Jornalista ficou dois anos refém até que foi solto após pagamento de resgate. Dois meses depois de ser libertado, ele recebeu uma mensagem surpreendente no Facebook. Era o seu sequestrador
Piratas somalis sequestraram e mantiveram Michael Scott Moore, um jornalista, refém por terríveis dois anos e meio até sua soltura após o pagamento do resgate, em setembro de 2014. Dois meses depois, Moore recebeu uma mensagem surpreendente pelo Facebook.
“Como vc está, Michael?” dizia a mensagem. “Sou seu amigo Mohamed Tahlil. Quero falar com vc.”
A página do remetente no Facebook incluía a foto dele. Moore o reconheceu como um de seus guardas durante seu cativeiro na Somália. Ele decidiu responder.
O que se seguiu foi uma troca extraordinária de mensagens pelo Facebook entre o jornalista e seu antigo captor. Por quanto tempo se comunicaram e para onde a conversa levou não se tornou público, mas há poucos meses, o somali foi detido pelas autoridades americanas e preso em Nova York, como mostram os autos de seu processo.
O indiciamento federal, divulgado na quarta-feira (7), de Mohamed Tahlil Mohamed, 38 anos, o acusa de sequestro, tomada de refém, conspiração e outros crimes. As autoridades não disseram onde ele foi preso e nem como foi para os Estados Unidos. O indiciamento identificou seu refém apenas como “John Doe” (João Ninguém), mas Moore confirmou na quinta-feira (8) que ele é a vítima cujo nome não é citado.
Quando perguntado sobre a prisão de Tahlil, Moore respondeu: “Não estou tão feliz quanto você poderia imaginar por ele estar preso“. Ele se recusou a fazer mais comentários e não disse se as conversas pelo Facebook de alguma forma levaram à captura ou rendição de Tahlil.
Homens altamente armados sequestraram Moore enquanto ele realizava pesquisa sobre a pirataria em janeiro de 2012, perto da cidade interiorana de Galkayo, a cerca de 640 km ao nordeste da capital, Mogadíscio. O livro de Moore, “The Desert and the Sea: 977 Days Captive on the Somali Pirate Coast“, (O deserto e o mar: 977 dias cativo na costa pirata somali, em tradução livre, ainda não lançado no Brasil) publicado em julho, narra sua provação.
Parece pelas conversas pelo Facebook, algumas das quais estão detalhadas no processo criminal e outras no livro de Moore, que o jornalista desenvolveu certa afinidade por Tahlil, que, por sua vez, forneceu a Moore informação sobre seus sequestradores.
Em seu livro, Moore, 49 anos, descreveu seu cativeiro como cheio de terror, medo e diz que esteve várias vezes próximo da morte. Um de seus sequestradores quebrou seu pulso durante o sequestro e foram preciso semanas para que pudesse se curar. Ele testemunhou a tortura de outro refém, que foi pendurado de cabeça para baixo em um galho de árvore enquanto um homem batia no peito dele e nos pés com uma vara de bambu.
Posteriormente a mãe de Moore se envolveu nas negociações para sua soltura. Os sequestradores exigiam US$ 20 milhões.
“Minha mãe conseguiu negociar uma redução para US$ 1,6 milhão“, disse Moore em uma entrevista ao programa Fresh Air da National Public Radio.
A queixa criminal se baseia em grande parte nas entrevistas de Moore para o FBI após sua soltura. O documento diz que os captores somalis de Moore empunhavam fuzis de assalto AK-47, lançadores de granada propelida por foguete e armas curtas. Um deles ameaçou que se o resgate não fosse pago, Moore seria vendido a Al-Shabab, um grupo extremista islâmico.
Moore foi transferido para lugares diferentes na Somália e também mantido por algum tempo em um navio com outros reféns, diz a queixa.
A certa altura, os sequestradores também exigiram uma carta de “alguma autoridade do governo americano“, segundo diz a queixa, “os absolvendo de quaisquer consequências pelo sequestro“. O livro de Moore identifica a autoridade como sendo o presidente Barack Obama.
Foi em novembro de 2014, após Moore ser solto e voltar a usar sua conta no Facebook, que ele soube de Tahlil. “Eu recuei diante da mensagem e no início a ignorei“, ele disse em seu livro. “Mas Tahlil era gentil, demonstrava bom humor, de modo que acabei respondendo.”
Thalil escreveu que estava em Hobyo, uma cidade costeira somali conhecida como um covil de piratas.
“Espero que esteja bem“, disse Tahlil. “Os piratas que mantiveram você refém mataram uns aos outros por vingança e por briga por dinheiro.”
A queixa criminal disse que o relato de Tahlil dos sequestradores de Moore atacando uns aos outros era consistente com relatos de que alguns piratas foram mortos em uma disputa pela divisão do dinheiro do resgate.
Nos meses que se seguiram, Tahlil continuou se comunicando com Moore, até mesmo enviando fotos dos indivíduos envolvidos em sua abdução, identificando alguns deles e descrevendo seus papéis, segundo a queixa.
Uma foto, escreveu Tahlil, exibia o homem que quebrou o pulso de Moore quando foi feito refém, segundo a queixa. Em outras, Moore reconheceu alguns de seus antigos guardas.
Algumas das mensagens de Tahlil foram escritas em um inglês sofrível, como nota a queixa, e outras foram em somali, para as quais Moore usou um tradutor online para poder ler.
Em outra conversa, Tahlil lembrou como conseguiu medicação para Moore e que lhe deu um rádio, livros, canetas e outros itens durante seu cativeiro. A queixa mostrou que Moore respondeu com gratidão.
“Você também me trouxe um pequeno frasco de remédio de Hobyo para o navio“, escreveu Moore. “Tudo o que você queria era uma caixa de biscoito em troca. Eu me lembro.”
Tahlil está detido sem direito a fiança enquanto aguarda julgamento. Se condenado, poderá receber uma pena de prisão perpétua. Seu advogado e os promotores federais em Manhattan se recusaram a comentar.
Benjamin Weiser, The New York Times
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