Educação

O marxismo realmente se instalou nas escolas?

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Imagem: Alan Shapiro

Denis Castilho*, Pragmatismo Político

Bolsonaro não deixa de soltar bordões. Ao dizer que o “lixo marxista se instalou nas escolas” [1], não resta dúvida que o sr. presidente nunca leu sequer três linhas de livros como “O capital“, para ficar em apenas uma obra escrita por Marx. Ele se esquece (ou nunca soube) que uma das principais referências de qualquer pesquisador que versa sobre economia política, mesmo aquele de cunho mais liberal, é justamente esta obra.

É preciso conhecer os fundamentos de um estudo mesmo quando se discorda de seu autor. Discordar, aliás, demanda debate, fundamento e conhecimento do que se critica. Além disso, dizer que o marxismo se instalou nas escolas brasileiras só não é mais tolo que imaginar que o sr. presidente leu Smith, premissa bastante apropriada diante de um posicionamento tão descabido e enganoso. Novidade?

Não pega bem a um presidente falar frases vazias e sem fundamento, sobretudo quando é acompanhada de termo infame. Ele não é mais um candidato na arena da barbaridade carregada de fake news. É sua incumbência provar com dados, com pesquisas e fundamentos aquilo que fala, caso contrário suas palavras não passam de asneiras. Ao falar sobre a Educação de seu país, também é dever de um dirigente de Estado conhecer os reais problemas das escolas antes de divulgar frases carregadas de interesses obtusos.

Para efeitos de comparação, conforme aponta Ratier (2016), em levantamentos do IBGE sobre o vínculo partidário de professores brasileiros, constatou-se que apenas 10% são filiados a algum partido político. Desses, MDB e PSDB somam a maioria: 24,5%.

A escola, por essência, é uma instituição muito mais conservadora do que qualquer outra coisa. Não sejamos ingênuos. Se a obra de Marx é trabalhada de maneira bastante elementar até mesmo em disciplinas de economia política, imagine nas escolas? Encontrar um professor que realmente leu um dos quatro livros de “O capital”, é raridade. Mais difícil ainda é encontrar aqueles que leram e conhecem, de fato, a obra de Marx (lembrando que o marxismo não se restringe a este autor, mas passa por ele).

Os livros 1, 2 e 3 de “O Capital” publicados em 2011, 2014 e 2017, respectivamente, pela Editora Boitempo, somam 2.638 páginas. O livro 4, publicado pela Editora Difel, está dividido em três volumes que somam 1.616 páginas. Juntos, os quatro livros agregam 4.254 páginas. Além dessa grande quantidade e da densidade dos temas abordados, não é difícil imaginar o envolvimento, a acuidade e o tempo que a leitura dessa obra demanda.

Por que, então, dizer que o marxismo se instalou nas escolas? Está claro que por trás dessa frase há a intenção deliberada de imposição de um modelo autoritário e cerceador no sistema de ensino. Para isso, é necessário construir frases e justificativas (falsas, obviamente) para ludibriar parte da população e forjar uma opinião favorável a projetos como o Escola Sem Partido.

Se o presidente falasse dos reais problemas das escolas brasileiras (especialmente das públicas), a exemplo do baixo salário dos professores, da péssima infraestrutura das escolas e respeitasse a autonomia dos docentes garantida pelo artigo 206 da Constituição Federal, teria meu apoio. Mas longe disso, ele dá mais um péssimo exemplo quando continua a vomitar clichês.

Não é este o papel de um presidente. Sua frase e o termo utilizado são de uma infelicidade que somente imbecilizam ainda mais seus apoiadores e desprevenidos de plantão.

Citação 

[1] Frase dita por Jair Bolsonaro na véspera de sua posse para presidente (Uol Notícias, 2018).

Referências

CONSTITUIÇÃO DE 1988. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/consti/1988/constituicao-1988-5-outubro-1988-322142-publicacaooriginal-1-pl.html (acesso: 2 jan. 2019).

MARX, Karl. O Capital: Crítica da economia política. Livro I: O processo de produção do capital. Trad. Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2011. 894 p.

MARX, Karl. O Capital: Crítica Da Economia Política. Livro II: O Processo de Circulação do capital. Trad. Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2014. 760 p.

MARX, Karl. O Capital: Crítica Da Economia Política. Livro III: O Processo global da produção capitalista. Trad. Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2017. 984 p.

MARX, Karl. Teorias da Mais-Valia – A história crítica do pensamento econômico. Livro 4 de O capital. Vols. I, II e III. São Paulo: Difel, 1980. 1065 p.

NA véspera da posse, Bolsonaro critica “lixo marxista” em escolas. Uol notícias, 31 dez. 2018. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2018/12/31/bolsonaro-marxismo-escolas.html (Acesso: 2 jan. 2019).

RATIER, Rodrigo. 14 perguntas e respostas sobre o “Escola Sem Partido”. In: SOUZA, Ana Lúcia et al. (orgs.). A Ideologia do movimento Escola Sem Partido. São Paulo: Ação Educativa, 2016.

*Denis Castilho é doutor em geografia e professor do Instituto de Estudos Socioambientais da Universidade Federal de Goiás e colaborou com Pragmatismo Político.

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