Pai do liberalismo econômico, Adam Smith era muito mais refinado que seus seguidores contemporâneos. E nunca disse muitas das insanidades marotamente atribuídas e ele
David Deccache, Economia à Esquerda
Com o decreto de reajuste do salário mínimo abaixo do previsto no orçamento, muitos liberais brasileiros voltaram a atacar a política de salário mínimo. Para tal, recorrem, supostamente, a Adam Smith, o pai da Economia.
Eles argumentam algo assim: “salário mínimo não deveria nem existir. Como ensinou Adam Smith, deveríamos deixar a mão invisível (oferta e procura) agir livremente para determinar os salários, gerando o bem-estar geral”.
Mas ora, o que Adam Smith pensava sobre o mercado de trabalho? Para Smith os salários seriam realmente determinados pela suposta mão invisível do mercado?
Para responder à questão, que tal entrevistarmos o próprio Smith?
(trechos selecionados do livro de economia mais importante da história, A Riqueza das Nações, de Adam Smith)
1. Smith, como se dão as negociações salariais entre trabalhadores e patrões?
“Os trabalhadores desejam ganhar o máximo possível, os patrões pagar o mínimo possível. Os primeiros procuram associar-se entre si para levantar os salários do trabalho, os patrões fazem o mesmo para baixá-los.”
2. E quem costuma vencer essa disputa? Smith responde:
“Não é difícil prever qual das duas partes, normalmente, leva vantagem na disputa e no poder de forçar a outra a concordar com as suas próprias cláusulas. Os patrões, por serem menos numerosos, podem associar-se com maior facilidade; além disso, a lei autoriza ou pelo menos não os proíbe, ao passo que para os trabalhadores ela proíbe. Não há leis do Parlamento que proíbam os patrões de combinar uma redução dos salários; muitas são, porém, as leis do Parlamento que proíbem associações para aumentar os salários”
3. Além disso, quem aguenta mais tempo nessa disputa?
“Em todas essas disputas, o empresário tem capacidade para aguentar por muito mais tempo. Um proprietário rural, um agricultor ou um comerciante, mesmo sem empregar um trabalhador sequer, conseguiriam geralmente viver um ano ou dois com o patrimônio que já puderam acumular. Ao contrário, muitos trabalhadores não conseguiriam subsistir uma semana, poucos conseguiriam subsistir um mês e dificilmente algum conseguiria subsistir um ano, sem emprego. A longo prazo, o trabalhador pode ser tão necessário ao seu patrão, quanto este o é para o trabalhador; porém esta necessidade não é tão imediata.”
4. Sr. Smith, como os patrões se organizam para reduzir salários e aumentar lucros?
“Tem-se afirmado que é raro ouvir falar das associações entre patrões, ao passo que com freqüência se ouve falar das associações entre operários. Entretanto, se alguém imaginar que os patrões raramente se associam para combinar medidas comuns, dá provas de que desconhece completamente o assunto. Os patrões estão sempre e em toda parte em conluio tácito, mas constante e uniforme para não elevar os salários do trabalho acima de sua taxa em vigor. Violar esse conluio é sempre um ato altamente impopular, e uma espécie de reprovação para o patrão no seio da categoria. Raramente ouvimos falar de conluios que tais porque costumeiros, podendo dizer-se constituírem o natural estado de coisas de que ninguém ouve falar freqüentemente, os patrões também fazem conchavos destinados a baixar os salários do trabalho, mesmo aquém de sua taxa em vigor.”
5. E como se dá o conluio entre patrões e governo?
“Essas combinações sempre são conduzidas sob o máximo silêncio e sigilo, que perdura até ao momento da execução; e quando os trabalhadores cedem, como fazem às vezes, sem resistir, embora profundamente ressentidos, isso jamais é sabido de público.”
6. Como os trabalhadores reagem aos ataques realizados pelos patrões contra os direitos trabalhistas?
“Muitas vezes, porém, os trabalhadores reagem a tais conluios com suas associações defensivas; por vezes, sem serem provocados, os trabalhadores combinam entre si elevar o preço de seu trabalho. Seus pretextos usuais são, às vezes, os altos preços dos mantimentos; por vezes, reclamam contra os altos lucros que os patrões auferem do trabalho deles. Entretanto, quer se trate de conchavos ofensivos, quer defensivos, todos são sempre alvo de comentário geral. No intuito de resolver com rapidez o impasse, os trabalhadores sempre têm o recurso ao mais ruidoso clamor, e às vezes à violência mais chocante e atroz.
Desesperam-se agindo com loucura e extravagância que caracterizam pessoas desesperadas que devem morrer de fome ou lutar contra seus patrões para que se chegue a um acordo imediato para com suas exigências. Em tais ocasiões, os patrões fazem o mesmo alarido de seu lado, e nunca cessam de clamar alto pela intervenção da autoridade e pelo cumprimento das leis estabelecidas com tanto rigor contra as associações dos serviçais, trabalhadores e diaristas. Por isso, os trabalhadores raramente auferem alguma vantagem da violência dessas associações tumultuosas, que, em parte devido à interferência da autoridade, em parte à firmeza dos patrões, e em parte por causa da necessidade à qual a maioria dos trabalhadores está sujeita por força da subsistência atual — geralmente não resultando senão na punição ou ruína dos líderes”
7. O “empreendedorismo seria uma boa saída para o trabalhador se livrar do dilema anteriormente apresentado? Smith responde que não:
“Um trabalhador, dificilmente, consegue acumular capital suficiente para se tornar patrão.
Às vezes, ocorre realmente que um trabalhador independente tenha capital suficiente tanto para comprar os materiais para seu trabalho, como para manter-se até completá-lo. Nesse caso, ele é ao mesmo tempo patrão e operário, desfrutando sozinho do produto integral de seu trabalho, ou seja, do valor integral que seu trabalho acrescenta aos materiais por ele processados. Esse valor inclui o que geralmente são duas rendas diferentes, pertencentes a duas pessoas distintas: o lucro do capital e os salários do trabalho.
Contudo, esses casos não são muito freqüentes, e em todas as partes da Europa, para cada trabalhador autônomo existem vinte que servem a um patrão; subentende-se que os salários do trabalho são em todos os lugares como geralmente são, quando o trabalhador é uma pessoa, e o proprietário do capital que emprega o trabalhador é outra pessoa.”
8. Então como o trabalhador faz para sair dessa sinuca de bico?
Essa pergunta Smith não responde com clareza. Mas Marx, quase um século depois, dá a dica:
“Trabalhadores do mundo, uni-vos, vós não tendes nada a perder a não ser vossos grilhões”
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