O combate à sonegação também seria um bom caminho para o ministro da Justiça, Sergio Moro, perseguir caso a preocupação dele fosse mesmo com a relação entre o crime e as finanças públicas. Estima-se que o valor anual sonegado no Brasil é de R$ 500 bilhões
Joaquim de Carvalho, DCM
Ninguém sabe ao certo quanto se sonega no Brasil. Só se sabe que é muito, e está na casa de bilhões de reais — para o Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda, é da ordem de 500 bilhões de reais por ano.
Considerando que este número esteja correto, só com o combate à sonegação seria possível obter em dois anos o equivalente ao que o ministro da Economia, Paulo Guedes, estima economizar em dez anos com os efeitos da reforma previdenciária.
O combate à sonegação também seria um bom caminho para o ministro da Justiça, Sergio Moro, perseguir caso a preocupação dele fosse mesmo com a relação entre o crime e as finanças públicas.
“O crime contra a administração pública, como a corrupção, esvazia os cofres públicos, diminui os recursos disponíveis para que o Estado, a União Federal, possam adotar políticas mais eficientes contra a criminalidade organizada, contra a criminalidade violenta”, disse, ao anunciar seu pacote.
Mas o que dizer, então, da sonegação, que é, na prática, um crime sem penalidade no Brasil?
Pela legislação em vigor, o sonegador, a qualquer tempo, se livra da punição, caso pague o débito. Ou seja, é um crime que compensa.
Este é um caso que mereceria revisão das leis. Mas, nesse tema, o pacote anticrime de Moro não toca.
Ninguém está dizendo que a corrupção não é um problema real, que precisa ser enfrentado a qualquer tempo, mas não é mais grave do que a sonegação.
Talvez seja até menos grave porque, em grande medida, a proteção a sonegadores é a fonte de corrupção.
Só um registro: uma vez ouvi de um policial veterano que as delegacias fazendárias, que investigam a sonegação, eram muito disputadas pelos policiais.
Por quê?
“Porque ali se pode ganhar dinheiro”, ele respondeu.
Mas, no governo Bolsonaro, ninguém fala do combate à corrupção nem em uma reforma tributária que tire do cangote do pobre a maior parte da carga tributária — até quando compra remédio, o pobre paga imposto.
Já as empresas, quando recolhem tributos, o transferem para o preço das mercadorias ou serviços.
No caso da reforma da Previdência, o alvo é a aposentadoria dos mais pobres.
Na prática, o que está em gestação é um plano para fazer o brasileiro trabalhar mais para se aposentar e, quando se aposentar, ganhar menos.
Mas isso não se diz em público.
A mensagem oficial é: com a reforma, o governo terá mais dinheiro, e poderá reduzir a dívida pública, e investir mais em saúde e educação.
É a mesma ladainha contada na época em que Fernando Henrique Cardoso privatizou a maior parte das estatais brasileiras.
O Monitor Mercantil, um antigo jornal de economia e negócios sediado no Rio de Janeiro, relembrou esses fatos.
Em 1994, quando FHC se elegeu, a dívida pública era de R$ 153,2 bilhões, equivalente a 29,2% do PIB (soma de tudo o que o país produz).
Com as privatizações durante o governo dele, o que entrou no caixa foi algo em torno de R$ 100 bilhões, mas a dívida pública, em vez diminuir, dobrou.
Em 2002, a dívida era de R$ 850 bilhões — equivalente a 59,6% do PIB.
Ué, mas a propaganda da privatização não era que a dívida pública cairia?
Como fez na época da privatização, a velha imprensa está agora ajudando Bolsonaro a contar uma mentira parecida.
Vai confiscar direitos em nome de uma boa causa, já que este seria o único caminho para enfrentar as dificuldades do Estado.
É como se dissesse: vai ser bom para você.
Não é o único caminho nem será bom, embora alguma reforma seja mesmo necessária — para cortar privilégios, por exemplo.
Mas seus analistas continuarão defendendo a reforma da Previdência de Paulo Guedes, porque muitos deles não podem falar do outro assunto correlato: o buraco causado pela sonegação.
Afinal, trabalham para empresas com histórico nessa prática, como a Globo.
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