De Duterte a Bolsonaro: ultradireitistas povoam mapa mundi
O mapa mundi se povoou de ultradireitistas. De Le Pen e Salvini na Europa, passando por Duterte, nas Filipinas, até Bolsonaro, no Brasil
e Jair Bolsonaro, presidente do Brasil
“Todos chegaram ao poder ou ao Parlamento com a mesma narrativa: a oposição do povo às elites, sejam elas políticas ou econômicas. Essa é uma das características das extremas direitas ressuscitadas. A outra característica foi definida com pertinência pelo professor de filosofia e cientista político Yves Charlees Zarka: ‘o que caracteriza o populismo de hoje é que esse se desenvolve nas sociedades democráticas cujas populações estão dotadas de um alto nível de educação’”, escreve Eduardo Febbro, em artigo publicado por Página/12, 11-01-2019. A tradução é de André Langer.
Eis o artigo.
Populistas de extrema-direita deixaram de ser uma área restrita de espectadores nostálgicos para se tornarem uma cruzada mundial. Fascistas e neonazistas, xenófobos, fundamentalistas religiosos, soberanistas, regionalistas, autoritários ou movimentos pós-ideológicos como o italiano Cinco Estrelas formam uma nova cartografia planetária da oferta política. O sucesso eleitoral os tem acompanhado de forma ascendente desde quando, a partir de meados dos anos 80, a extrema direita francesa da Frente Nacional (hoje Reagrupamento Nacional) rompeu o cerco onde vivia confinada com apenas 2% dos votos.
Duas eleições presidenciais disputadas na França com seu candidato no segundo turno (2002, Jean Marie Le Pen; 2007, Marine Le Pen), maior partido da França nas eleições europeias de 2014, vitória presidencial nos Estados Unidos, espinha dorsal da saída da Grã-Bretanha da União Europeia (Brexit), vitória na Hungria com Victor Orban, Rodrigo Duterte nas Filipinas, na Itália com Matteo Salvini, na Polônia com Jaroslaw Kaczynski, na Áustria com Sebastian Kurtz e Heinz-Christian Stracheun, o recém-chegado na Espanha, o Partido Vox, e no Brasil com Jair Bolsonaro, o mapa mundi foi se povoando de extremistas bem-sucedidos.
A terra de conquista mais vulnerável continua a ser a Europa. É a partir do Velho Continente, onde os populistas cinzentos estão construindo o que eles mesmos chamam de “uma internacional populista”. Steve Bannon, o ex-conselheiro de Donald Trump, mudou-se para Bruxelas, onde fundou O Movimento com o objetivo de reunir todos os partidos nacionalistas e de extrema direita e tomar de assalto o Parlamento Europeu nas eleições europeias de maio próximo. Para ele, a Europa “é o centro do levante populista e nacionalista” que levará esses movimentos “à vitória e a governar”, disse Bannon em agosto do ano passado quando chegou a Bruxelas.
Na capital belga, Steve Bannon instalou seu quartel general em uma luxuosa residência de 1.200 metros quadrados com parque e piscina. Seu proprietário é Mischaël Modrikamen, empresário, advogado e líder do partido político liberal-conservador de extrema direita Partido Popular (6% das intenções de voto).
O projeto da internacional populista tem uma extensão na Itália através do mosteiro medieval de Trisulti onde, com o apoio de dois outros personagens, Benjamin Harnwell e o cardeal conservador Raymond Leo Burke, espera abrir ali uma academia, isto é, uma escola de capacitação de populistas e nacionalistas. Benjamin Harnwell é o fundador do think tank Dignitatis Humanae Institute (Instituto para a Dignidade Humana), enquanto o cardeal Burke é um adversário ferrenho do Papa Francisco.
De acordo com o que Harnwell detalhou no jornal La Stampa, “trata-se de um projeto que visa promover a civilização ocidental e seus fundamentos judaico-cristãos, com base no pensamento nacionalista populista desenvolvido por Bannon”. O grupo ainda não conseguiu atingir o seu objetivo principal: a formação de um corpo nacionalista dentro do Parlamento Europeu. A primeira reunião do “clube de líderes populistas” criado por Bannon e Modrikamen ainda não aconteceu. Adiado duas vezes, o congresso está programado para o final de janeiro deste ano.
