Mais Juanitas por favor
Crônica do cotidiano
João Elter Borges Miranda*, Pragmatismo Político
Cheguei de viagem em Ponta Grossa (PR) hoje bem cedo. Como estou sem um tostão, tive que voltar a pé para casa.
Apesar do cansaço de ter passado a noite em um ônibus, foi gostoso caminhar pela cidade no raiar do dia, sentindo o ar fresco, vendo-a acordar aos poucos; apesar de ao mesmo ser triste e revoltante ver pessoas dormindo na rua e outras tantas se amontoando, sonolentas, nos ônibus lotados. Ainda não eram seis da manhã e o dia já havia começado para muitas e muitos. Daqui a pouco sou eu de volta, pensei comigo contando nos dedos os dias de férias que ainda me restam.
No caminho, decidi dar uma passadinha no mercado. “Viva o cartão de crédito“, pensei comigo, rindo sozinho. Quando cheguei na frente dele, ainda faltava um tempo para abrir, mas decidi esperar mesmo assim, sentado no meio fio. Poucos minutos depois, surge do nada um senhorzinho numa bicicleta. Ele a encosta com cuidado na parede e senta-se ao meu lado, sem deixar de me dar um bom dia esboçando um sorriso. Contou-me que é aposentado, está beirando os setenta e que gosta anda para cima e para baixo pelos morros de Ponta Grossa com a “Juanita”, como chama a sua bicicleta, uma monark azul. Veio no mercado para pagar uma conta na lotérica, que só abriria às 9h. Ainda eram 7h. “Gosto de chegar cedo“, comentou.
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Conversamos bastante. Reclamamos dos políticos da região, de todo mundo, da vida; o senhorzinho comentou que, enquanto o Rangel enche o próprio bolso e dos amigos, ele vive “fumando poeira“, porque o bairro aonde mora, além de ser violento, não é asfaltado. Não obstante toda essa clareza, ele ainda me presenteou o dia partilhando a análise certeira de que no governo Bolsonaro a vida vai ficar ainda mais dura. “Ele vai acabar com a gente“, disse com um olhar profundo de preocupação.
Ele perguntou o que faço. Disse que sou professor de história. E fiquei de peito apertado quando ele disse que também queria ser professor, mas não pôde porque teve que largar a escola na quarta série. “Era muito caro e tinha que trabalhar pra ajudar a família“, ele disse. E logo emendou, orgulhoso, que as filhas são professoras. Uma na UFPR, com parte do doutorado na Alemanha. A outra, professora na UEPG e está terminando o doutorado na federal.
Quando o mercado abriu, tive que deixá-lo sozinho na frente da lotérica, para fazer as compras. Quinze minutos depois, quando eu já estava de volta, vi que ele estava em volta de companheiros, conversando animadamente. Nos despedimos com um aceno de mão.
Coloquei nos fones “Boa Esperança”, do Emicida, e voltei para casa, feliz.
*João Elter Borges Miranda é professor de história formado pela Universidade Estadual de Ponta Grossa e trabalha na rede pública do Estado do Paraná. Email: [email protected]
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