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Os motivos que podem fazer o STF anular todo o processo contra Lula e tirá-lo da prisão

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Existem grandes chances de o STF anular por completo todo o processo judicial de condenação do ex-presidente Lula por violações constantes do dever de imparcialidade do juiz Sergio Moro

Luiz Inácio Lula da Silva (reprodução)

Othoniel Pinheiro Neto*, Pragmatismo Político

Existem grandes chances de o STF anular por completo todo o processo judicial de condenação do ex-Presidente Lula por violações constantes do dever de imparcialidade do juiz Sérgio Moro. É o mesmo processo do famoso tríplex do Guarujá, que resultou na sua prisão e na sua retirada das eleições presidenciais.

O placar do julgamento do Habeas Corpus em favor do Lula está 2 a 0 contra o ex-Presidente no momento, estando suspenso por um pedido de vistas do Ministro Gilmar Mendes. Assim, além do voto de Gilmar Mendes, ainda restam mais 2 votos com tendência de vitória do ex-Presidente, devido a uma enorme combinação de fatores e de fundamentos jurídico-constitucionais favoráveis a anulação do processo inteiro.

Falo isso por quê?

Para o Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, a imparcialidade do magistrado deve ser vista sob duas perspectivas: uma subjetiva e outra objetiva.

A perspectiva subjetiva da imparcialidade obriga o magistrado a julgar sem inclinações pessoais, preconceitos ou preconcepções a respeito de determinado caso.

Já a perspectiva objetiva obriga o juiz a parecer imparcial para um observador razoável, tomando cuidado com seus atos externos e fornecendo à sociedade garantias suficientes de que os acusados serão julgados por um juiz sem paixões e sem inclinações pessoais e políticas.

Essa linha de raciocínio também é adotada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos e pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos.

Igualmente, a Suprema Corte dos Estados Unidos também possui inúmeros precedentes que apontam o preenchimento da imparcialidade com a necessária distância do juiz do clamor público.

É também importante destacar que não é só o sistema democrático e constitucional que está em questão, mas também a confiabilidade do Poder Judiciário perante os jurisdicionados.

Diante disso, as perguntas que se fazem são: a) o juiz Sérgio Moro, com seus próprios atos, aparentou imparcialidade para um observador razoável? b) o juiz Sérgio Moro ofereceu garantias à sociedade de que o ex-presidente Lula estaria sendo julgado por alguém imparcial?

As circunstâncias apontam para repostas negativas, não sendo as decisões dos tribunais superiores que confirmaram as decisões do 1º grau que irão apagar do mundo os fatos reais ensejadores da nulidade do processo.

Enfim, vamos aos fatos:

Fato 1: a arbitrária intercepção telefônica contra o ex-Presidente e de seus familiares.

O juiz Sérgio Moro, desnecessariamente, interceptou e divulgou conversas íntimas de Lula e de sua família, passando por cima da lei, especificamente a Lei nº 9.296/96, que prescreve que a interceptação telefônica somente tem cabimento para fazer prova em investigação criminal e em instrução processual penal.

Ou seja, além de passar por cima da legislação, Sérgio Moro violou, desnecessariamente, a privacidade de quem não era investigado, causando exposição e humilhação públicas de Dona Marisa, Lula e seus filhos. Pergunta-se: qual o motivo dessa divulgação?

Fato 2: interceptação e divulgação de conversas telefônicas entre Lula e a então Presidente Dilma Rousseff.

No auge da tensão política e social, o magistrado Sérgio Moro divulgou indevidamente um áudio de conversa entre a então Presidente da República Dilma Rousseff e o ex-Presidente Lula, gravada após decisão judicial que determinou o encerramento do monitoramento telefônico de Lula.

Nesse caso, mesmo que houvesse a permissão judicial para a gravação, não poderia haver a referida divulgação quando se constatasse a presença da Presidente da República no ato, uma vez que lhe faltava competência para prosseguir nas investigações.

