É notória a relação entre ultraliberais e governos autoritários, e estamos assistindo novamente este casamento com Paulo Guedes e Jair Bolsonaro no Brasil
Eric Gil*, Pragmatismo Político
Uma das propostas de Paulo Guedes, provável ministro da Economia do governo Bolsonaro, é aprovar o mesmo sistema de previdência que Pinochet implementou no Chile na década de 1980, o de capitalização. Este sistema se baseia na contribuição única do trabalhador, diferentemente de quase todo o restante do mundo e do Brasil, onde há participação de empresários e do governo no financiamento das aposentadorias.
Um estudo encomendado há alguns anos pelo próprio governo chileno concluiu que metade dos aposentados daquele país recebia míseros 30,6% de um salário mínimo. Hoje o governo de direita de Sebastián Piñera já prepara uma nova reforma da Previdência para fazer com que empresários contribuam com 4% sobre os salários dos seus trabalhadores para que as aposentadorias deixem de ser tão baixas.
Ignorando o próprio exemplo internacional de capitalização, o Chile, Paulo Guedes continua a defender o sistema de capitalização para o Brasil, um país ainda mais pobre do que aquele. Mas por que Guedes tem tanto apreço pelo sistema econômico do ditador Pinochet? Há alguma relação entre ultra-liberalismo e autoritarismo?
Paulo Guedes, os “Chicago Boys” e um convite do ditador
A história entre Paulo Guedes e a ditadura chilena é de longa data. Guedes doutourou-se na escola do ultra-liberalismo econômico de Chicago, em 1978. Como Malu Gaspar mostra em sua ótima matéria publicada na Piauí, ao retornar para o Brasil em 1979, esperando ser contratado para dar aulas em tempo integral na PUC-Rio ou na FGV-RJ, ambas escolas econômicas liberais importantes no país, Guedes conseguiu apenas dar aulas em tempo parcial nestas duas instituições e no Impa, não tendo assim todo o prestígio que achava que carregaria ao retornar à sua terra com o título de doutor pela Universidade de Chicago.
No entanto, no início da década de 1980 o economista recebeu um convite do governo ditatorial chileno para dar aulas na Universidade do Chile – que àquela época era dirigida por um general – recebendo 10 mil dólares mensais e passagens uma vez por ano para o Brasil, mais do que recebia com todos os trabalhos de então juntos.
Isto fazia parte da política de recrutamento de liberais para o governo e para dar aulas no Chile, este último com o objetivo de combater as ideias de esquerda da CEPAL, que dominavam o cenário acadêmico no país e parte do continente até então. Isto não aconteceu apenas no Chile, apesar de este país ter sido o caso mais extremado.
Como é narrado no livro Economists in the Americas, organizado por Verónica Montecinos e John Markoff, os EUA financiaram com bolsas, empregos e passagens aéreas inúmeras universidades na América Latina para que o liberalismo se expandisse e virasse o mainstream das escolas econômicas daqueles países – o que acabou dando certo.
Apesar de estar no seu mundo perfeito, o economista decidiu voltar para o Brasil quando encontrou agentes da polícia secreta vasculhando o apartamento onde ele morava – afinal de contas, ditadura só é bom nos olhos dos outros.
Como afirmou para Gaspar naquela mesma reportagem, “Percebi que havia uma mancha terrível sobre mim. Aí eu comecei a ver que a política é uma ferramenta suja nas mãos dos menos aptos”.
Ou seja, para Guedes ele estava sendo apenas um “técnico”, alegação muito comum no campo dos economistas, mesmo quando estão servindo ditaduras. Mesmo os cabeças da economia na ditadura de Pinochet “achavam” (com muitas aspas) que não tinham nada a ver com a política de Pinochet. Em entrevistas no documentário “Los Chicago Boys” (2015), tanto Sergio de Castro quanto Rolf Lüders, dois ministros da Fazenda da época do governo ditatorial, alegaram que à época não tinham conhecimento algum das torturas promovidas por Pinochet e seu regime, pois não conversavam sobre isto com outros membros do governo, se preocupando apenas com os problemas da economia. No entanto, Lüders admitiu que não poderia ser possível fazer “as mudanças feitas no Chile sem um regime autoritário”.
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É notória a relação entre ultraliberais e governos autoritários, e estamos assistindo novamente este casamento com Paulo Guedes e Jair Bolsonaro no Brasil. No entanto, como ainda não temos uma ditadura, será mais difícil implementar todo o programa ultraliberal proposto sem crises internas. Como mostraram algumas pesquisas da BTG Pactual sobre a opinião dos eleitores do Bolsonaro, não é unânime (e nem perto disto) o apoio à estas pautas. Seus eleitores se identificam muito mais em questões morais do que econômicas. Para além disto, parte dos que compõe seu governo também pensam a economia de outra forma, como os próprios militares.
A questão para refletirmos a partir de agora é se será possível o aumento do liberalismo econômico no Brasil sem o aumento do autoritarismo do governo.
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*Eric Gil é economista formado pela Universidade Federal da Paraíba, mestre e doutorando em Ciência Política pela Universidade Federal do Paraná; escreve quinzenalmente para Pragmatismo Político
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