Eleições 2018

Há uma intervenção autoritária em marcha no Brasil hoje

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Bolsonaro pode ser presidente. E o perigo é exatamente esse, porque o país está diante do ovo da serpente.

João Elter Borges Miranda*, Pragmatismo Político

A vida, que já não está fácil, ficará ainda mais difícil caso o candidato à presidência pelo PSL, Jair Bolsonaro, seja eleito. A sua eleição significará não só a retirada de direitos sociais, como também a perda do direito mais elementar: a vida.

Existem muitos indícios para perceber isso. Dentre eles, basta voltar os olhos para a postura de Bolsonaro quando ainda era parlamentar. Dente outras ações condenáveis, ele votou a favor da contrarreforma trabalhista de Temer, que significa um retrocesso sem precedentes, trazendo sérios prejuízos ao conjunto da classe trabalhadora, com violações inclusive à Constituição. Votou a favor também da “PEC do Teto de Gastos”, a qual congela os investimentos sociais do Estado por duas décadas, precarizando ainda mais o sistema público. Na prática, isso significa que a população mais pobre, que hoje morre nas filas de hospitais, se aglomera em transportes públicos lotados, têm acesso à escolas em decomposição e professores mal pagos, está vulnerável à violência,  terá menos escolas, menos professores, menos remédios, menos médicos, menos transporte público, menos segurança, menos saneamento básico.

Além disso, Bolsonaro acumula na sua história uma série de declarações racistas, machistas, misóginas, homofóbicas. Foi condenado a pagar R$ 10 mil a Maria do Rosário por dizer que ela não merece ser estuprada por ser “muito feita”. Foi condenado por dizer que “quilombolas não servem nem para procriar”. Em plena votação no Congresso, as câmeras da suposta “casa do povo” mostraram o candidato votar sim por Brilhante Ustra, um homicida. Já em maio de 1999, defendeu o fechamento do Congresso realizado na ditadura: “deviam ter fuzilado corruptos, a começar pelo presidente Fernando Henrique”, afirmou escancarando a sua veia autoritária. Já disse também que “o erro da ditadura foi torturar e não matar”. Além de reverenciar torturadores, ele é aquele que disse que preferiria um filho morto a ser homossexual, é aquele que chamou de “esterco de vagabundagem” os direitos humanos é, enfim, o mesmo que diz que só quem “fraqueja” gera filha mulher.

Não obstante as suas próprias monstruosidades semânticas, Bolsonaro chamou para vice o general da reserva Hamilton Mourão (PRTB) que também já lembrou como “herói” o torturador.

O general disse recentemente que famílias pobres “onde não há pai e avô, mas, sim, mãe e avó” são “fábricas de desajustados” que fornecem mão de obra ao narcotráfico. “A partir do momento em que a família é dissociada, surgem os problemas sociais. Atacam eminentemente nas áreas carentes, onde não há pai e avô, mas, sim, mãe e avó, por isso é fábrica de elementos desajustados que tendem a ingressar nessas narcoquadrilhas”, disse ele, em São Paulo, durante palestra a empresários.

Além disso, Mourão sempre que pode critica direitos arduamente conquistados pelas trabalhadoras e trabalhadores. Recentemente, criticou duas vezes o 13º. Na última vez, afirmou que “no fim todos se prejudicam” com o benefício. Para ele, esse direito dos trabalhadores é “um custo”.

Bolsonaro também coleciona declarações profundamente lamentáveis na seara econômica. Seu conhecimento sobre economia é tão raso que chega a ser chocante para alguém com tantos anos de vida pública. Ele próprio admite que não entende nada disso e que chamará alguém do ramo pra ficar tudo certo. E chamou. Compõe o seu time o Paulo Guedes, economista conhecido por suas declarações em defesa da ofensiva ultraliberal que torna a vida da população ainda mais dura. “Ipiranga” do candidato, Guedes provavelmente será o ministro da Fazenda se a chapa do PSL for eleita. Recentemente, o economista afirmou que estava estudando a criação de um novo imposto que incidiria sobre todas as transações.

Além desse legítimo Chicago Boy, Bolsonaro correu atrás da consultoria dos irmãos Abraham Weintraub, diretor da corretora do Banco Votorantim, e Arthur Weintraub, advogado e doutor em direito previdenciário. Com a dupla dinâmica, Bolsonaro redigiu uma nova versão da Carta aos Brasileiros, na qual defendeu a independência do Banco Central, separando-o da Fazenda. “Com sua independência, tendo mandatos atrelados a metas/métricas claras e bem definidas pelo Legislativo, profissionais terão autonomia para garantir à sociedade que nunca mais presidentes populistas ou demagogos colocarão a estabilidade do país em risco para perseguir um resultado político de curto prazo”, escreveu na carta. Tal proposta é, à esquerda e à direita, criticada por economistas de mais estofo.

