81 presos amontoados em um espaço reduzido compõem o retrato da crise carcerária que assola o Brasil. No cubículo há falta de higiene e detentos diagnosticados com diversas doenças, como tuberculose e até HIV
Uma denúncia publicada pelo jornal Gazeta do Povo no final do mês de janeiro não recebeu a devida atenção da imprensa nacional, embora tenha repercutido em portais de Curitiba (PR).
Na ocasião, a reportagem mostrou que mais de 81 pessoas se amontoavam em um espaço reduzido no 1º Distrito Policial (DP) de Curitiba. A imagem chocante é um retrato da crise carcerária que assola o estado do Paraná.
Além de ser um problema por si só, a superlotação na carceragem tem resultado em diversas situações de tentativas de fuga do 1º DP. A última delas aconteceu em novembro do ano passado, quando alguns detentos foram flagrados no telhado da delegacia tentando escapar de lá.
Originalmente, o 1º DP tem apenas duas celas, com capacidade conjunta para oito pessoas, mas que detinham 21. A necessidade, no entanto, faz com que presos sejam mantidos também na antessala que dá acesso à carceragem. Neste espaço, havia 55 presos.
Há apenas duas entradas do ar e, para suportar o calor, os detidos permanecem apenas de cueca e se abanam o tempo todo com marmitas de isopor.
Como a carceragem não tem espaço para manter mulheres, cinco presas foram colocadas em outra sala do 1º DP. Elas permanecem algemadas o tempo todo. Há presos com problemas graves de saúde. Quando o Conselho da Comunidade e a Defensoria chegaram à delegacia, encontraram dois deles que haviam desmaiado por causa do calor e que estavam acorrentados fora das celas.
Do lado de dentro, um homem diagnosticado com tuberculose – e que chegou a vomitar sangue – usava uma máscara cirúrgica para tentar evitar que os demais fossem contaminados. Havia ainda dois presos com asma, dois com problemas de pressão alta e um soropositivo para o vírus HIV.
“Tem presos com doenças contagiosas. A sensação de calor é de mais de 50 graus Celsius”, disse a presidente do Conselho da Comunidade, Isabel Mendes. “Eu nunca vi uma superlotação dessas no 1º DP. E o problema é que continuam a chegar presos”, acrescentou.
Os presos são obrigados a urinar em garrafas e galões. Tanto nas celas, quanto na antessala, eles têm defecado em um buraco e jogado água da torneira para escoar as próprias fezes. “É uma coisa inimaginável”, afirmou Isabel.
Dos 81 presos, apenas nove afirmaram ter advogado constituído. Entre os motivos pelos quais eles foram levados para trás das grades, estão principalmente casos de menor relevância, como furtos e posse de drogas.
A Secretaria da Segurança Pública e Administração Penitenciária do Paraná divulgou a seguinte nota após a divulgação da denúncia:
“A Secretaria da Segurança Pública e Administração Penitenciária do Paraná está ciente do problema de superlotação nas carceragens. Importante salientar que já houve avanços: no início de 2011 a Polícia Civil gerenciava em torno de 14 mil presos e hoje o número é de aproximadamente 9,5 mil.
A cúpula da segurança pública tem trabalhado para reduzir o número de presos em delegacias. Semanalmente, o Comitê de Transferência de Presos (Cotransp), que conta com representantes do Poder Judiciário e do Ministério Público, autoriza a transferência de presos de delegacias para o sistema prisional. No entanto, as vagas só são abertas com a saída de presos e, para isso, é preciso autorização do Poder Judiciário.
A solução para o caso de superlotação são as 14 obras de construção e ampliação de unidades prisionais do Estado. Serão abertas cerca de 7 mil novas vagas com essas novas unidades prisionais. Outras 684 vagas serão geradas com a instalação destas celas modulares (“shelters”), equipadas com camas e banheiro. As duas medidas vão beneficiar todas as regiões do Estado.
Além disso, é uma alternativa a adoção das tornozeleiras eletrônicas para aqueles presos que cometeram crimes de menor potencial ofensivo e que passam a ser monitorados a partir do Centro Integrado de Comando e Controle (CICC) da Secretaria da Segurança Pública e Administração Penitenciária”.
Sistema penitenciário
De acordo com os indicadores atuais do crescimento da população carcerária vs da população brasileira, se mantivermos o ritmo, em 80 anos 100% da população estará atrás das grades.
O Brasil é a 4ª maior população carcerária do mundo (622 mil em dezembro de 2014), sendo que 80% estão presos por crimes ao patrimônio ou tráfico de drogas. Considerando o fluxo de pessoas presas e soltas, no período de 2014, pelo menos 1 milhão de pessoas vivenciaram o cárcere.
Assustadores 40% são presos provisórios ainda não julgados. Apenas 2% têm ensino superior completo ou incompleto. Destaca-se a situação das mulheres, que embora ainda minoria, foram a parcela da população carcerária que mais cresceu. Mais da metade da população feminina é por tráfico de drogas.
Nos últimos 20 anos o Brasil saltou de 60 mil vagas para 306 mil, mesmo assim a superlotação prevalece. As cadeias com capacidade média de 700 a 800 presos custam, em média, R$ 34 milhões.
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Nas cadeias públicas estabelece-se a prática sistemática de tortura por parte do Estado. Maiores riscos de tuberculose, aids e morte: apenas 30% dos presos tem acesso à saúde. As famílias ficam com o peso de sustentar em boa medida os parentes presos, comprometendo cerca de 60% da renda familiar. É uma bola de neve de problemas.
Por fim, vale esclarecer que o beneficio do auxílio-reclusão é concedido apenas para famílias de presos que exerciam atividade regulada, contribuíam com o INSS e estão em regime fechado ou semiaberto e comprovaram baixa renda.
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