“Em Honduras, temos medo de morrer de fome ou assassinados pelas maras (gangues). Por isso, quando ouvi sobre a caravara de migrantes, decidi deixar tudo (e me juntar a ela)“.
Antonio García é um dos milhares de hondurenhos que estão juntos em uma longa caminhada que tem como destino final os Estados Unidos. O grupo, que hoje soma cerca de 4 mil pessoas, saiu no último sábado de San Pedro Sula, no norte de Honduras, país da América Central, e chegou na sexta-feira (19) à fronteira com o México.
Após momentos de tensão com policiais mexicanos, alguns conseguiram atravessar a fronteira, mas a maioria segue presa no bloqueio montado pelas autoridades.
Cada um deles tem uma história – e a maioria delas é dramática.
Nesta sexta-feira, essas tragédias pessoais chegaram a Tecún Uman, na divisa entre México e Guatemala.
“México, México“, diziam, em um coro alegre, na crença de que as autoridades mexicanas os deixariam seguir viagem rumo ao que acreditam ser uma vida melhor nos EUA.
Os migrantes, entre os quais idosos, crianças e mulheres grávidas, cruzaram a ponte sobre o rio Suchiate, que separa os dois países, correndo, tomados pela euforia por terem finalmente deixado a Guatemala para trás.
No trajeto, uma grande placa verde lhes dava as boas vindas ao país.
O que eles não sabiam, contudo, era o que lhes esperava do outro lado: centenas de policiais mexicanos armados com escudos e cacetetes.
Houve confusão e empurra-empurra com as forças de segurança. Os oficiais lançaram gás lacrimogêneo. Os migrantes, pedras.
O caos tomou conta por da situação por algum tempo. Houve pânico e algumas pessoas entraram em colapso nervoso.
“Minha menina desmaiou pelo cansaço, por medo e falta de ar, sufocada no meio de tanta gente“, conta María García. Mãe solteira ela diz ter se unido ao grupo porque quer realizar o sonho da filha, de 9 anos, de ser pediatra – algo difícil em Honduras para as famílias de baixa renda como as dela, pondera.
Finalmente, a caravana rompeu a barreira de contenção, mas se viu mais uma vez bloqueada mais à frente, desta vez por grandes grandes colocadas pelas forças de segurança para tomar o controle da situação e conter os migrantes.
A pobreza e a violência das maras, gangues que atuam em alguns países da América Central, são os dois motivos citados para ter deixado para trás seu país, sua família e tudo o que construíra.
“Só queremos um trabalho. É só o que pedimos. Somos gente de bem, mas no nosso país não há oportunidades“, diz uma mulher que viaja com três filhos e que prefere não ter o nome revelado.
Ela afirma que em Honduras não encontra trabalho. “Além disso, o pouco que se ganha está sempre em risco de ser tomado pelas maras, isso se elas não te matarem. Já mataram meu irmão.”
Francisca, uma vendedora ambulante que viaja com um dos cinco filhos, diz ser viúva porque membros da gangue mataram seu marido a pedradas.
“Eu quero chegar aos EUA para trabalhar e poder comprar o marcapasso de que meu pai precisa“, conta entre lágrimas um dos migrantes que bem em frente às grades colocadas para impedir a entrada da caravana no México.
Muitos dizem que ficaram sabendo sobre a marcha pelos meios de comunicação hondurenhos e então decidiram juntar-se a ela. Alguns viajam já há uma semana. Outros começaram o percurso a poucos dias.
Presos na ponte
Exaustos e famintos, alguns estavam ali depois de caminharem centenas de quilômetros na chuva e no calor, comendo e dormindo como podiam. A maioria só leva o que pode carregar: algumas mudas de roupa e um pouco de água.
Muitos dizem ter sido bem tratados na Guatemala, onde chegaram a receber abrigo e comida.
“México, tenha humanidade, deixe-nos passar, não nos trate como os Estados Unidos faz com os mexicanos!”, gritava, com um tom de voz que oscilava entre a raiva e o desespero, um homem trepado sobre as grades.
O México, contudo, está sob pressão do presidente americano, Donald Trump, que pediu, em um comentário no Twitter, que o país freasse a caravana.
No tuíte, Trump ameaçou fechar a fronteira americana caso o pedido não fosse atendido. Ele também afirmou que interromperia a ajuda econômica a Honduras, El Salvador e Guatemala, “que parecem não ter praticamente nenhum controle sobre suas populações“.
As autoridades mexicanas declararam ter deixado passar aqueles que tinham visto, como é o procedimento padrão para cidadão hondurenhos, e afirmaram que darão início aos trâmites para aqueles que queiram solicitar refúgio.
Para agilizar esse processo, o país pediu ajuda à ACNUR, a agência das Nações Unidas para refugiados.
Mas são muitos os que não têm documentos e se veem obrigados a tentar desviar da imigração. Alguns dos mais jovens chegaram a pular da ponte para tentar atravessar a fronteira nadando.
O nível do rio Suchiate, na temporada seca, chega a bater no joelho e pode ser atravessado a pé – por ora, ele está mais alto em alguns trechos por causa das chuvas. Saltar para a água é uma manobra perigosa, já que a ponte está a mais de 6 metros. Alguns dos que pularam saíram mancando.
A única mulher que saltou, uma estudante na faixa dos 20 anos de idade que preferiu não revelar o nome, diz que só quer “um trabalho digno, algo impossível de se conseguir em Honduras“.
‘Migrar não é crime’
“O México está levando a cabo uma política de contenção, de não deixar passar a maioria”, explica à BBC, Edgar Corzo Sosa, da Comissão Nacional de Direitos Humanos.
No início, as autoridades deixaram passar 50 pessoas que haviam pedido refúgio. Depois, se chegou a um acordo para que mães e filhos fossem a um albergue em Tapachula, cidade próxima à fronteira.
Para lá partiram seis ônibus lotados daqueles que concordaram em seguir para o abrigo, ainda que muitos desconfiem das autoridades mexicanas e temam ser deportados.
Corzo afirma que, “no México, migrar não é crime, é uma falha administrativa“.
“Essa crise tem caráter humanitário. Antes de mais nada se devem proteger os direitos humanos.”
Sua equipe avalia que essa é uma migração de dimensões “que não haviam sido vistas antes“.
As horas passam e as necessidades dos migrantes aumentam. Muitos se preparam para dormir na ponte, ao relento. Nas últimas horas da sexta-feira, o governo deu início ao chamado “Plan Marina” para dar assistência humanitária à pessoas – comida ou atendimento médico, por exemplo.
“Não vamos retroceder. Não podemos. Já deixamos tudo para trás em Honduras e lutamos pela única coisa que nos resta: a vida“, diz, entre a multidão parada na ponte, Jorge Rodríguez.
Os migrantes que estão mais perto da cerca do lado mexicano se preparam para passar horas sem qualquer conforto. São tantos e estão tão juntos que têm que permanecer de pé: não há espaço sequer para sentar.
O choro de crianças e bebês é incessante.
“Por favor, precisamos passar, imploramos ajuda“, se ouve do outro lado da cerca. Os policiais, que também estão cansados, têm mais espaço para se movimentar, alguns estão apoiados sobre os escudos.
Está escuro e começa a chover.
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