Redação Pragmatismo
Desigualdade Social 12/Jan/2019 às 20:38 COMENTÁRIOS
Desigualdade Social

Holotrópico — movendo-se em direção à totalidade

Publicado em 12 Jan, 2019 às 20h38
Holotrópico movendo-se direção à totalidade desigualdade pobreza
Desigualdade social gritante (Imagem: Igor de Melo|CP)

Eduardo Bonzatto*, Pragmatismo Político

As linhas de realidade se movimentam de modo holotrópico, em direção à totalidade.

Outro aspecto em que a realidade se mostra eficiente foi a relevância dos chamados governos sociais (os 4 governos petistas) e que, aqui, denominarei de governos gentis, para criar uma verdadeira oposição aos governos que os sucederão. A relevância desses governos, segundo seus admiradores, foi a enorme ampliação da classe média pelo ingresso de um volume muito maior de consumidores nesse nicho específico. Esses novos consumidores deixaram a zona de pobreza e ingressaram num universo de consumo brilhante demais para qualquer tipo de negociação. Sua hegemonização via celulares, automóveis, televisores e computadores foi avassaladora.

Efetivamente essa ampliação implicou em inúmeros fenômenos agregados e um deles foi a longevidade de tais governos, sempre impelido pelo consumo. A questão visível é essa, mas também os valores da classe média foram agregados a esse movimento.

A velha classe média era composta por profissionais liberais, comerciantes, industriais, formação típica desse nicho social até finais dos anos 1980. E quais eram os valores dessa classe social? Machismo, homofobia, racismo, preconceito, pré-julgamento, egoísmo, apreço pelos privilégios, que só ocasionalmente precisavam ser defendidos, pois a classe média sempre foi estratégica no jogo econômico-político do capitalismo. O ingresso, a partir dos anos 1990, de um grande grupo que vinha de zonas normalmente de exclusão para esse grupo teve implicações importantes.

O consumismo, como ideologia, é intenso e provisório, pois deve cumprir suas promessas na percepção de todos, mas os valores da classe em que se recepciona também devem ser internalizados.

As zonas de exclusão (favelas, cortiços, dentre outros) são espaços coletivos em que o valor principal precisa ser a colaboração, pois todos estão sujeitos ao infortúnio do desemprego iminente, da falta e da carência. Tanto é que normalmente se identifica dentre todos os pobres como sendo os mais generosos no momento de auxiliar o próximo.

E aqui a questão importante da realidade e de seus substratos. Quando exercem seu papel de classe média, os valores da classe média são inoculados entre seus novos e felizes integrantes. Depois que a euforia consumista termina, pois sempre termina, por isso é uma ideologia e não um ingresso permanente na nova classe, os valores ficam.

Os valores da classe média são sempre conservadores. A classe média anseia pelo status que a mantém nessa suspensão perigosa entre a riqueza e a pobreza. Mas ela aprendeu a se fortalecer ali e entende esse fortalecimento como parte de seu privilégio. Já esses novos integrantes que, embora tenham cursado faculdade, tenham se esforçado para permanecer ali, tenham encontrado todas as ofertas a que seu desempenho seja notado a qualquer custo, encontraram um mundo em que tudo está já precarizado. Ser médico, advogado ou engenheiro nesse novo mundo é uma arapuca, pois a ascensão imaginada não acontecerá, exceto em exceção.

Os gastos com universidade, e a expansão das universidades particulares, foi exponenciada a partir dos anos 1990 ofertando mais um produto tipificado como do consumismo, e cuja eficiência como dispositivo para emancipação no universo da classe média é totalmente questionável. Enfim, os vários produtos dessa falsa emancipação para o ingresso na classe média terminarão exatamente no momento em que o fluxo de financiamento do consumismo se encolher. Aí, esse enorme contingente daqueles que ingressaram começam sua dura jornada de volta à pobreza, mas levam na bagagem os valores da classe média, ou seja, o preconceito, o racismo, a homofobia, a ambição, a competitividade, o desempenho.

A questão da realidade então precisa ser enfrentada. Para os admiradores dos governos gentis, a salvação que foi o ingresso no universo do consumo é o valor supremo. Para os que observam um pouco abaixo dessa superfície, no entanto, essa enorme massa de novos consumidores frustrados gera os governos grosseiros, que podem eliminar os vernizes do politicamente correto, assumirem seu papel no jogo dos preconceitos, podem se revelar fascistas, racistas e homofóbicos e isso é traduzido por esse enorme contingente como demonstração da verdade da fala, em que os valores da família, da segurança, de deus são resgatados como uma forma peculiar de libertação.

As camadas superficiais da realidade contam uma história, mas existem outras muito diferentes que explicam por outro caminho os espetáculos mais visíveis que explodem na nossa cara a todo instante.

Como dito aqui, os governos gentis geraram os governos grosseiros. Se descêssemos a outras profundidades, por exemplo, a estrutura de estado em que o modelo neoliberal anuncia seus protocolos e avaliássemos sua incidência em cada governo, aí perceberíamos uma linha coerente e sistemática que avança sem nenhuma interrupção desde 1990. São muitas superfícies coalhadas de slogans, de ideologia, de discursos.

Esse enorme contingente humano de desejos havia se mantido na classe média enquanto houve financiamentos para a satisfação e para a estupefaciência. Quando essa época terminou, se sentiram traídos pelos governos gentis e migraram a apostar nos governos grosseiros, munidos dos novos valores que haviam adquiridos no percurso.

Há sempre um chamado nos níveis de realidade. Um chamado político, estético, um chamado que é também uma promessa, um clamor. O que permanece de forma indelével é a desigualdade.

*Eduardo Bonzatto é professor da Universidade do Sul da Bahia, permacultor e colaborou para Pragmatismo Político

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