Policial é intimado pela corregedoria após afirmar que não apoia Bolsonaro
PM fez um relato comovente, esclarecedor e lúcido sobre a motivação que o levou a decidir ser um policial e como, após 9 anos de ingresso na polícia, ele adquiriu conhecimento suficiente da engrenagem para declarar-se contrário a Bolsonaro
Mauro Donato, DCM
Na onda de publicações de testemunhos que justificam o ‘Elenão’ (algo surpreendente, como se houvesse necessidade de explicar porque não se é, por exemplo, assassino), já estivemos lendo relatos do tipo “Ele não, porque sou negro”, “porque sou judeu”, “porque sou evangélico”, e por aí vai.
Como não poderia ser diferente, todos que se expõem acabam tendo dissabores com ataques (virtuais ou não) de seguidores do capitão.
Imagine o que aconteceria se um policial militar tomasse a palavra para se posicionar. Em menos de 24 horas a Corregedoria o intimaria, certo? Batata.
Martel Alexandre del Colle é PM e fez um relato comovente, esclarecedor e lúcido sobre a motivação que o levou a decidir ser um policial e como, após 9 anos de ingresso na polícia, este aspirante a oficial da polícia militar do Paraná afirma ter conhecimento suficiente da engrenagem para declarar-se contrário a Bolsonaro.
O texto de Martel foi publicado no site Justificando, e como previsto no segundo parágrafo deste artigo e por qualquer pessoa que viva no Brasil de 2018, em menos de 24 horas o policial foi intimado pela Corregedoria Geral da PM do Paraná. Seu comparecimento deverá ser feito amanhã (dia 11).
Em seu texto, Martel conta ter presenciado muitas injustiças desde pequeno, e que seu desejo era “equilibrar as coisas”, para “diminuir o sofrimento das pessoas”. “Eu queria ser um super-herói, salvar pessoas, lutar contra o mal (…) Então entrei na polícia. Não só para absorver a técnica, mas também para absorver a cultura. Se quiser andar com os lobos, seja como os lobos”.
A tal cultura, entretanto, foi um baque. Ou blague, como queiram. Ele prossegue:
“Lá ouvi pela primeira vez que não houve ditadura no Brasil, que foi tudo para nos salvar do comunismo”.
Ainda que não tragam nenhuma novidade para quem não vive alheio à realidade ou, no mínimo, já assistiu a filmes e seriados, as revelações do PM Martel mostram um raio-X nada edificante da corporação.
“Aprendi que mulheres na polícia não servem para nada. Só querem se aproveitar e usar seu charme para conseguir vantagens com os chefes. Também aprendi que oficial de escritório é Mané, Policial de verdade vai para a rua, trocar tiros, prender ladrão. Policial de verdade está na rua para matar ou morrer. Aprendi que lá fora é a guerra (…) Aprendi que o judiciário nos persegue. Ficam investigando os policiais que trabalham de verdade. Aqueles que trocam tiros, que apreendem drogas, em vez de investigarem bandidos. Aprendi que para ser um policial reconhecido tem de ter homicídio na ficha. Os mais admirados chegam a ter 40 homicídios”.
Martel tem todos os motivos, portanto, para temer que o coiso no poder acentuará exponencialmente a matança generalizada. Em novembro do ano passado, durante um evento de entrevistas promovido pela Veja, o capitão-que-vai-tomar-um-passa-moleque do general declarou em alto e bom som e algum sibilo: “Policial que não mata, não é policial”. Pois bem, é essa ‘cultura’ nas polícias militarizadas que é a semente da barbárie que vivemos nas grandes cidades.
O texto vale ser lido na íntegra e Martel merece reconhecimento. Ponto fora da curva, ele é o que poderia chamar de soldado ativista. Grava vídeos nos quais entrevistas convidados para tratar de temas como refugiados, criminalização das drogas, ateísmo. Reproduzo aqui sua conclusão, para que possamos ainda nutrir alguma esperança em relação aos que trajam fardas com a melhor das intenções:
“Não voto em Bolsonaro, pois ele não quer fazer valer os direitos humanos, ele quer restringi-los. O que significa mais mortes, mais violência, mais sofrimento. Bolsonaro diz que não há excludente de ilicitude e que policiais sofrem por causa da justiça, como eu também aprendi, mas isso é mentira. Primeiro porque existem excludentes de ilicitude no código penal, ou seja, se um policial matar alguém para se proteger ou proteger terceiros ele será inocentado. Essa tentativa de diminuir a investigação em cima de policiais que participaram de confrontos só ajuda o policial corrupto e causa a morte do policial correto. Esse não é o caminho do bem. Violência só gera mais violência. Está na hora de parar esse ciclo. Por isso é que #elenão.”
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