Até o momento, os grandes partidos da extrema direita europeia recusaram-se a se aproximar do Movimento. Eles olham para ele ao mesmo tempo com interesse e suspeita. Marine Le Pen esclareceu que “a salvação” da Europa viria dos europeus e não de um estadunidense. Os criadores do Movimento reconhecem “contatos e diálogos”, mas a formalização de uma estrutura que integre a todos eles não se configura.
Alguns analistas acham que essa internacional acabará existindo, mas fora da influência de Steve Bannon. As reuniões entre líderes europeus de mesma tendência são frequentes. Salvini foi se encontrar com Kaczynski e Victor Orban tem relações muito próximas com o próprio Kaczynski. Ainda falta o elemento que leve todos eles a uma convergência além da retórica.
Em 02 de janeiro passado, quando assumiu o cargo, o novo ministro das Relações Exteriores do Brasil, Ernesto Araújo, expressou publicamente a sua admiração pela “nova Itália, Polônia e Hungria”. De fato, embora circulem pelo mesmo trilho, as divergências no interior desse grupo político são tão profundas quanto caricaturescas.
Todos chegaram ao poder ou ao Parlamento com a mesma narrativa: a oposição do povo às elites, sejam elas políticas ou econômicas. Essa é uma das características das extremas direitas ressuscitadas. A outra característica foi definida com pertinência pelo professor de filosofia e cientista político Yves Charlees Zarka: “o que caracteriza o populismo de hoje é que esse se desenvolve nas sociedades democráticas cujas populações estão dotadas de um alto nível de educação”.
Os populismos contemporâneos englobam um enxame de ideologias renascidas ou uma combinação de vários ingredientes do passado e da modernidade. São agora 11 os líderes que poderiam integrar essa “internacional populista”: Victor Orban (Hungria), Matteo Salvini (Itália), Luigi Di Maio (Itália), Jaroslaw Kaczynski (Polônia), Sebastian Kurtz e Heinz-Christian Stracheun (Áustria), Andres Babis (República Tcheca), Rodrigo Duterte (Filipinas), Recep Tayyip Erdogan (Turquia), Jair Bolsonaro (Brasil) e Donald Trump (Estados Unidos). A eles devemos acrescentar os partidos que vão gradualmente escalando degraus no poder político, como acontece com a extrema direita da Alemanha, Holanda e Vox na Espanha.
Para todos, mais do que a eleição de Trump, o ponto de ruptura tem dois episódios: as eleições europeias de 2014 e o referendo a favor da saída da Grã-Bretanha da União Europeia. Essa é a nossa “pedra fundacional”, lembra Mischaël Modrikamen. A Europa tem sido um exemplo permanente para a extrema direita global. Steve Bannon recordou como o molde europeu lhe deu as armas para levar Trump à presidência: “Para mim, a Europa é fascinante. Os europeus têm muitas coisas para ensinar aos norte-americanos. A Europa está dois anos na nossa frente. Quando vim observar a ascensão dos partidos populistas nas eleições europeias de 2014, aprendi muitas coisas”.
Em sua passagem pelas principais capitais europeias, Steve Bannon move-se com a aura de um evangelizador do populismo. Fala como um iluminado e, embora ainda não tenha realizado seu sonho de unir toda a extrema direita, a Europa parece ser um fator-chave em suas estratégias políticas norte-americanas. Não é Donald Trump e sua mesquinhez narcisista radical que constituem o pedestal de uma internacional populista. Trump é apenas “America first”. O porta-voz viajante da globalização da extrema direita é Steve Bannon. “É como um Che Guevara da extrema direita que está à procura da sua Bolívia”, disse anonimamente um eurodeputado da ala nacionalista.
Bannon preside o cenáculo daquilo que o pensador italiano Antonio Gramsci chamou de “monstros”. Estes chegaram a perturbar o confronto esquerda-direita, em vigor desde o início do século XX. Uma das frases mais citadas pelos analistas ocidentais pertence a Gramsci. Até parece que a escreveu hoje: “o velho mundo morre e o novo mundo tarda em despontar. Nesse claro-escuro aparecem os monstros”. Por enquanto, andam separados.
Acompanhe Pragmatismo Político no Instagram, Twitter e no Facebook