Depois de defender o retorno da disciplina "educação moral e cívica", de chamar brasileiros de "canibais" e de espalhar fake news sobre Cazuza, ministro da Educação divulga nota oficial para se justificar
Ricardo Vélez Rodriguez, ministro da Educação, divulgou uma nota em que acusa a mídia brasileira de descontextualizar suas declarações para enganar a população.
Nos últimos dias, o colombiano Vélez Rodriguez chamou os brasileiros de “canibais”, defendeu o retorno da disciplina “educação moral e cívica”, divulgou uma nota acusando um jornalista de ser da KGB e espalhou fake news sobre Cazuza.
O ministro disse que a mídia não mostra que agora há no MEC “uma equipe comprometida com a educação do nosso povo” e que diretrizes “nocivas do sistema educacional” estão sendo revistas. O ministro não citou quais seriam essas novas diretrizes.
A nota diz que a pasta está trabalhando para desaparelhar as escolas e educar de verdade. “É isso que importa, mas não é isso que a mídia quer que você saiba”, completa a nota assinada por ele.
O que Vélez não disse, porém, é que três de seis secretários escolhidos por ele são ex-alunos seus sem nenhuma experiência em gestão educacional.
Vélez escolheu ainda para uma nova secretaria de Alfabetização o dono de uma pequena escola do Paraná, também sem experiência em gestão pública. Carlos Nadalim foi indicado pelo escritor Olavo de Carvalho, assim como o próprio Vélez.
Além disso, a única diretriz anunciada pelo governo Bolsonaro na área de educação até agora é um foco em alfabetização, embora não haja detalhes do que será feito.
Em texto, o jornalista Josias de Souza comentou a reclamação de Vélez de que estaria sendo perseguido pela mídia. Confira:
Está ficando monótono. O ministro Ricardo Vélez Rodríguez (Educação) concede entrevistas e depois, incomodado com a má repercussão, põe a culpa na imprensa. Em nota divulgada na noite desta terça-feira (5), Vélez levou novamente à face o semblante de vítima: “Infelizmente a mídia brasileira segue com manobras de esquivar-se dos fatos, descontextualizando minhas declarações e tentando enganar a população.”
Nesta penúltima polêmica, Vélez procurou sarna pra se coçar numa entrevista veiculada na edição mais recente da revista Veja. Nela, defendeu o retorno aos currículos escolares de uma velha disciplina: “educação moral e cívica”. Alega, entre outras razões, que é uma forma de ensinar ao adolescente que viaja ao estrangeiro que as leis dos outros países devem ser respeitadas.
Colombiano, Vélez afirmou que o brasileiro, quando viaja, comporta-se como um “canibal”. Usou canibal como um outro nome para ladrão: “Rouba coisas dos hotéis, rouba o assento salva-vidas do avião; ele acha que sai de casa e pode carregar tudo. Esse é o tipo de coisa que tem de ser revertido na escola.” São declarações fortes. Mas Vélez não tem nada a ver com isso. A mídia é que descontextualiza tudo.
Vélez também esculhambou o trabalho da atriz e cineasta Carla Camurati no filme Carlota Joaquina. Queixou-se de que Dom João 6º, o príncipe regente que aportou com a Família Real no Brasil em 1808, foi retratado no filme como “um reles comedor de frango, sem nenhuma serventia.” O ministro tratou a divertidíssima comédia de Camurati como se fosse umm documentário. Mas ele, naturalmente, não tem nada a ver com isso. É outra distorção grosseira da mídia.
Após elogiar o projeto conhecido como ‘Escola sem Partido’, Vélez ecoou Jair Bolsonaro, atacando a suposta ideologização de crianças na escola. Disse que liberdade de ensino “não é fazer o que você deseja”. Avalia que “liberdade é agir, fazer escolhas dentro dos limites da lei e da moralidade. Fazer o que dá vontade não é ser livre. Isso é libertinagem.”
De repente, Vélez colocou na voz de Cazuza uma frase usada pelos humoristas do Casseta & Planeta: “Liberdade não é o que pregava Cazuza, que dizia que liberdade é passar a mão na bunda do guarda. Não! Isso é desrespeito à autoridade, vai para o xilindró”.
Lucinha Araújo, a mãe de Cazuza, chamou o ministro de “mal informado” e “leviano”. Mas Vélez, naturalmente, não tem nada a ver com nada. Culpa da mídia. “Até mesmo um equívoco simples e bobo, como uma citação errônea, transforma-se em ato político”, escreveu o ministro na nota oficial. Antes, o autor do erro bobo anotara no Twitter: “Liguei para Lucinha Araújo, mãe de Cazuza, para desfazer o equívoco de uma resposta que dei atribuindo a ele frase de um programa humorístico. A conversa foi tocante”.
Todos devem dar crédito ao ministro quando ele diz que não tem nada a ver com determinada coisa. O crédito se justifica porque a tese, de tão repetida, tornou-se coerente. Seria muito ruim se Vélez parasse de dar entrevistas. Uma solução alternativa seria mandar tatuar na testa uma frase singela: “O ministro da Educação não tem nada a ver com isso.”
A providência eximiria o ministro de se explicar. E desobrigaria a plateia de ouvi-lo. O problema é que, ao final do mandato de Jair Bolsonaro, quando ficar constatado que a gestão de Vélez foi um desastre, não haverá culpados sobre o palco. Ora, se o doutor nunca tem nada a ver coisa nenhuma, por que passaria a ter daqui a quatro anos?
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