Luis Gustavo Reis*, Pragmatismo Político
Chegamos a dezembro e, mais uma vez, nossos olhos são inundados com pinheiros enfeitados de bugigangas natalinas, ofertas de diferentes presentes e as emblemáticas figuras do Papai Noel. Alguns deles, inclusive, aproveitando o elã contagiante, decidem estacionar seus trenós e saem pilotando ônibus reluzentes pelas avenidas das grandes cidades.
Pirotecnias de todos os tipos abundam para expor o espírito do momento. Em terras paulistanas, por exemplo, para fazer jus a falaciosa democracia racial, um shopping center decidiu que o “bom velhinho” em suas dependências seria um homem negro. Oh, caro leitor, quanta sensibilidade!
O Natal é uma festa que atinge todos os moradores do Ocidente, mesmo aqueles que optaram por não acreditar em filosofias que prometem o paraíso após a morte, que depende, é claro, do alinhamento aos princípios do evangelho que o sujeito cultivou em vida.
Afeta o descrente, pois certos serviços públicos deixam de funcionar (com o perdão da redundância), compromissos são desmarcados ou não são agendados, mensagens no grupo da família alertam que o “grande dia” se aproxima (isso quando não o incluem, sem a devida permissão, nos famigerados amigos-secretos), amigos convidam insistentemente para a abundante ceia, e-mails cobram presença na enfadonha confraternização da firma (mais uma vez, perdoe a redundância), entre outros exemplos.
Para completar, uma semana depois do Natal, comemora-se o Ano-Novo, feriado celebrado em referência à circuncisão de Cristo, ocorrida oito dias após seu nascimento, conforme versa a fé judaica.
Por falar no nascimento de Cristo, quando foi que esse personagem histórico nasceu?
Os textos bíblicos são abundantes em explicar a genealogia de Jesus e o caráter divino de sua encarnação, porém não tratam de seu nascimento, relegando um silêncio sepulcral aos que tentam decifrar a data do evento. Além do silêncio, algumas contradições saltam aos olhos nos evangelhos. O livro de Mateus situa a data de nascimento no reinado de Herodes, enquanto o livro de Lucas, no período do recenseamento ordenado pelo imperador Augusto. Ocorre que Herodes morreu em 4 a.C. e o senso romano foi em 6 d.C., ou seja, dez anos separam as duas únicas referências cronológicas do nascimento de Cristo.
Se não há evidências da data do nascimento de Jesus, por que o Natal é celebrado em 25 de dezembro?
A tradição do Natal ganhou impulso em 431, durante o Concílio de Éfeso, quando os bispos de Roma proclamaram o dogma da “Maternidade de Maria”. Tal dogma definia que a mãe de Jesus Cristo gerou em seu ventre não apenas o Cristo como homem, mas também o Cristo como Deus. Pelos cálculos desses “sábios” bispos, Maria teria concebido Jesus em 25 de março, portanto, nove meses depois, em 25 de dezembro, os fiéis de Roma deveriam comemorar o nascimento do Redentor.
O Concílio de Éfeso trouxe mudanças significativas para o cristianismo. Além disso, os consensos gerados no encontro objetivavam eliminar algumas “heresias” professadas pelos chamados “pagãos”. De quebra, o encontro impulsionou a construção de uma basílica consagrada à Maria, nomeada Santa Maria Maior, localizada em Roma.
Nessa igreja, os cristãos passaram a celebrar as cerimônias natalinas organizadas pelo bispo de Roma, que proferia entusiasmados sermões, estimulando os devotos a celebrarem o Natal em espírito religioso, moderando os vícios e praticando as virtudes. O sacerdote insistia, ainda, que os fiéis não deveriam confundir tal celebração com festas não cristãs, como o dia do Sol Invicto, que acontecia no solstício de inverno, próximo ao dia 21 de dezembro. Alguns estudiosos apontam que o Natal foi instituído no dia 25 de dezembro, justamente para eliminar a centenária festa do Sol Invicto, celebrada por muitos e considerada “pagã” pelos cristãos.
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Nos séculos seguintes, as celebrações do 25 de dezembro se espraiaram pela Europa, chegando a consolidar-se no calendário gregoriano, vigente até os dias atuais. Já no século XX, o caráter religioso do Natal esvaziou-se, e a inserção do Papai Noel na indústria capitalista reforçou o apelo consumista da festividade. Quem nunca assistiu aos comerciais da Coca-Cola e seu garoto propaganda: um homem vestido de vermelho (segura o delírio MBL, ele não é um militante de esquerda!), barbas brancas, gorro e detalhes em branco tomando o citado refrigerante?
Assim como o Natal, a mensagem do Cristo histórico, acredite-se nela ou não, sofreu diversas alterações e distorções ao longo dos séculos. A mensagem religiosa passou por interpretações bastante peculiares, a ponto de determinados grupos cristãos serem favoráveis à pena de morte, negligenciando cinicamente o fato de o símbolo máximo do cristianismo ter sido julgado e condenado à morte.
Passados dois milênios da morte de Cristo, é importante questionar, por exemplo, o que diriam aqui no Brasil os evangelizadores da intolerância, os devotos do justiçamento, os pregadores do “olho por olho, dente por dente” sobre um homem que manifestou seu amor por um ladrão e lhe prometeu o paraíso? Diriam com o dedo em riste: bandido bom é bandido morto! Sentenciariam: está com dó? Leva pra casa!
Por ironia, no próximo dia 25 de dezembro, os que se dizem “cidadãos de bem”, ou melhor, aqueles que defendem o espancamento de homossexuais, a eliminação de povos indígenas, a discriminação contra os negros, a violência contra a mulher, a redução da maioridade penal, o endurecimento do sistema prisional e, enfim, os que aplaudem crimes praticados pelo Estado contra os pobres receberão em suas casas um condenado que defendia a tolerância, o amor ao próximo e o respeito incondicional a todos os seres humanos.
Aos risos, diante de presentes extravagantes e mesa farta, seria uma ótima oportunidade para refletirem sobre as ideias e a história do homem que celebram. Mas sejamos realistas: não é difícil concluir que estão pouco ou nada preocupados com a mensagem dos evangelhos, estão ocupados demais em alimentar seus preconceitos.
No Natal dos perversos, fica o vaticínio de Guimarães Rosa: “Deus mesmo, quando vier, que venha armado!”, pois, assim como aqueles que defendiam uma sociedade justa e humanizada, o destino de Cristo no Brasil seria, certamente, o abatimento à bala.
*Luis Gustavo Reis é professor, editor de livros didáticos e colabora para Pragmatismo Político
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