Desigualdade Social

A tacanha ideia de igualdade bolsonarista: terreno ideal para as injustiças sociais

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Jair Bolsonaro (Imagem: José Cruz|ABr) l

Othoniel Pinheiro Neto*, Pragmatismo Político

O conceito absurdamente equivocado e ultrapassado de Jair Bolsonaro e sua equipe acerca do princípio da igualdade é profundamente perigoso para os dias atuais.

Todos sabem que Jair Bolsonaro insiste em afirmar que ele é igual ao negro, ao índio, ao homossexual, à mulher etc.

Não! Definitivamente, ele não é igual !

Mas é uma ideia que facilmente convence os desavisados.

Todo esse raciocínio equivocado decorre da própria formação histórica de uma cultura que, em grande parte, é resultado de injustiças e de sufocamento da autonomia de indivíduos pertencentes a grupos minoritários, especialmente, mulheres, homossexuais, índios, negros e trabalhadores assalariados.

Esse tipo de raciocínio de Jair Bolsonaro despreza a existência de desigualdades sociais no Brasil e coloca para baixo do tapete a obrigação do Estado em combater esses males que se arrastam por séculos em nossa sociedade.

De fato, não é sem razão essa ideia de igualdade é justamente a mesma ideia que interessa ao modelo de Estado ultraliberal, que possui mecanismos de manipulação e adestramento a fim de fixar pautas de seus interesses nas cabeças das pessoas. O objetivo é o lucro injusto para poucos.

Em verdade, o conceito de igualdade defendido por Bolsonaro, conceito que surgiu na Revolução Francesa e na criação do Estado Liberal, está hoje superado pela modernidade.

Como ressalta Arnaldo Süssekind, a igualdade jurídico-política dos cidadãos buscada pela liberdade da Revolução Francesa apregoava o respeito absoluto pela autonomia da vontade, afastando o Estado das relações contratuais, fazendo consagrar o liberalismo econômico apregoado pelos fisiocratas. Tais ideais, fundados basicamente nas teorias de Adam Smith, foram executados na prática acarretando um trágico resultado sob o ponto de vista social[1].

Nesse diapasão, concordamos com o civilista Georges Ripert, para o qual “a liberdade não basta para assegurar a igualdade, pois os mais fortes depressa se tornam opressores [2]”.

Assim, na época de um Estado ausente nas relações entre o forte e o fraco, o aumento da riqueza do empresário e o incremento da produção com o avanço da tecnologia, em momento algum representaram melhorias de condições de vida para os empregados e para a população em geral.

Foi justamente pelo fracasso dessa estrutura que surgiu o modelo de Estado Social e um novo conceito de igualdade.

Felizmente, a ideia de igualdade evoluiu para outro conceito que é modernamente aceito: IGUALDADE É TRATAR OS IGUAIS DE FORMA IGUAL E OS DESIGUAIS DE FORMA DESIGUAL. Essa é a atual leitura do art. 5º, caput, da Constituição Federal brasileira.

Assim, na busca pela coerência do princípio da igualdade com valores que fundamentam a atual ordem constitucional, percebe-se que um dos reflexos da expansão desse princípio é o crescimento de medidas estatais que visam a integração de grupos expostos a diversos tratamentos excludentes.

É justamente aí que entra o papel do Estado prestacional, no sentido de tratar os “desiguais de forma desigual” a fim de construir medidas estatais compensatórias em favor das minorias sociais.

São medidas compensatórias que buscam a efetivação do moderno conceito de igualdade, como as inúmeras políticas públicas em favor das minorias, as leis que as tratem de forma diferenciada, a afirmação identitária de determinados grupos e, por que não dizer, as leis trabalhistas.

Leia aqui todos os textos de Othoniel Pinheiro Neto

Porém, são justamente essas intervenções estatais que o discurso ultraliberal de Estado nunca reconheceu, não pratica e até sataniza.

Para o ultraliberalismo, o Estado tem que se afastar desse problema e ficar omisso diante de exclusões sociais, acreditando que a liberdade de mercado irá resolver todos os problemas sociais num passe de mágica, quando, em verdade, jamais resolveu, especialmente em países periféricos como o Brasil.

Não é sem razão que o modelo de Estado ultraliberal andou abraçado na história com sociedades excludentes, uma vez que afasta o Estado da possibilidade de intervir nas relações sociais em busca de justiça. Afinal, para o ultraliberalismo, não há diferença entre pobres e ricos, bem como entre os privilegiados e as categorias marginalizadas, não havendo razão para a existência de políticas públicas.

Assim, quando Jair Bolsonaro afirma que ele é igual ao negro, ao índio, ao homossexual e à mulher, em verdade, despreza a existência de exclusões sociais, objetivando impedir a ação estatal promovedora de inclusões sociais.

Enfim, tudo parece ensaiado com a grande elite reacionária deste país, que só pensa nela e no lucro dela.

Isso explica porque Jair Bolsonaro utiliza um conceito de igualdade há muito tempo enterrado pela história, uma vez que se trata de uma concepção que muito agrada ao modelo de Estado ultraliberal, ultrapassado, excludente, empobrecedor e concentrador de rendas.

Referências

[1] SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito constitucional do trabalho. 4 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2010, p. 08.

[2] RIPERT, Georges. O regime democrático e o direito civil moderno. São Paulo: Saraiva, 1937, p. 133.

*Othoniel Pinheiro Neto é Doutor em Direito pela UFBA, Defensor Público do Estado de Alagoas, Professor de Direito Constitucional e colaborou para Pragmatismo Político

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