Nesse sentido, um terrível governo Bolsonaro-Mourão seria não só a continuação do programa de austeridade e retrocesso visto no governo Temer, como também a intensificação e radicalização do regresso. Em “defesa da ordem” (baseada na tradição, família, prosperidade e profundamente contra as conquistas das mulheres e de minorias), vivenciaríamos no país a maior perseguição e violência contra as mulheres, negros, minorias (indígenas, comunidade LGBT, quilombolas, etc), dentre outros.

A ofensiva se daria também, obviamente, através do programa político-econômico da chapa que reúne admiradores de torturador e da ditadura civil-militar (1964-1985). De caráter ultraliberal, esse programa diminuiria drasticamente a participação dos salários na renda nacional, restringiria os investimentos sociais, promoveria a concentração de capital e renda entre poucos grupos e reduziria a qualidade de vida e segurança do trabalhador.

Isso significa arrocho salarial, consolidação do domínio econômico, político, cultural e da propriedade intelectual norte-americana sobre a brasileira; significará intensificação das privatizações, ampliação do fluxo de capitais da nossa riqueza para o sistema financeiro internacional, aceleração da retirada de direitos, sendo provavelmente a primeira medida a entrar em regime de votação a reforma da previdência.

Portanto, Bolsonaro encampa um programa efetivo de mudanças ultraliberais, com prazos e caminhos, que preserva os interesses dominantes, em detrimento de nós – os “de baixo”. Faz isso porque, como é evidente, ele é uma marionete do grande capital. Em viagem aos Estados Unidos, o candidato fez declarações de amor ao credo liberal e firmou de pé junto que reduzirá o peso do Estado na economia.

Ele até tentou após o início das eleições adotar uma postura mais moderada. Procurou suavizar o seu perfil com pele de cordeiro, mas não adianta. Sua ferve flagrantemente totalitária salta aos olhos. Reage à qualquer crítica com coices de cavalo. Tenta se apresentar como candidato ideal para quem está revoltado com a política tradicional. Com isso, já apareceu no Datafolha com 35%, seguido de Haddad, com 22%. Mas, que ninguém se engane. Bolsonaro significa um verdadeiro retrocesso para o Brasil. Pode até levar Messias no nome, mas está longe de conduzir o país para um bom caminho.

Comete um grande engano quem não dá importância à ascensão do ex-capitão do Exército. Ainda que ele não vença as eleições, o bolsonarismo irá se aprofundar e, pior, pode significar o ovo da serpente, representando uma grande ameaça à já muito frágil democracia brasileira. Muitos setores já fizeram a sua escolha: irão empurrar, via Bolsonaro, o programa ultraliberal. Mídia conservadora, bancadas da bala, boi e bíblia e mercado são esses setores, que também se uniram em, noutros momentos da história do país, 1964. Outro setor é composto por frações das forças armadas, que agora dão mostram de se organizarem para governarem diretamente, sem o intermédio de outrem. Obviamente, que esse grupos não se tratam de um bloco concreto de ações, intenções e reações.

Um indício recente de que a mídia conservadora está com Bolsonaro foi a última pesquisa do Datafolha, tendenciosa, feita pelo grupo Globo. Vale lembrar também a entrevista postiça que o candidato deu, recentemente, à TV evangélica Record. Enquanto ocorria o último debate transmitido pela TV Globo, Bolsonaro estava dando entrevista para a emissora de propriedade do bispo evangélico e aliado político Edir Macedo, com o intuito de fugir do debate e humanizar seu retrógrado perfil, a três dias do primeiro turno. A mídia conservadora apoiou também o governo Temer, silenciando a crise e exaltando números como a suposta diminuição da inflação, volta do crescimento, etc. Além disso, deram grande ênfase e apoio às manifestações de 2015 pró-impeachment de Dilma Rousseff. Essa presidenta, mesmo realizando após a sua eleição um cavalo de pau, adotando o programa da oposição, foi derrubada. O golpismo, que não começou no processo de impeachment, não terminará com o resultado das eleições deste anoa.

No Congresso, Bolsonaro integra as bancadas da bala e evangélica. E fez, ao longo da campanha, vários sinais para o agronegócio. Frações das forças armadas tem a cada dia manifestado apoio ao candidato. Não à toa, Bolsonaro escolheu para vice um general. Recentemente, o Ministro do Exército, general Eduardo Villas Bôas, disse que o ataque ao presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) materializa o temor de que a governabilidade do próximo presidente possa ser afetada. Disse ainda que o resultado das eleições podem não ser legítimas. Recentemente, Bolsonaro também fez uma declaração nesse sentido. Disse que “não aceito resultado diferente da minha eleição”. 

