Redação Pragmatismo
Economia 13/Fev/2019 às 11:01 COMENTÁRIOS
Economia

Por que os produtores de leite ficaram bravos com Jair Bolsonaro?

Publicado em 13 Fev, 2019 às 11h01

Polêmica do leite ilustra o conflito no governo Bolsonaro entre o núcleo liberal encabeçado por Paulo Guedes e setores agrícolas e industriais que se beneficiam de proteções tarifárias e não-tarifárias

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(Imagem: Marcello Casal Jr. | ABr)

O presidente da República, Jair Bolsonaro, usou o Twitter para comemorar nesta terça-feira (12) a decisão do governo de aumentar o imposto de importação de leite em pó da União Europeia.

A medida vai compensar a decisão, publicada no último dia 06, de parar de cobrar uma sobretaxa antidumping que estava em vigor desde 2001.

Nesta terça-feira, o líder da bancada ruralista na Câmara, deputado Alceu Moreira (MDB-RS), afirmou que o governo deve publicar até quinta-feira um decreto sobre o tema.

Segundo ele, o governo vai considerar a antiga taxa antidumping, que era de 14,8% para o leite da UE, mais os 28% da taxa atual de importação. Com isso, a soma do novo imposto chegaria a 42,8%. Minutos depois, Bolsonaro foi ao Twitter celebrar a medida.

Comunico aos produtores de leite que o governo, tendo à frente a ministra da Agricultura Tereza Cristina, manteve o nível de competitividade do produto com outros países. Todos ganharam, em especial, os consumidores do Brasil”, escreveu.

Consequências

A avaliação do presidente de que mais proteção favorece os consumidores brasileiros foi criticada por economistas liberais nas redes sociais.

O episódio ilustra novamente o conflito no governo Bolsonaro entre o núcleo liberal encabeçado pelo ministro Paulo Guedes, que defende uma ampla abertura comercial, e setores agrícolas e industriais que se beneficiam de proteções tarifárias e não-tarifárias.

Também traz uma dimensão política, já que o governo sinalizou que para formar maioria no Congresso e aprovar reformas estruturais como a da Previdência, lidará diretamente com frentes temáticas no Congresso e a Frente Parlamentar da Agropecuária é uma das mais relevantes.

Na semana passada, o deputado Jerônimo Goergen (PP-RS), integrante da Frente, disse que a revogação da taxa antidumping não ajudava a criar um clima positivo para as votações de interesse do governo na Câmara.

O que é dumping

Desde 2001, o governo brasileiro cobrava do leite em pó importado uma taxa antidumping de 14,8% no caso da União Europeia e de 3,9% no caso da Nova Zelândia.

Antidumping, que vem do inglês “to dump” (despejar), é um mecanismo de defesa comercial permitido pela lei internacional.

Esse tipo de taxa pode ser aplicada sobre importados quando se conclui que estão sendo vendidos abaixo do seu preço de custo, impedindo o produtor local de competir.

No caso do leite, a equipe econômica fez uma investigação do período entre 2007 e 2012 e concluiu que essas duas condições básicas para o dumping não estavam mais ocorrendo.

No período, o Brasil sequer importou leite em pó da Nova Zelândia e as compras da Europa foram na faixa de US$ 40.000,00 por mês. Por isso, decidiu-se não prorrogar a sobretaxa, como pedia o setor. A conclusão da Fazenda foi que “não é provável” que o problema constatado em 2001 volte a ocorrer.

O leite em pó importado responde por apenas 2,4% do consumo nacional, mas isso não impediu que houvesse uma reação forte do setor agrícola.

A visão dos agricultores

Na semana passada, Pedro Alvim, presidente da Comissão Nacional da Pecuária do Leite da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), disse que o embasamento técnico para o fim da taxa foi construído ainda no governo de Michel Temer.

O então Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) mudou a metodologia de cálculo que vinha sendo aplicada desde 2001 e que levou à prorrogação da taxa ao longo dos anos. A CNA, disse ele, apresentou argumentos contrários à mudança, mas não foi atendida.

Alvim também apontou que a baixa escala de produção nacional e os subsídios dados ao agricultor europeu deixavam a competição desigual; os dois argumentos, no entanto, não foram objeto de análise do Ministério da Economia pois não se enquadram no conceito de dumping.

O Brasil possui 1,170 milhão de produtores de leite. Pequenas propriedades rurais, com área de até 50 hectares, são responsáveis por 51% do leite líquido comercializado no campo.

Os produtores reclamaram que o fim da sobretaxa agravaria uma crise no setor e apontam dificuldade em competir com o leite uruguaio que era exportado para a Venezuela mas, com a crise lá, foi desviado para o Brasil.

A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, disse na sexta-feira (8) que o Ministério da Agricultura e o Ministério da Economia estavam estudando medidas para minimizar os impactos negativos do fim da taxa.

O antidumping, que vigorava desde 2001, foi, sem dúvida, eficaz e decisivo, à época, para a rentabilidade do setor e permitiu a manutenção dos produtores rurais na atividade. Antes da implementação da medida, os preços pagos aos produtores de leite estavam em queda. Com a medida, houve melhora dos valores recebidos pelos bovinocultores de leite”, informou na nota.

O secretário de Comércio e Relações Internacionais, Orlando Leite Ribeiro, disse na época que o ministério entende os motivos que levaram à decisão, “mas considera que este não era o melhor momento para adotar a medida, porque o setor de leite, que é protegido no mundo todo, já vinha enfrentando problemas desde o meio do ano passado, devido ao fim de um acordo entre privados com a Argentina relativo à importação de leite em pó”.

Após negociações ao longo dos últimos dias, o presidente Jair Bolsonaro decidiu em favor da Agricultura. O Ministério da Economia avisou que não vai se pronunciar.

João Pedro Caleiro, Agência Estado

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