Pergunta, resposta, réplica, tréplica: qual a influência do debate realizado na TV Record, na noite deste domingo (30), na formação do voto dos eleitores? Praticamente nenhuma. E a questão não é de hoje, mas já apareceu em eleições passadas
Leonardo Sakamoto*
Qual a motivação para um eleitor assistir a um debate eleitoral na TV hoje? A resposta padrão seria algo como conhecer melhor os candidatos, entender propostas para resolver problemas do país e ouvir as justificativas para eventuais acusações que pesem sobre eles e seus partidos. OK, mas qual a motivação de fato? A resposta mais sincera é: não faço ideia.
Acompanho todos os debates por dever de ofício. Mas compreendo plenamente os que não são jornalistas ou ligados à política que preferem afundar a cara em episódios felizes de Black Mirror ou Handmaid’s Tale ao invés de encarar as mais de duas horas, em média, de duração de cada um.
Qual a influência do debate realizado na TV Record, na noite deste domingo (30), na formação do voto dos eleitores? Diria que muito pouca. Os candidatos, todos treinados por suas equipes de comunicação para lidar com bolas dividas e cascas de banana (no limite do possível, claro), fizeram o básico. Atacaram duramente um Fernando Haddad e um Jair Bolsonaro ausente, dado que lideram, mas mesmo assim de forma limitada, provavelmente para não ir contra as pesquisas qualitativas que mostram que eleitores não gostam de debatedores destemperados.
Talvez o único que ganhe votos (de protesto) será o Cabo Daciolo, que não se importa com qualitativas e arrancou risos e aplausos da plateia e nas redes sociais pelo nonsense. Aliás, Daciolo deveria ser convidado para todos os debates desta e das próximas eleições, mesmo que não esteja concorrendo a nada. Para quebrar o gelo do ambiente.
Mas o debate não vai mudar as primeiras colocações nas pesquisas.
Com um formato batido e limitado, com perguntas, respostas, réplicas e tréplicas curtíssimas, os debates eleitorais funcionam mais para sabermos a capacidade dos candidatos de participarem de debates eleitorais do que estabelecer uma conversa profunda e ampla com a população. Diante do pouco tempo que dispõem, mesmo se todos os candidatos quisessem ser didáticos ao falar de economia (coisa que vários não parecem querer ou poder), dificilmente conseguiriam.
E a questão não é de hoje, mas já apareceu em eleições passadas. O que as equipes das TVs e dos demais veículos que promovem debates afirmam é que já tentaram mudar o formato, mas as candidaturas não aceitam. Representantes de políticos tendem a barrar novidades porque elas fogem de um ambiente que podem controlar. Ou podem expor o vazio de seus candidatos.
Claro que houve momentos importantes neste domingo. Respondendo a uma pergunta de Ciro Gomes, Marina Silva disse que se a política de Jair Bolsonaro, de entregar armas de fogo à população para combater a violência, estivesse valendo, o agressor dele poderia estar portando um revólver ao invés de uma faca.
Ou quando Guilherme Boulos afirmou a Fernando Haddad que é inexplicável o PT, depois de todo o processo de impeachment, ter firmado alianças com políticos do MDB, como Eunício Oliveira e Renan Calheiros.
Ou ainda quando Ciro questionou Haddad, principal alvo de ataques pelos demais candidatos (excluindo os ausentes Bolsonaro e Lula), sobre sua proposta de Constituinte. O que, convenhamos, não é uma boa ideia para este momento. Afinal, se for aberta essa caixinha agora, ao final do processo, a correlação de forças existentes fará nossa Carta Magna parecer o livro de Levítico.
O ex-governador Geraldo Alckmin ainda encaixou, em uma das respostas, uma reclamação sobre o preço da tarifa de telefonia móvel. Seria um ótimo gancho para debater o processo de privatização das empresas telefônicas no governo Fernando Henrique. Que, se por um lado ajudou a universalizar o acesso, por outro forjou um país de tarifas estratosféricas.
Mas bolas são levantadas, cortadas e pronto. Passa-se ao próximo ponto sem que o eleitor entenda direito o significado da resposta.
O problema é que o atual formato de debates garante acesso a ideias gerais e justificativas incompletas. Mostrar quem são os candidatos é importante, mas insistir em debates não-temáticos que repetem os mesmos assuntos em diferentes emissoras não é a melhor maneira para discutir o futuro do país. Há alguns esforços multiplataformas, como o debate UOL, Folha e SBT, com o apoio do Facebook, mas não acordos entre grandes TVs para transmitir conjuntamente os debates, como nos Estados Unidos.
Apenas engatinhamos em relação às possibilidades de agregar, para os debates, várias redes de TV, emissoras de rádio, sites, portais, páginas e contas em rede social, tudo em rede nacional. Deveríamos incentivar interações reais com os eleitores, para além do básico de tuitar comentários com uma hashtag.
Os mediadores, jornalistas muito bem preparados, acabam se tornando bedéis de tempo e da insanidade alheia e entregadores de direitos de resposta, quando poderiam questionar os candidatos, não deixando que fujam das questões ou até retrucando com fatos. Neste debate, por exemplo, candidatos como o Cabo Daciolo e Álvaro Dias optaram por falar de outros assuntos ao invés de responder a algumas das perguntas, o que pode ser pitoresco, mas também ruim para o cidadão que quer compor seu voto.
A mediação não deveria assumir um papel de facilitador do diálogo apenas, mas de exigir respostas em nome da população. Houve quem se enrolou com uma pergunta apenas sobre ajuste fiscal. Imagine um programa inteiro sobre geração de empregos ou sobre segurança pública? O resultado seria bastante didático ao eleitor.
Se o formato privilegiasse o aprofundamento de questões de interesse da população ao invés de permitir que os candidatos apenas batam cartão ou treinem frases que se tornarão memes, teríamos uma população melhor alertada sobre o conteúdo (ou a falta dele) de cada um.
*Leonardo Sakamoto é jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo
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