Destruição da realidade, fascismo e a Ditadura militar no Brasil
Othoniel Pinheiro Neto*, Pragmatismo Político
É simplesmente por desconhecer os fatos ou por intencionalmente omiti-los que algumas pessoas afirmam que não houve ditadura no Brasil no período pós 1964.
Esse caldo da ignorância não pode ser tratado como brincadeira ou como um fator decorrente da uma mera burrice humana ou da manipulação. Trata-se de algo preocupante e que está dentro de uma ameaça muito maior.
Para entendermos esse perigo, a dica é a obra “How fascism works: the politics of us and them (Como funciona o fascismo)”, livro que ainda não tem tradução para o português e escrito pelo filósofo Jason Stanley. A obra referida foi inspirada no livro “1984” de George Orwell, que aponta a destruição da realidade como uma das principais vertentes de regimes totalitários.
A obra de Jason Stanley aponta os 10 (dez) pilares do fascismo, que são “1 . A destruição da realidade – a verdade é que morre primeiro”, “2. O culto a um passado mítico”, “3. A propaganda”, “4. O anti-intelectualismo”, “5. A hierarquia, que aqui representa o já dito por Bolsonaro, no sentido de que as minorias devem se adaptar à maioria ou simplesmente sumir”, “6. A vitimização das maiorias pelas minorias”, “7. O princípio da lei e da ordem, que permite criminalizar as dissidências”, “8. A tensão de caráter sexual”, “9. O que o autor denomina de Sodoma e Gomorra, que defende a ideia de que os valores de um determinado grupo são superiores aos de outros” e “10. O lema de que o trabalho liberta, que acusa os opositores do fascismo de preguiçosos”.
Talvez tenhamos aí uma resposta para tantas falsificações e desmentidos na equipe do novo governo brasileiro.
Nesse panorama, o fascismo precisa desestabilizar as pessoas e desconectá-las da realidade, sendo fácil perceber que, no Brasil atual, tenta-se assassinar os fatos com o intuito de emplacar teorias da conspiração de fácil assimilação, objetivando beneficiar determinados grupos políticos. Por aqui, os exemplos são muitos: kit gay, ideologia de gênero, doutrinação comunista nas escolas, a ameaça do feminismo, a ameaça comunista do Foro de São Paulo, não houve ditadura no Brasil, a ideia de que os direitos humanos são uma ameaça etc.
Neste artigo, quero fazer um recorte para falar de uma dessas mentiras que afirma que não houve ditadura no Brasil. Talvez isso fosse desnecessário em épocas de estabilidade intelectual, mas, infelizmente, não é o caso.
É fato que a Constituição Federal de 1969 não foi posta democraticamente, uma vez que foi outorgada e imposta de goela abaixo por uma junta militar formada pelos comandantes do exército, da marinha e da aeronáutica.
É também fato que nenhum Presidente militar foi eleito pelo povo brasileiro, em um período em que a população brasileira não exercia plenamente o seu direito de sufrágio, premissa básica de um Estado Democrático de Direito.
Também não custa nada lembrar que, nesse período, o povo não votava para governador do Estado e prefeitos das capitais.
Igualmente, a deposição do Presidente João Goulart, pelo falso argumento de abandono do cargo, não foi só um ato golpista praticado pelo Presidente de Congresso Nacional, mas também, nas palavras de Tancredo Neves, um ato de covardia.
O Ato Institucional n° 5, de 13 de dezembro de 1969, concedeu ao Presidente da República absurdos poderes “sem as limitações previstas na Constituição” para suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos, cassar mandatos eletivos federais, estaduais e municipais (art. 4°), proibir de atividades ou manifestação sobre assunto de natureza política (art. 5º III) etc.
Além disso, todos sabem da existência centros de tortura e de morte para adversários políticos, com condenações e prisões sem contraditório, defesa e mínimo processo legal.
Todos sabem também da censura imposta a jornais, revistas e televisões.
A pergunta que fica é: por que ainda existem pessoas tão desconectadas de uma realidade tão evidente e que ainda insistem em afirmar que isso não e uma ditadura?
É mais do que simples ignorância e o livro de Jason Stanley pode dar a resposta e, ao mesmo tempo, alertar para grandes tempestades que estão por vir no Brasil.
*Othoniel Pinheiro Neto é Doutor em Direito pela UFBA, Defensor Público do Estado de Alagoas, Professor de Direito Constitucional e colaborou para Pragmatismo Político