Proposta de Bolsonaro para a segurança já foi testada e só matou negros e pobres
A política de Jair Bolsonaro para segurança pública já foi testada e só causou a morte de negros e pobres
Jair Bolsonaro é lembrado por várias afirmações consideradas racistas, mas sempre dá uma explicação malabarista que acaba sendo aceita por alguns. O mesmo não ocorre com suas propostas. Várias delas prejudicarão mesmo a vida da comunidade pobre e negra.
1. Carta branca para matar pretos
Em 2017, Bolsonaro afirmou que vai lutar pelo chamado excludente de ilicitude para os policiais em serviço. Na prática, trata-se de uma carta para matar quando se sentirem em perigo. Essa ideia expressa uma política de segurança fracassada e ineficaz que aumentará o genocídio de jovens negros brasileiros.
Se essa permissão para matar fosse a solução para a criminalidade, o Brasil já seria o país com os menores índices de violência do mundo. Em 2015, um relatório da Anistia Internacional destacou que nosso país já tem a força policial que mais mata em todo planeta, e a maioria das vidas perdidas eram de homens negros. Em 2016, policiais mataram 963 pessoas brancas e mais de 3 mil negras.
A própria ONU considerou a realidade brasileira um verdadeiro escândalo racial e promoveu uma campanha chamada Vidas Negras. “Vinte e três mil assassinatos de jovens por ano é um escândalo. A sociedade brasileira, os governos e cada um de nós temos de fazer a nossa parte”, disse Nadine Gasman, representante da ONU.
O que muitos países integrantes sugerem para diminuir a criminalidade não são políticas de repressão como as do candidato do PSL, mas políticas de desenvolvimento. Muitos criminalistas e sociólogos apontam a desigualdade social como fator que turbina a criminalidade. A desigualdade influencia mais do que a própria pobreza. Nosso país tem 10 vezes mais homicídios por ano do que Gana, na África, apesar de estar 69 posições acima no último Ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU.
Além disso, esse tipo de política já fracassou. Os Estados Unidos seguiram a mesma linha-dura em 1994 e se deram mal. A proposta dos 3 Crimes (Three Strikes), por exemplo, assinada pelo então presidente Bill Clinton em 1994, endureceu principalmente o combate ao tráfico e limitou a liberdade condicional de muitos presos por infrações leves.
No projeto, estava incluso US$ 9 bilhões para a construção de prisões e US$ 8 bilhões para contratação de 100 mil policiais. Mais de dez anos depois, pesquisas publicadas no principal periódico de criminologia do National Criminal Justice Reference Service, em 2007, concluíram que “os gastos tiveram pouco ou nenhum impacto na criminalidade”.
Por outro lado, o pacote de medidas promoveu um dos maiores problemas americanos: o encarceramento em massa, principalmente de negros – empresários e estudantes brancos que conseguiam pagar por uma defesa não eram punidos da mesma maneira.
Em 2014, em um dos comício de campanha para a Hillary Clinton, na Filadélfia, manifestantes do movimento #BlackLivesMatter acusaram o presidente de destruir suas comunidades, dias após ele emitir um comunicado pedindo desculpas por assinar a lei.
Um dos fatores que levou a essa segregação racial foi a diferença de punição entre o crack, que estava se popularizando entre afro-americanos, e a cocaína, utilizada por americanos com maior poder aquisitivo na década de 1990. Aqui no Brasil, o impacto das diferenças raciais para a polícia ainda é grande.
Uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o Ipea, de 2017, apontou que “apesar de não existirem indícios de que negros cometam mais crimes do que brancos, a tendência de sofrerem maior coerção por parte do sistema de justiça criminal, seja por uma vigilância mais incisiva por parte da polícia, seja por uma probabilidade maior de serem punidos, é maior.”
2. Repressão ao invés do desenvolvimento para afro-brasileiros
Bolsonaro nem acredita na desigualdade social, quanto mais na racial. Ele já disse que não tem nenhuma dívida histórica para pagar com os afro-brasileiros e que quer reduzir o número de cotas nas universidades. Uma ignorância construída pela negação do racismo, uma mentira que conta para proteger sua moral.
A Constituição brasileira só foi considerar o passado de eugenia e racismo em 1988. O artigo 5° inciso XLII, determina que “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito de reclusão nos termos da lei”. As cotas raciais em universidades, que já haviam sido implantadas nos EUA na década de 1960, chegaram ao nosso país só nos anos 2000, período no qual apenas 3% dos universitários eram negros. As cotas não conseguem sozinhas diminuir a desigualdade social entre brancos e negros, mas abriram caminho para o surgimento de uma sociedade mais igualitária, que visa o princípio constitucional da equidade.