Na contramão do mundo, o avanço de Bolsonaro faz bolsa disparar 3,80% e dólar cair abaixo de R$ 4, logo após sair o resultado do último Datafolha. Mercado financeiro vive, com isso, euforia, já colocando em suas projeções e no preço dos ativos a possibilidade do candidato do PSL vencer.

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Por isso e muito mais, Bolsonaro é um dos políticos mais perigosos e asquerosos já visto na história recente brasileira. Concordando com Safatle, tudo indica que há uma intervenção autoritária em marcha no Brasil hoje. De que maneira, nível e como ela vai se dar, é imprevisto, inclusive para os autores do processo. Não seria necessária uma lupa para evidenciar isso porque não há outra saída, que não passe pela saída autoritária, para a perpetuação da ofensiva ultraliberal. O programa defendido por Bolsonaro e abraçado pela mídia conservadora, pelo mercado, pelas bancadas mais reacionárias do congresso e por frações das forças armadas, é tão drástico para a população brasileira que só conseguirá ser implementado à bala.

Vale ressaltar que não é nem um pouco absurdo imaginar e pensar que haja conspirações. Aqueles que estão no alto escalão do consórcio estado-mercado conspiram o tempo todo. Não raro, em momentos como esse é muito “estúpido ser inteligente”, escreviam há mais de meio século Adorno e Horkheimer. Pensavam nos europeus intelectualizados, modernos e civilizados, que durante a década adotaram uma série de argumentos de lógica supostamente impecável para afirmar que seria impossível a ascensão do Terceiro Reich. Não podemos facilitar as coisas para os bárbaros.

Infelizmente, a defesa da ditadura militar está em franca ascensão também na população. Pesquisa do Instituto Paraná Pesquisas, realizada no segundo semestre de 2017, mostrou que 58% dos brasileiros afirmavam que o período militar da ditadura foi melhor (33,5%) ou igual (17,3%) ao período atual.

Por isso, são fundamentais as manifestações que presenciamos no último sábado (29), as quais mostraram nas ruas de asfalto o que já tínhamos visto nas de bytes: milhares de mulheres brasileiras e estrangeiras dizendo #EleNão ao militar reformado e contra o avanço do fascismo que ele representa.

As manifestações #EleNão foram, sem dúvida, um sopro de esperança num deserto de corações partidos e ilusões perdidas. Num tempo em que muitos preferem fazer silêncio perante ataques perpetrados pela chapa Bolsonaro-Mourão, sinto esperança ao presenciar um movimento como o promovido pelas mulheres. Acredito, inclusive, que os efeitos da experiência que elas estão vivenciando nesse processo transcenderá a própria experiência. É o que alguns chamam de Kairós. Na estrutura linguística, simbólica e temporal da civilização moderna, emprega-se uma só palavra para significar a noção de “tempo”. Diferentemente de nós, os gregos antigos tinham duas palavras para o tempo: chronos e kairós. Enquanto a primeira refere-se ao tempo cronológico que pode ser medido por possuir natureza quantitativa, kairós possui natureza qualitativa e significa tempo pleno, sendo indicador do fenômeno temporal em que algo especial acontece.

Em toda a sua vitalidade e beleza, nesse momento em que a fronteira entre o próprio ser e o ser aleio se rompe, elas estão mostrando que ainda é possível tomarmos as rédeas do processo histórico e transcendermos o regime de opressão que cotidianamente nos agride e que piorará ainda mais com o avanço do fascismo.

Toda a força contra a eleição do político mais abominável do mundo é necessária, pois, caso sejamos vencidos, essa derrota não significará unicamente a perpetuação da perda de direitos sociais, mas também um verdadeiro de decreto de morte para muita gente. Essa ofensiva ultraliberal pode se dar, também, via um possível governo Haddad. Caso Bolsonaro não vença no segundo turno, o petista pode ser empurrado a adotar o programa da oposição, como ocorreu com Dilma em 2015.

De todo modo, precisamos estar preparados, pois, tentarão de todas maneiras impossibilitar que seja aplacada a ofensiva ultraliberal. Seja por meio da eleição do Bolsonaro, do Haddad, via intervenção autoritária, enfim, farão de tudo.

Com certeza, é difícil reagir a isso. Não é, porém, momento para se calar e só ficar observando esse momento histórico terrível. Afinal, parafraseando Criolo, “se fosse pra ter medo dessa estrada, não estaríamos há tanto tempo nessa caminhada”.

#EleNao #EleNunca #EleJamais

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*João Elter Borges Miranda é professor de história formado pela Universidade Estadual de Ponta Grossa e milita na Frente Povo Sem Medo, Frente Ampla Antifascista e Intersindical.

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