Guerra injustificável

Os 10 últimos golpes de Estado estavam ligados ao petróleo

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Dez de dez golpes de Estado dos últimos tempos estavam ligados à questão do petróleo. E a Venezuela é dona das maiores reservas de petróleo do planeta. E, mesmo em países conduzidos por déspotas reconhecidos, sua deposição legou uma realidade muito mais cruel e despótica

Saddam Hussein, Muhamar Kaddafi, Robert Mugabe e Nicolás Maduro (Montagem: PP)

Luis Nassif, Jornal GGN

Criticam-se muito os debates nas redes sociais, pela visão estritamente bipolar de todos os temas: é bom ou mau, é a favor ou contra. No caso brasileiro, esse simplismo é fruto de décadas de cobertura jornalística monofásica, de se concentrar em apenas um ângulo da questão, com receio de que os leitores possam se confundir se expostos ao tico e ao teco.

Tome-se o caso da Venezuela. Do lado da mídia, a discussão se dá exclusivamente sobre os vícios do governo Nicolás Maduro, como se a simples queda dele resolvesse todos os problemas. É uma versão ampliada do “fora Dilma”, cuja consequência maior foi o advento da ultradireita tosca de Jair Bolsonaro. Do lado das esquerdas, sobre as artimanhas da indústria do petróleo, que está por trás de quatro em cada quatro golpes de Estado, sem pensar em saídas alternativas.

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Abstraindo-se todas as torcidas e exageros, há poucas dúvidas de que o governo Maduro se tornou inviável. Mas passa-se ao largo do ponto central da discussão: qual a solução para a questão venezuelana? É central porque decorrerão, daí, consequências relevantes para o continente e, especialmente, para os países que fazem fronteira com a Venezuela, incluindo o Brasil, submetido a um governo sem-noção, de abibolados fundamentalistas.

Dez de dez golpes de Estado dos últimos tempos estavam ligados à questão do petróleo. E a Venezuela é dona das maiores reservas de petróleo do planeta. Está aí o caso brasileiro, para ninguém duvidar. E, mesmo em países conduzidos por déspotas reconhecidos, sua deposição legou uma realidade muito mais cruel e despótica.

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Peça 1: Iraque

Em 2003, nas ondas dos atentados às torres Gêmeas, impulsionado pelo vice-presidente Dick Cheney, os Estados Unidos invadiram o Iraque, controlado pelo ditador Saddam Hussein Abd al-Majid al-Tikriti. O mote da invasão foram notícias falsas – difundidas pelos grandes jornais – da existência de armas químicas no país e das ligações de Hussein com a Al Qaeda. As duas informações eram falsas.

A ideia era a luta mundial contra o terrorismo. Em nome da guerra, flexibilizaram-se os direitos individuais, autorizou-se a tortura.

Em 28 de abril de 2004, explodiu o escândalo da prisão de Abu Ghraib, com fotos tiradas por soldados foram divulgadas pela CBS News. Havia prisioneiros nus, amontoados, forçados a simular atos sexuais. Outra mostrava uma soldada segurando um prisioneiro pela coleira.

Foi uma guerra de oito anos, que só terminou em 18 de dezembro de 2011. O resultado imediato foi a morte de milhares de pessoas, a desorganização total do país. A consequência posterior foi o aparecimento da facção terrorista Estado Islâmico, sucedendo a Al Qaeda.

O desmantelamento do modelo anterior – ainda que fincado em Hussein – criou um caos permanente, com a impossibilidade dos grupos étnicos e de poder de negociarem. Este ano, o Plano de Resposta Humanitária tentava captar US$ 700 milhões para fornecer assistência básica a 1,75 milhão de iraquianos vulneráveis.

Peça 2 – Líbia

Em 2011 a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) comandou a invasão “humanitária” da Líbia. Muammar Mohammed Abu Minyar al-Gaddafi foi apresentado ao mundo como um ditador sanguinário. Até então, era visto como âncora de racionalidade ocidental no Oriente Médio. O que mudou foi sua tentativa de alterar o jogo do petróleo, afastando a Total francesa, a italiana ENI, a britânica British Petroleum (BP), a espanhola Repsol, a ExxonMobil, Chevron, Occidental Petroleum, Hess and Conocophillips, em favor da Corporação Nacional do Petróleo, da China.

