"É hostil, é agressivo. Uma espécie de guerra do bem contra o mal". Evangélicos que não apoiam Bolsonaro sofrem repressão em suas igrejas
Arthur Stabile, Ponte
Ser contra o candidato à presidente Jair Bolsonaro (PSL) se tornou um risco em igrejas evangélicas de São Paulo. Há campanha massiva de pastores a favor do capitão da reserva do exército, seja implícita ou explicitamente. Eleitores contrários aos ideais do candidato revelam até terem deixado de frequentar as igrejas por conta da campanha a favor de Bolsonaro.
Segundo relatos recebidos pela Ponte, há uma campanha velada apontando o candidato como representação da palavra de Deus. Os apontamentos dão conta de que os pastores usam a ideologia de gênero, o aborto e questões ligadas à família como ponto para elogiar Bolsonaro e criminalizar Fernando Haddad, concorrente do rival PT. Para eles, de acordo com os relatos, Bolsonaro é posto como “o bem” e, Haddad, o “mal”.
“O papel deles como líderes não é de influenciar as pessoas com esse tipo de definição, em quem não devem votar, usar sua influência nas massas para direcionar um voto. Eles mostram como se as pessoas que não acompanham estão trabalhando para o diabo, essa é a mensagem deles. De que votar na esquerda é ser conivente com os planos de satanás”, explica um religioso, que pede para não ser identificado.
O temor do evangélico é em relação justamente à reação dos pastores. Segundo ele, falar fora do ambiente religioso significa uma ruptura de ideias. “Falar em on [quando o entrevistado se identifica] pra um jornalista significa questionar publicamente a liderança e quase inviabiliza que você continue dentro da vida cristã. Isso vai me colocar num nível de perseguição alto”, completa.
Os representantes ouvidos pela reportagem apontam que seus líderes não fazem apoios explícitos a Bolsonaro. Contudo, as entrelinhas são explícitas quanto a qual candidato devem apoiar nas eleições presidenciais.
“Eu me deparei com um discurso do pastor totalmente voltado à direita, embora ele não tenha citado nome de candidato”, conta Débora.
“Falou de kit gay, de como é importante apoiar candidato que defenda a família e impedir que o marxismo invada a escola como esta acontecendo. Então eu resolvi não voltar a frequentar, porque é um discurso que me faz mal”, explica.
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Débora frequentava a Igreja Metodista Wesleyana, na qual lecionou no seminário por quatro anos. Havia parado de fazer este trabalho, mas retornou este ano e se arrependeu. “Lecionava a matéria de sociologia e debatíamos temas polêmicos como homofobia, racismo, feminismo. Com o tempo eu percebi que estava meio que chovendo no molhado”, diz.
A impressão é sentida por outras pessoas. Mesmo sem lecionar, elas dizem sentir dos demais irmãos – como os evangélicos se identificam – certa falta de possibilidade de diálogo. “Eu comecei a perceber deboche, risos e boicote na hora do canto do coral que participava há 15 anos. Quando eu e minha família estávamos, eles só faziam de conta que cantavam, não soltando a voz, e isso começou quando perceberam que nossa posição política era contrária ao Bolsonaro”, conta uma evangélica, também pedindo para não ser identificada.
O temor é algo bastante comum e um sentimento coletivo. Os fiéis não sentem apenas medo dos líderes das igrejas, mas dos próprios irmãos. “A maior resistência veio de outros cristãos que acreditam que, porque você não o apoia, não luta pelos direitos e princípios cristão. Então você acaba sendo tipo como ‘menos cristão’ por isso. Em tese, deveria não só apoiar, mas também votar em um candidato que a sua igreja apoie também”, explica a estudante Paloma Dantas Sganzerla, 21 anos.
Segundo ela, os pastores da igreja que ela frequenta não falam abertamente que Bolsonaro é a salvação do país, mas, nas entrelinhas, deixam clara a mensagem. “A liderança se posiciona de uma maneira ‘passiva’. Não existe uma cobrança de voto mas, como líderes, eles influenciam, principalmente quem não tem uma posição definida e a define total e internamente pela escolha do líder. Então, quando eles expõem seu posicionamento, influenciam totalmente”, aponta.
Há igrejas que tornam o apoio aberto, como a Assembleia de Deus, uma denominação cristã protestante com uma grande variedade de igrejas afiliadas. Suas subcongregações, no entanto, não replicam os ideais da sede principal. Porém, os pastores replicam o discurso.
“O pastor da minha congregação em específico optou por não comentar nada a respeito, nem na igreja nem nas suas redes sociais. Mas os ‘irmãos’ ficaram felizes com o posicionamento do pastor uma vez que boa parte dos membros já declarava apoio ao candidato, então isso fortaleceu seus discursos de ‘candidato que luta pelos interesses cristãos‘”, conta a jornalista Jayane Condulo, 22 anos.
Para os religiosos, o posicionamento de seus líderes é equivocado. “É algo que tem me afastado da igreja, é hostil, agressivo, me sinto mal. São quatro domingos que não vou ao culto. Tenho medo de ir e o culto virar uma pregação política velada e não serei conivente, vou levantar e sair. Isso vai escandalizar”, conta um evangélico, que teme ser identificado.
“Estou ali para estudar a palavra, saber mais da Bíblia, ouvir palavra de Deus e participar do projeto de evangelização cristã que eu entendo falar em amor. Como apoiar as pessoas, o próximo, e apoiar um candidato especifico que, na minha visão política, fala contra tudo o que Jesus pregou?”, questiona.
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