Cinema

A história não revelada dos trigêmeos separados ao nascer

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Três desconhecidos idênticos: história da separação dos trigêmeos no nascimento envolve raiva, experiências com ecos nazistas, debates éticos e relatórios censurados

Bobby Shafran, à esquerda, David Kellman e Eddy Galland foram separados no nascimento (Imagem: Newsday LLC)

Tommaso Koch, ElPaís

Seu amigo não parava de sacudir o jornal, acima e abaixo. David continuava não acreditando. “É você!”, insistia aquele. O artigo não dava muita informação, mas a foto bastava. Apareciam dois rapazes abraçados, sorridentes e absolutamente idênticos. Não só entre eles: também eram iguais a David. “Era impossível”, lembra este por telefone. De onde tinham saído esses tais Robert e Eddy? E por que se pareciam tanto com ele? Finalmente, David conseguiu o número da mãe de Eddy e ligou. Logo depois, já estava na estrada. Havia vivido 19 anos sem saber nada sobre seus dois irmãos trigêmeos. Nem sequer que existiam.

Os outros dois, como mostra o documentário Three Identical Strangers (Três Desconhecidos Idênticos), haviam tido a surpresa um pouco antes. Quis o destino ou o acaso que, em 1980, Robert Shafran fosse para a Universidade de Sullivan, em Nova York. Ele pisava ali pela primeira vez, mas recebeu uma calorosa recepção. Sorriram para ele, cumprimentavam-no, perguntavam como tinham sido as férias. A coisa mais estranha é que eles o chamavam de “Eddy”. O mistério acabou sendo desvendado e Robert se sentou, basicamente, na frente do espelho. “Seus olhos eram meus olhos”, lembra sobre o encontro. Compartilhavam muita coisa para dois desconhecidos: rosto, data e local de nascimento — 12 de julho de 1961, em um hospital de Long Island — e o fato de serem adotados. Chegaram o entusiasmo, as entrevistas. E David. “De algo alucinante, passou a incrível”, diz no filme o jornalista de um diário local.

Eu me dedico a selecionar ideias para uma produtora. Você acaba ficando duro, pensa muitas vezes: ‘Isso eu já vi’. Mas quando me contaram esse caso sabia que era a melhor história que já tinha ouvido”, diz o diretor do documentário, Tim Wardle. No começo, suspeitou que seu colaborador estivesse exagerando. Agora, depois de cinco anos e um filme, que estreia nesta quinta-feira na Espanha e em breve no Brasil, acredita que talvez tenha sido pouco. “Decidi contar a partir da perspectiva dos trigêmeos e que o espectador fosse conhecendo as informações no mesmo ritmo que eles as descobriram”, explica Wardle. Porque o reencontro foi apenas o começo de uma história cheia de loucura, felicidade e drama, na qual se misturam raiva, experiências com ecos nazistas, debates éticos e relatórios censurados. Por mais absurdo que seja, “é 100% real”. Palavra de Shafran. E de centenas de documentos.

Parece uma história da Disney”, solta um jornalista no documentário. “É muito mais sombrio”, corrige uma das pessoas envolvidas.

De fato, na primeira metade do filme, como na vida dos trigêmeos, reina a euforia: eles se tornaram estrelas, foram morar juntos e até abriram um restaurante, o Triplets. Apareciam na televisão se mexendo ao mesmo tempo, completando as frases uns dos outros e enfatizando que eles amavam os Marlboro, a luta livre a as mesmas mulheres. Até fizeram uma participação em Procurando Susan Desesperadamente, ao lado de Madonna. Até que as diferenças também surgiram. E com elas, as sombras.

Nos EUA, a história é conhecida. No resto do mundo, Wardle recomenda se aproximar dela a partir da ignorância. Basta saber que a agência de adoção, a Louise Wise Services, separou de propósito os meninos e também omitiu isso dos novos pais. Peter B. Neubauer, um cientista já morto, tinha as rédeas do projeto desde a sombra, em busca de uma resposta ao eterno dilema sobre a influência do DNA e da educação no desenvolvimento humano.

Por tudo isso, o documentário encontrou grande resistência. “Eles não confiavam, eram hostis”, lembra Wardle. “Certamente, nós não nos lançamos a isto. Fazia tempo que tampouco falávamos entre nós. E não sabíamos o que eles queriam fazer”, explica David Kellman. Durante quatro anos, nem um minuto de metragem foi filmado. Apenas telefonemas, voos da produção (britânica) para os EUA e reuniões.

Não queríamos que eles explorassem a história ou a tratassem com sensacionalismo. Já tem bastante de alegria e de tragédia. Nós precisávamos confiar neles”, diz Shafran.

Para Wardle, foi uma das grandes dificuldades. “Eu perguntava por que ninguém havia filmado essa história. E descobri que tentaram, até três vezes. Nos anos noventa, chegaram a terminá-la. Mas, de repente, foram obrigados a retirá-lo”, diz sobre o outro problema. Para alguns, era melhor o esquecimento.

Three Identical Strangers sofreu na pele o súbito desaparecimento de algum financiador, enquanto Wardle teve que insistir: “Os investidores me perguntavam como o filme terminaria. Eu não sabia”.

A verdade é que a história ainda não acabou. O filme estreou no Festival de Sundance em 2018, caiu a um passo do Oscar e no domingo concorre ao Bafta [prêmio concedido pela Academia Britânica]. Mas, enquanto isso, os trigêmeos finalmente conseguiram ter acesso ao material secreto sobre sua infância. E o caso continua aberto.

As gêmeas Michele Mordkoff e Allison Kanter se conheceram por causa do filme. “Fomos contatadas por outra dupla. E acreditamos que há pelo menos 23 afetados”, diz Wardle. Talvez alguns já estejam se procurando.

Uma história, dois filmes

A história de Three Identical Strangers atraiu o cinema, a literatura e o jornalismo desde que Lawrence Wright (que aparece no documentário) rompeu o veto em 1995, na revista The New Yorker. Depois de seu filme, Tim Wardle agora também é produtor executivo de uma versão de ficção que será rodada em Hollywood, com “um grande roteirista”, segundo ele, e com o consentimento dos trigêmeos.

Em um documentário, o que você diz permanece. Neste caso, nosso controle se limita a escolher as pessoas apropriadas. Mas nós não sabemos quem vai protagonizá-lo ou como a história será contada”, explica David Kellman.

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