Eleições 2018

A pergunta que perturbará o sono da nossa geração por muito tempo

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Durante muito tempo, uma pergunta perturbará o sono de boa parte da nossa geração. A reposta certamente animará estudiosos durante décadas

Felipe Calabrez*, Pragmatismo Político

Como entender o estado de profundo torpor em que o país se encontra?

Toda a imprensa internacional assiste atônita uma jovem democracia conferir favoritismo a um sujeito que representa a ala mais carniceira da ditadura militar. Sim, havia a ala “sorbonista” entre os militares, assim chamada por ser considerada mais refinada e preservar resquícios de valores “legalistas” – reparem, não estou dizendo democráticos –, além de pretender devolver o poder ao civis após a derrota dos “comunistas”. Essa ala travou embates com a ala “linha dura”, que queria instaurar uma ditadura por tempo indefinido. Abaixo dessas cúpulas, um “baixo clero”, que ganhou poder com a vitória da linha dura e pôde fazer sua pequena carnificina nos subsolos do DOI-CODI.

O que estamos vendo hoje, para a estupefação daqueles que nutrem e levam a sério os valores mínimos necessários a um projeto de civilização, é uma corrida presidencial liderada por um sujeito defensor das práticas desse subsolo. Defensor aberto da tortura e de torturadores, o candidato prega o extermínio de seus opositores, que, assim como na tática de guerra, são vistos como inimigos. Com fala toscas, incita a violência e a intolerância às diferenças e minorias, o que depois desmente com a conhecida dose de cinismo daqueles que falam absurdos e depois reclamam que “o mundo está chato” e era apenas uma “piada”. O leitor sabe do que estou falando.

A violência e sangue que já se vê nas ruas, no entanto, não nos parece piada alguma.

Mas o que teria feito figura tão grotesca emergir dos bueiros do autoritarismo e liderar uma corrida presidencial? A reposta a essa questão certamente animará estudiosos durante décadas e não cabe aqui respondê-la. Ao que parece trata-se daquilo a que chamam de tempestade perfeita, momento composto por uma rara combinação de circunstância que conduzem ao desastre. Entre essas circunstâncias certamente se incluem o evidente desgaste de todo o sistema político, que teve suas entranhas expostas em rede nacional nos últimos anos em um tresloucado processo que envolveu escutas ilegais, malas de dinheiro, prisões e solturas arbitrárias. Tudo isso em meio a uma brutal retração econômica e altos índices de desemprego.

Esse processo, como sabemos, foi altamente desbalanceado do ponto de vista partidário. Com o apoio da grande imprensa imaginava-se (re)conduzir ao poder a oposição que não ganhava mais nas urnas mas ainda era favorita pelos operadores do “mercado”. Como não há um controle central, deu no que deu. Sobrou pra todo mundo, o partido da oposição agiu sem nenhuma virtu, e, após uma sucessão de erros estratégicos, saiu desmoralizado e sem votos. Tanto é assim que seu candidato ao governo de São Paulo busca, à revelia dos membros de seu partido, se colar ao representante do esgoto do autoritarismo, surfando na onda irracional e de frustração que assola o país. Essa mesma onda irracional que permite com que um parlamentar de carreira – estamos falando de um político profissional, é preciso lembrar – se apresente como um outsider contra “tudo o que está aí”.

Parte do empresariado também declara apoio ao candidato autoritário, o que não espanta quem conhece as posições históricas dessa classe a que se costumava chamar de burguesia. Só que dessa vez sua aventura autoritária não parece ser exatamente igual à precedente de 64. Exceto um ou outro que abusa do delírio, ninguém crê estar lutando contra o comunismo. Parece mais se tratar de um ranço de classe que deturpa sua visão sobre seus próprios interesses, já que nada garante que o saldão prometido pelo economista “liberal” da candidatura autoritária traria de volta a prosperidade. Pensam estar abrindo “mão da coroa para salvar a bolsa”, como diria Marx. Estão no máximo ganhando na bolsa. E a curto prazo. Por que a médio ninguém sabe onde terminará essa aventura irresponsável.

Por fim é preciso lembrar que somos sim um país majoritariamente conservador. Uma sociedade com fortes traços autoritários. Mas aqui é preciso dizer duas coisas: Não somos só isso. Somos também diversos, plurais, e assim continuaremos.

Em segundo lugar, mesmo a fatia conservadora – ao menos boa parte dela – não apoia assassinatos e torturas. Ela não se confunde com o esgoto do autoritarismo. E por quê então estamos vendo amigos e familiares defendendo – ou ao menos chancelando – declarações que pregam a violência, a prisão arbitrária e, no limite, o extermínio? Essa é a pergunta que perturbará o sono de boa parte de minha geração por muito tempo. Mantendo algum otimismo, creio que parte dessas posições será revista quando passar esse estado de profundo torpor e aversão à lógica e ao argumento que lhes acomete.

No curto prazo nos cabe resistir e tentar virar o jogo. Porque se os devaneios de campanha se realizarem em caso de vitória do outro lado, teremos muita turbulência pela frente. Ninguém aceitará passivamente retroceder em suas liberdades comportamentais. E se não houver um “empurrãozinho” do crescimento econômico, sempre eficaz em adiar os conflitos, um acerto de contas do país consigo mesmo se tornará inadiável.

Que os estragos não sejam muito grandes.

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*Felipe Calabrez é mestre em Ciência Política, doutor em Administração Pública e Governo pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP) e colaborou para o Pragmatismo Político

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