Logo após a execução de Kadafi, explodiu a violência entre os diversos grupos apoiados pela OTAN para a deposição do ditador.

Em 2014, o general Khalifa Haftar tentou dissolver o Congresso. Pressionado, o Congresso permitiu novas eleições. Os islamitas foram derrotados e reagiram com uma ofensiva para tomar o Aeroporto Internacional da Líbia. Houve reação que espalhou a violência descontrolada por todo o país.

Desde a morte de Khadafi, 19 jornalistas já foram executados na Líbia. Segundo o Jornalistas sem Fronteiras, há inúmeros casos de desaparecimento e total impunidade para os autores.

Saiba mais: Anos após morte de Kadafi, Líbia está arruinada

Informar tornou-se uma missão quase impossível, face à diversidade de autoridades e de milícias, a oeste e este da Líbia a procurarem silenciar jornalistas”, refere a dizem o JSF.

As reações contra o governo explodem em várias direções. Recentemente, um pequeno grupo de homens armados tomou o campo de Sharara, que produz 314 mil barris de petróleo por dia, mantendo-o paralisado no mês de dezembro. Sua reivindicação era simples: melhores condições de vida na região.

No início do mês, aviões norte-americanos bombardearam regiões da Líbia sob controle da AL-Qaeda. Dias atrás, o governo líbio pediu ajuda à ONU para manter a segurança contra o jihadismo.

Foi preciso um longo calvário para o governo líbio chegar à conclusão racional:

Acreditamos, que todos os partidos aprenderam a lição, tomaram consciência das graves consequências da crise contínua. É hora de recorrer à razão, agora, que o caminho para a estabilidade está claro e todos perceberam que não há solução militar para a crise”, foi sua declaração.

As disputas de são entre o governo reconhecido pelo Acordo Nacional da ONU e o Exército Nacional Líbio (LNA) de Khalifa Haftar criou uma terra de ninguém, ao sul do país, que tornou-se espaço para a proliferação de diversos grupos armados.

Peça 3 – Zimbabue

Um ano de protestos com a crise econômica do Zimbábue promoveu a queda de Robert Mugabe. O exército deu um golpe de Estado colocando em seu lugar o vice-presidente Emmerson Mangagwa. Em 30 de julho de 2018 houve eleições gerais. Mangagwa foi eleito e sua vitória contestada pelo principal partido de oposição, o MDM Alliance. Mas o Tribunal Constitucional confirmou a vitória de Mangagwa.

Ele chegou ao poder anunciando os novos tempos de democracia.

Em fevereiro deste ano, 19 personalidades internacionais assinaram um manifesto contra os abusos contra direitos humanos no país.

Estamos profundamente preocupados com as graves violações dos direitos humanos no Zimbabué e condenamos a violenta repressão de manifestantes pacíficos, incluindo os líderes e membros do Congresso de Sindicatos do Zimbabué, que apelaram a uma greve pacífica de três dias em meados de janeiro. Desde então, as forças de segurança usaram munição real contra civis, matando pelo menos 12 pessoas e ferindo 78 outras. Ativistas da sociedade civil e políticos da oposição foram arbitrariamente presos e detidos. Os nossos colegas dos grupos de defesa dos direitos humanos do Zimbabué relatam que policiais e homens em uniformes militares estão realizando ataques porta-a-porta em áreas urbanas, durante os quais violações e espancamentos ocorreram.

Peça 4 – Venezuela

O que ocorreria com a deposição de Maduro por um golpe armado? A consequência óbvia seria a transformação de parcelas relevantes das Forças Armadas e das milícias em organizações clandestinas armadas. Haveria a desestruturação política final do país, dividido entre os chavistas órfãos de representação, e a oposição que não dispõe de uma liderança capaz de unir a própria oposição, com o país convertendo-se em palco para disputas em torno do petróleo.

E, afinal, Maduro tem o apoio das Forças Armadas, do Judiciário e de parte do Parlamento. O que se pretende com a intervenção? Eliminar totalmente as instituições, ainda que manipuladas por ele?

Se não tivesse sido inviabilizado politicamente pelo golpe, Lula poderia estar cumprindo seu papel de mediador.

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