Othoniel Pinheiro Neto*, Pragmatismo Político
Como sempre venho alertando, o projeto “Escola sem Partido” possui inúmeras inconstitucionalidades, que o tornam insustentável diante do Poder Judiciário brasileiro.
Entre os vários discursos insustentáveis por parte de seus defensores, está o uso inadequado da Convenção Americana de Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de São José da Costa Rica.
O uso desse diploma internacional vem sempre em destaque pelos defensores do Escola sem Partido, inclusive, na nota técnica assinada por mais de 200 membros do Ministério Público que, no início do mês de novembro, lançaram o documento para defender, a meu ver, inadequadamente, a constitucionalidade do projeto.
O dispositivo usado de maneira inadequada é o art. 12º – 4 da Convenção Americana de Direitos Humanos, que tem a seguinte redação:
Os pais e, quando for o caso, os tutores, têm direito a que seus filhos e pupilos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções.
Pois bem. Analisando o conteúdo do art. 12º – 4 do diploma internacional em debate e aplicado no âmbito do Escola sem Partido, chegaríamos a uma conclusão simples: é impossível aplicá-lo no âmbito escolar!
Em caso de aplicação dessa norma no âmbito do Escola sem Partido, estaríamos diante de um grande impasse, em razão de um direito concedido a cada pai para exigir da escola uma “educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções”.
Com efeito, a aplicação dessa norma irá trazer inúmeros transtornos no ambiente escolar e na sala de aula, uma vez que cada pai, com sua linha moral e religiosa própria, poderá exigir esse direito da escola, o que iria gerar choques, tensões e conflitos com direitos de outros pais numa mesma escola ou sala de aula, diante das mais diversas convicções morais e religiosas encontradas na sociedade.
Portanto, os defensores do Escola sem Partido alegam um surgimento de um direito prestacional para que os pais tenham o direito a que seus filhos “recebam” (do verbo receber) essa educação de acordo com suas próprias convicções. E se é direito, pode ser exigível, inclusive por ação judicial em caso de omissão.
Em verdade, trata-se de uma falsa fundamentação usada indevidamente pelos defensores do Escola sem Partido e que pode pegar os menos atentos.
Explico.
Essa norma do art. 12º – 4 da Convenção Americana de Direitos Humanos não foi feita para ser aplicada no âmbito da prestação educacional, como querem os defensores do projeto Escola sem Partido, pois essa Convenção é precipuamente de direitos de defesa (liberdade perante o Estado, direitos à liberdade e integridade pessoal, proteção da honra e dignidade, liberdade de expressão, direito de reunião etc), portanto, aplicada fora do ambiente escolar prestacional.
A Convenção Americana de Direitos Humanos refere-se a direitos econômicos, sociais e culturais somente no art. 26º, cujo caput vem intitulado com o termo “desenvolvimento progressivo“, reportando-se ao caráter programático de tais direitos, cuja efetivação se dará de maneira progressiva de acordo com a própria linha de pensamento da Convenção.
O fato é que o art. 12º da Convenção Americana, que tem como caput a “liberdade de consciência e de religião“, surgiu com o objetivo de assegurar as liberdades de consciência e de religião das pessoas diante de intromissões indevidas, especialmente por parte do Estado, para que não se interfira na relação pais e filhos no ambiente familiar, como acontece em países do Oriente, onde muitos pais não possuem essa liberdade de repassar aos filhos a educação moral e religiosa que esteja de acordo com suas próprias convicções, devido a existência de forças externas que impõem convicções determinadas dentro do âmbito familiar, chegando até mesmo a proibir outras.
Assim sendo, a Convenção Americana de Direitos Humanos, ou Pacto de São José da Costa Rica, que trata precipuamente de direitos de defesa, não pode ser aplicada no projeto Escola sem Partido, que está focado em construir relações jurídicas no âmbito dos direitos prestacionais.
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*Othoniel Pinheiro Neto é Doutor em Direito pela UFBA, Defensor Público do Estado de Alagoas, Professor de Direito Constitucional e colaborou para Pragmatismo Político
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