral.
Não se maltratariam gratuitamente negros, índios, gays e “petralhas”. É possível que programas sociais já existentes sejam aperfeiçoados e até que se crie outros. Os mais carentes receberiam a atenção suficiente para que não se revoltem cedo demais.
O que acontecer discricionariamente não passaria das ante-salas do governo. Os direitistas são bastante camaleônicos; resta saber se em alguém como Bolsonaro, que se vende como uma figura autêntica, o disfarce convenceria.
Que bom seria que os que votariam em Lula e migraram para outros nomes e para Bolsonaro, neste final de segundo turno refletissem e optassem pelo sufrágio em Fernando Haddad. Não se trata de escolher o PT e sim um caminho menos tortuoso para o Brasil.
Como seria importante que os eleitores de Bolsonaro que se dizem cristãos despertassem para a urgência de mudarem seu voto no próximo domingo, dia 28. Citações bíblicas jogadas ao vento é uma agressão a quem, verdadeiramente, tem fé.
Neste momento decisivo, os brasileiros não podem permitir que se mate a liberdade nas urnas. A população não quer moleza e sim condições de viver dignamente. Bolsonaro vitorioso, muitos sonhos que poderiam se tornar maravilhosas realidades seriam assassinados.
Independentemente do resultado o debate seguirá, uma vez que a era Lula ainda está no auge e também porque, acima de qualquer coisa, A LUTA CONTINUA!
*ALE — Associação dos Leigos Esclarecidos
VEJA TAMBÉM: Por que eleitores de Bolsonaro estão mudando o voto?