O antipetismo
Delmar Bertuol*, Pragmatismo Político
Muitos avaliam que o fator decisivo nos resultados das últimas eleições presidenciais foi o antipetismo (não digo que o Ciro teria mais chances porque seria cômodo analisar o resultado julgando uma hipótese que não aconteceu). Acho, contudo, que há um erro conceitual aí. Mais especificamente no que seria esse antipetismo. Isso gera, inclusive, injustiças com os governantes petistas dos últimos anos.
O antipetismo nasce contemporaneamente à fundação do PT, na Abertura Política, no início dos anos oitenta. Isso é, antes mesmo de sequer o PT governar qualquer cidade. O antipetismo nasce em antagonismo à proposta do partido.
Mesmo depois de mais de quinze anos de uma ditadura que ceifou direitos sociais e individuais, parte da população brasileira, me refiro aos classemedianos remediados (eles sempre existiram), não vislumbrava que a administração brasileira, seja na União como nos estados e municípios, deveria ser relegada a partidos representativos da classe trabalhadora, de esquerda. Sempre houve no Brasil essa parcela de trabalhadores pobres que não se enxerga como tal.
Pra eles, vale a máxima do liberalismo de mercado e da meritocracia, mesmo que, por mais méritos que a princípio tenham, continuam a figurar na base da pirâmide social. Como ainda conseguem trocar de carro com frequência e ir ao litoral por vinte dias no verão, não se veem ali embaixo. Não enxergam, contudo, que justamente conseguem fazer isso graças às políticas de incentivo ao consumo aos mais pobres.
Tal concepção política se refletiu na eleição do Collor. Bonito, novo e atlético, encarnava o ideal do darwinismo social, do esforço individual como único requisito pra se conquistar ascensão financeira. Sem contar a pecha de caçador de corruptos, algo sempre convincente num país que, pelo menos desde o extrativismo colonial, em 1530, sofre com esse mal.
Deu no que deu.
Com a legitimidade de mentor do Plano Real, que ajudou a estabilizar a economia, o neoliberal Fernando Henrique Cardoso se elegeu.
E, em 98, com o discurso de continuidade ao ajuste econômico (que já sofria revezes) e ao voto antiPT (como disse, ele já existia), ele foi reeleito.
Em 2002, contudo, o neoliberalismo no Brasil estava insustentável. Mesmo os antipetistas, muitos sofrendo com o desemprego, queriam uma mudança política e econômica no País.
Adotou-se o voto “vamos de Lula pra ver o que dá”, sobretudo depois que ele publicou uma carta ao povo brasileiro se comprometendo com algumas atitudes. “Ao povo”, leia ao mercado. E “algumas atitudes”, leia manter matrizes econômicas liberais.
Elegeu-se Lula com relativa vantagem.
Fez um governo voltado ao povo, mas não esqueceu do mercado. Tanto, que ambos, mercado e povo, ignoraram denúncias de corrupção e o elegeram novamente em 2006.
Mas o antipetismo não havia acabado. Ele nunca acabou. Estava apenas dando uma conveniente trégua. Afinal, nunca os banqueiros e as empreiteiras faturaram tanto. (banqueiros faturando. E há quem chame os governos petistas de comunistas….).
Em 2010, ainda com a legitimidade de quem tinha convencido o (deus) mercado e o Congresso (como, é discutível), Lula indica a Dilma para a sua sucessão. Além de sem carisma, era mulher… o antipetismo se redesperta. Mas ela consegue se eleger. Até porque tem como seu rival o insosso José Serra, que não conseguiu desconstruir a figura de Lula, que, por sua vez, garante que a Dilma fará o seu papel.
O antipetismo permanece ainda velado até as eleições de 2014. Nelas, quando parte de seus membros desperta, a Dilma vence de forma apertada. E essa estreita diferença legitima a não aceitação plena da derrota por parte do Aécio, que conclama a parte antipetista ainda silenciosa e não deixa a Dilma governar.
O resultado é menos de dois anos de (des)governo, que culmina com o Golpe de 2016.
E mesmo o Temer ter feito mais mal aos trabalhadores em dois anos do que fez o PT em doze, ainda os malfeitos são, pelos antipetistas, ligados justamente aos governos petistas, que estão há mais de dois anos completamente fora do Governo Federal.
A César o que é de César, diz a passagem bíblica, livro tão citado nestes tempos em que a laicidade estatal parece ignorada.
Membros do PT (e não o PT, pois ele é uma instituição e, como tal, inimputável) erraram sim. Cometeram malfeitos, ilegalidades e até crimes. Mas sabemos bem que o sentimento antiPT é anterior a isso. A repulsa petista existe desde que os trabalhadores remediados não se enxergam como tal, lutando ao lado da elite econômica, como se lutasse em prol de si próprios.
Muitos críticos dos erros cometidos pelas lideranças petistas mudaram de partido ou fundaram outro, o PSOL. Mas criticam os erros, não os acertos dos governos petistas, eis a diferença.
Não foi o antipetismo nem muito menos a chamada equivocadamente “corrupção petista” que elegeu o Bolsonaro.
Foi a falta de consciência de classe.
*Delmar Bertuol é professor de história da rede municipal e estadual, escritor, autor de “Transbordo, Reminiscências da tua gestação, filha”