EUA

Como os maridos coagem os votos das esposas nos Estados Unidos

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Autora relata casos de mulheres que são coagidas por seus maridos a votar de acordo com as preferências políticas dele

Jornal GGN

Rebecca Solnit, autora de “A Mãe de Todas as Perguntas” e “Os Homens Explicam Tudo Para Mim“, publicou no The Guardian, na segunda (19), um artigo relatando casos de mulheres que são coagidas por seus maridos a votar de acordo com as preferências políticas dele. Segundo Solnit, claramente não há estatísticas oficiais sobre isso, mas quem trabalha em campanha eleitoral, batendo de porta em porta, já presenciou episódios de republicanos empurrando seus ideais conservadores – e machistas – para cima das esposas que simpatizam com democratas.

Solnit tomou conhecimento de parte dessas histórias por meio de Annabel Park, que ficou marcada por certa vez em que saiu de porta em porta fazendo campanha para o democrata Beto O’Rourke, ao Senado. Em Dallas, num complexo de apartamentos de baixa renda, uma mulher atendeu a campainha com o marido logo atrás dela. “Ela parecia petrificada e seu marido parecia ameaçador.” Quando Annabel falou do candidato, o marido gritou: “Não estamos interessados“. A esposa sussurrou que votaria em Beto e fechou a porta antes que mais uma palavra em voz alta fosse dita. “Annabel me disse depois: ‘Está na minha cabeça. Ela foi espancada? Esse foi o meu medo’.”

Há uma forma de intimidação dos eleitores generalizada e não reconhecida. São os maridos que intimidam e silenciam e controlam suas esposas, como testemunham dezenas de militantes (buscadores de votos) que saem de porta em porta, em todo o país, dos quais ouvi falar“, escreveu Solnit. “Comecei a perguntar e descobri que muitas tropas terrestres que saíam da votação tinham testemunhado várias formas de intimidação e silenciamento em relação a essa eleição e também em eleições anteriores.

Há situações em que as esposas, quando questionadas por um terceiro, perguntam diretamente ao marido em que eles vão votar. Em outros momentos, o homem sequer conhece a posição política da mulher, e age como se todos na mesma casa convergissem ao republicanismo compulsoriamente.

Um amigo em Iowa me disse: ‘Perguntei à mulher que atendeu a porta se ela tinha um plano para votar, e um homem apareceu atrás dela e disse, bruscamente: ‘Sou republicano’. Antes que eu pudesse responder, ele fechou a porta na minha cara.”

Solnit escreveu que não encontrou “histórias do fenômeno reverso – esposas dominando seus maridos, ou maridos empurrando suas esposas para votar no candidato democrata. É claro que conversei com as pessoas que buscam os democratas, e a violência doméstica ocorre em todo o espectro político, mas o bullying parecia ser principalmente para obrigar a esposa a se inclinar para a direita ou a não votar na eleição.”

Ninguém sabe até que ponto essa dominação pode impedir que as mulheres votem de acordo com suas próprias crenças e agendas ou participem de todo“, apontou a escritora.

É claro que há muitas mulheres de direita que estão votando entusiasticamente pelo conservador de sua escolha“, advertiu Solnit, “mas quando você olha para as enormes diferenças de gênero entre democratas e republicanos ou ouve a miríade de histórias de porta em porta, você reconhece que há muitos casamentos entre mulheres democratas e republicanos, e muitos republicanos que pretendem controlar a expressão política de suas esposas.”

Segundo Solnit, o problema é importante porque além de influenciar os resultados, essa pressão de maridos sobre as esposas mostra que nem todas as mulheres estão livras para votar de acordo com suas convicções, em virtude de suas vidas domésticas.

Esse cenário comum e feio levanta outra questão, sobre se votar pelo correio tira a privacidade da cabine de voto e a capacidade de as mulheres agirem de acordo com suas crenças sem consequências. E é um lembrete de por que a longa busca das mulheres pelos votos nos EUA e em outros lugares era algo tão radical. Mulheres insistentes deveriam votar insistindo que devemos ser participantes iguais e independentes na vida pública, com o direito de agir em nosso próprio nome e em nosso próprio interesse.”

A agenda conservadora é, naturalmente, o que se poderia chamar de desigualdade no casamento, uma relação assimétrica na qual os homens detêm um poder desproporcional.”

O direito de votar de acordo com sua própria consciência e agenda não é tão diferente do que o direito de controlar seu próprio corpo ou ter acesso e direitos iguais no local de trabalho. É um direito que devemos ter porque as leis dizem que somos todos iguais. Mas nós não somos. Tal como acontece com a miríade de medidas republicanas para impedir que os cidadãos votem em larga escala – verificação cruzada, leis de identidade eleitoral, limites nos locais de votação e horas de votação – essa tirania doméstica é uma tentativa de limitar quem decide o que deve ser este país“, finalizou.

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