É fato que a divulgação dessa específica gravação causou um clamor público de gravidades pouco vistas antes na história do Brasil, fazendo confundir uma decisão judicial com um ato puramente político.

O correto seria que, deveria o magistrado, constatada a presença da Presidente da República na gravação, em nome da preservação da imparcialidade da magistratura, ter enviado imediatamente o conteúdo para o STF.

Posteriormente, em ofício enviado ao STF, que reprovou tais divulgações, Sérgio Moro admitiu que a divulgação dos áudios nada teve a ver com processos criminais de sua alçada de competência, mas sim, derivou-se de sua preocupação pessoal com a nomeação de Lula como Ministro de Estado do governo Dilma Rousseff.

Fato 3: interceptação de conversas de Lula com seus advogados

A interceptação de conversas de Lula com seus advogados, fato reprovado publicamente pelo Conselho Federal da OAB, também revela mais uma afronta à equidistância da magistratura em relação as partes do processo, deixando transparecer predileção por uma das partes na demanda judicial, no caso o Ministério Público, quebrando a parcialidade do juiz.

Em um país culturalmente mais avançado como na Espanha, um juiz foi condenado pela Suprema Corte a 11 (onze) anos de suspensão da magistratura por ter realizado interceptações telefônicas entre clientes e advogados.

Aqui no Brasil, Sérgio Moro grampeou o escritório de advocacia do ex-Presidente Lula, sob a desculpa de que imaginava se tratar de uma empresa (LILS Palestras), mesmo sendo alertado pela companhia telefônica, por mais de uma vez, que se tratava de um escritório de advocacia.

Posteriormente, Sérgio Moro alegou que o erro decorreu do excesso de trabalho.

Esse fato isolado, por si só, já ensejaria a completa nulidade do processo.

Fato 4: a condução coercitiva do ex-presidente Lula

A condução coercitiva do ex-presidente Lula, em março de 2016, para prestar esclarecimentos sob a justificativa de que seria para evitar “possíveis tumultos” e “confrontos entre manifestantes” deixou dúvidas quanto à legitimidade, uma vez que o ex-Presidente Lula jamais se recusou a comparecer em juízo para tanto (muito pelo contrário, compareceu 4 (quatro) vezes até aquele momento). E mais: qualquer observador razoável sabia que a condução coercitiva não iria evitar tumultos e que somente iria proporcionar um espetáculo midiático e político degradante ao ex-Presidente Lula, como de fato ocorreu.

No caso específico, não houve qualquer intimação prévia, não houve qualquer fato novo que justificasse a feitura desse novo ato processual e sequer houve comparecimento perante o magistrado no dia da condução.

Não custa nada recordar que, em dezembro de 2017, as conduções coercitivas foram declaradas inconstitucionais pelo STF (ADPF nº 444).

Vale também destacar que, embora o instrumento da condução coercitiva tenha sido utilizado em muitas outras ocasiões pela operação lava-jato, a sua utilização contra o ex-Presidente Lula é cercada de particularidades, uma vez que se trata de uma pessoa que provoca grave polêmica em meio a sociedade e pelo próprio contexto político da época, exigia precauções. Sua condução coercitiva causou grande tumulto no aeroporto para onde ele foi levado, com inflamações de ânimos de manifestantes anti-PT que passaram a levantar bonecos do Lula com roupa de presidiário pedindo sua prisão.

Enfim, queira ou não o magistrado, o ato foi muito mais político do que processual.

Fato 5: a atuação do juiz Sérgio Moro para impedir uma ordem de soltura em favor do ex-Presidente Lula depois de encerrada sua competência

Sérgio Moro interrompeu suas férias para interferir em atos processuais que nada tinham a ver com a alçada de sua competência jurisdicional, trabalhando no sentido de impedir o cumprimento de uma ordem de soltura em favor do ex-Presidente Lula no dia 08 de julho de 2018.