Lúcio Antônio Machado Almeida, professor na Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) e mestre em direito com ênfase em políticas de ações afirmativas, afirma as cotas devem ser até maiores porque os negros são 54% da população brasileira. Para ele, “ampliar é posicionar-se com um critério de justiça. O olhar não pode ser aritmético como o do IBGE. É preciso equiparar uma desigualdade histórica.” Mas o racismo no Brasil é considerado velado pelos sociólogos e tem uma configuração diferente da dos outros países. A sociedade que se miscigenou “suportou” a presença de negros nas proximidades, desde que eles continuassem inferiores.
3. Armas para cidadãos, uma armadilha mortal
Uma das propostas do candidato para a segurança pública é facilitar o acesso às armas para o “cidadão de bem” em vez de defender a diminuição das armas dos criminosos. A maioria dos seus eleitores ainda não pensou sobre essa realidade, mas uma arma chega a custar mais caro do que um fusca. Uma pistola Taurus Pt 59 S – Cal 380 – Inox, por exemplo, é vendida, em média, por R$ 7 mil.
Além do preço salgado para a maior parte da classe média baixa, o racismo institucional da polícia, que olha para negros de forma desconfiada e faz abordagens mais agressivas, pode gerar uma tensão que aumentará as estatísticas de assassinatos sem justificativa.
No mês passado, Rodrigo Alexandre da Silva Serrano, 26 anos, desceu a ladeira na favela Chapéu Mangueira, na zona sul, para esperar a mulher e os filhos com um guarda-chuva preto quando foi atingido por três disparos vindos de policiais, que teriam confundido seu guarda-chuva com um fuzil.
Imagine se a PM encontra um negro andando à noite com uma arma. Segundo o Boletim de Análise Político-Institucional da Diretoria de Estudos e Políticas do Estado e do Ipea, “os sinais identificados para abordar um suspeito são, de forma geral apesar de não exclusiva, fortemente associados à classe social e à raça dos cidadãos”.
Na década de 1960, nos EUA, um grupo de negros se cansou dessa repressão racial e, utilizando do direito constitucional de portar armas, passou a acompanhar as abordagens da polícia. Era o partido dos Panteras Negras – uma das imagens mais icônicas daquela década é a foto de um dos seus líderes, Huey P. Newton, exibindo suas armas. Para eles, a única forma de defesa contra o sistema racista americano era ter uma arma para sua proteção.
Até os dias de hoje, os índices de negros mortos pela polícia é maior entre negros que não estão armados. Os americanos negros desarmados são cinco vezes mais propensos do que os americanos brancos desarmados de serem baleados e mortos por um policial.
Só que nenhum governo parece querer negros andando armados por aí. A intervenção militar no Rio causa várias polêmicas e é acusada, inclusive, de estupro e coerção a moradores das comunidades. Imaginem como seria a abordagem se esses militares presenciassem moradores armados legalmente andando pelos morros.
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Quando os Panteras Negras mostraram essa realidade para os EUA, a resposta veio com uma enxurrada de leis de controle de armas. O deputado republicano Don Mulford respondeu às patrulhas policiais dos Panteras Negras em 1967 com um projeto de lei que retirava dos californianos o direito de portar armas de fogo abertamente nas ruas.
A lei de Mulford, que ficou conhecida como a “Lei dos Panteras”, foi aprovada com o apoio da National Rifle Association [Associação Nacional do Rifle]. Tanto os republicanos quanto os democratas na Califórnia apoiaram o aumento do controle de armas.
O ex-governador Ronald Reagan expressou posteriormente que “não havia razão para que na rua um cidadão carregasse uma arma carregada” e que as armas eram uma “maneira ridícula de resolver problemas”.
Ele chamou aqueles que não resolviam problemas com armas de “cidadão de bem”. Esse termo também utilizado por Bolsonaro se refere apenas a pessoas brancas de família tradicional cristã. Outras entidades racistas são famosas pela utilização do termo, como a Ku Klux Klan, responsável pela maioria dos assassinatos violentos de negros durante a era Jim Crow [período em que vigoraram no sul dos EUA leis segregacionistas] e até hoje está ligada a casos de violência racial naquele país. Cidadão de bem era o nome do jornal da organização supremacista de extrema- direita.
É notório como as propostas do Jair Bolsonaro são irrigadas da ideia fajuta e já desbancada de democracia racial. A aprovação de todas essas propostas citadas pode escancarar a segregação econômica do país e estimular uma violência descabida contra a população negra, fazendo com que vários conflitos violentos ressurjam. Nosso país costuma esquecer como foram agressivas as revoltas raciais desde a escravidão. Esquecer o passado é a única justificativa para apoiar tamanha ignorância.
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