Na ocasião, o Desembargador Federal, Rogério Favreto concedeu habeas corpus em favor do ex-Presidente Lula.

Certa ou errada, a decisão era para ser cumprida e, caso alguém quisesse questioná-la, deveria procurar seguir os instrumentos processuais corretos e cabíveis da legislação brasileira.

Surpreendentemente, mesmo não tempo qualquer jurisdição sobre o caso e, o que é pior, em gozo de férias, o juiz Sérgio Moro atuou para impedir a soltura do ex-Presidente Lula, chegando ao ponto de telefonar para o Diretor-Geral da Polícia Federal, Rogério Galloro, no sentido de atuar no caso e de impedir o cumprimento da decisão judicial.

Foto 6: divulgação da deleção de Antônio Palocci na semana na eleição

Na semana que antecedeu as eleições do primeiro turno, o juiz Sérgio Moro levantou o sigilo da deleção premiada feita por Antonio Palocci.

Mais um ato que, repita-se, queira ou não o magistrado, foi muito mais político do que processual.

Fato 7: juiz Sérgio Moro torna-se Ministro de Bolsonaro

É evidente que Jair Bolsonaro não iria nomear alguém para um dos cargos políticos mais estratégicos de seu governo, caso estivesse inseguro quanto ao posicionamento ideológico e político do nomeado.

Afinal, o cargo de Ministro da Justiça é político e de livre nomeação do Presidente da República justamente para que a predileção político-ideológica do eleito seja atendida.

Considerações gerais sobre a imparcialidade do magistrado

É importante observar que não é somente um fato isolado que conduz à suspeição do magistrado Sérgio Moro, mas sim, vários fatos, ou melhor dizendo, uma combinação de fatos justamente em um momento de tensão política eleitoral que resultou na eleição de um Presidente da República que, coincidentemente, nomeia justamente o magistrado em questão para um dos cargos mais relevantes do governo.

Mesmo ignorando o contexto político e social da época e até mesmo ignorando a nomeação como Ministro da Justiça, os demais fatos mostram que não houve o cuidado necessário para a preservação da imparcialidade objetiva do Poder Judiciário brasileiro.

Enfim, como já foi dito, a imparcialidade de um juiz não deve somente ficar no âmbito presunção, no sentido de presumir que ele seja imparcial, mas também no âmbito objetivo, uma vez que o juiz deve fornecer à sociedade garantias suficientes de que os acusados estão sendo julgados por um juiz sem paixões, sem inclinações pessoais e sem quaisquer condutas com um mínimo de suspeição.

Não custa nada lembrar, que publicações das revistas VEJA (10 de maio de 2017) e da ISTO É (05 de maio de 2017) colocaram em suas capas imagens que mostravam um clima de disputa entre dois rivais: Moro versus Lula. Por cautela, no sentido de se adequar à perspectiva objetiva da imparcialidade e fornecer à sociedade segurança quanto a sua imparcialidade, deveria o magistrado tomar posição pública contra tais capas, o que jamais foi feito.

Destaque-se que se extrai do espírito da Constituição o mandamento democrático no sentido de que o juiz tem a obrigação de fornecer para a sociedade garantias que retirem quaisquer dúvidas a respeito de sua imparcialidade, justamente no sentido de garantir a segurança democrática e a independência do Poder Judiciário.

De toda forma, se não for o caso de o STF anular todo o processo que resultou na prisão e na retirada do líder das pesquisas das eleições presidenciais, é muito provável a condenação do Brasil por organismos internacionais em curto espaço de tempo.

Por tudo isso, percebe-se que as eleições de 2018 poderão entrar para a história como o pleito que mais gravemente violou premissas básicas de um Estado Democrático de Direito. Violações essas perpetradas justamente pelo Poder Judiciário brasileiro.

*Othoniel Pinheiro Neto é Doutor em Direito pela UFBA, Defensor Público do Estado de Alagoas, Professor de Direito Constitucional e colaborou para Pragmatismo Político

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