Aposentadoria compulsória passa dos 65 para os 70 anos aos idosos muito pobres. Reforma da Previdência apresentada por Bolsonaro atinge a parcela mais vulnerável da população, ao contrário das promessas de que ela afetaria apenas os “privilégios”
Leonardo Sakamoto*
O governo Jair Bolsonaro propôs, em sua Reforma da Previdência, elevar de 65 para 70 anos a idade em que idosos em condição de miserabilidade possam pleitear o benefício de assistência social no valor de um salário mínimo mensal. Com isso, atinge a parcela mais vulnerável da população, ao contrário das promessas de que a reforma afetaria apenas os “privilégios“.
O texto da Proposta de Emenda Constitucional entregue, nesta quarta (20), pelo presidente da República ao Congresso Nacional, altera o artigo 203 da Constituição Federal, que trata da Assistência Social. O novo texto afirma a “garantia de renda mensal de um salário mínimo para a pessoa com 70 anos de idade ou mais que comprove estar em condição de miserabilidade, que poderá ter valor inferior, variável de forma fásica, nos casos de pessoa idosa com idade inferior a setenta anos, vedada a acumulação com outros benefícios assistenciais e com proventos de aposentadoria ou pensão por morte“.
Em contrapartida, no item sobre disposições transitórias relacionadas à assistência social, que faz parte do texto da reforma, o governo propõe que o Congresso aprove que idosos em condição de miserabilidade possam ter acesso a um benefício mensal de R$ 400,00 a partir dos 60 anos. E, apenas aos 70, recebam o equivalente a um salário mínimo.
Bolsonaro, dessa forma, propôs uma “troca“: antecipa 40% mensais do que a pessoa receberia por cinco anos (considerando o atual salário mínimo de R$ 998,00) e extrai 60% do que ela poderia ganhar nos cinco anos seguintes. Mesmo que se ignore que há um prejuízo ao idoso nessa troca, o problema é que o corpo humano não se mantém com a mesma vitalidade e integridade ao longo desse período da vida. É mais fácil a um trabalhador pobre conseguir bicos e suportar um serviço dos 60 aos 65, para complementar um benefício de R$ 400,00, do que dos 65 aos 70, abrindo mão de um salário mínimo integral. É, portanto, uma troca injusta.
E pode ficar ainda mais caso a política de reajuste do salário mínimo seja mantida e com ganhos acima da inflação. Como o projeto não fala em porcentagem do mínimo, mas fornece um número (R$ 400,00), ele pode ser reajustado por outro indicador que apenas acompanhe a perda inflacionária ou nem isso, o que poderia significar outra perda para o beneficiado de 60 a 69 em relação aos de 70 anos.
O texto não trata dessa possibilidade, mas supondo que um casal de idosos em condição de miserabilidade possa receber dois benefícios dos 60 aos 69, mesmo assim o valor pelos dois juntos é menor que o do salário mínimo. Isso sem contar que nem todos os idosos muito pobres são casados ou têm parceiro vivo. Pela proposta de Bolsonaro, caso o idoso consiga se aposentar aos 65 anos pela Previdência Social, deixa de receber o benefício.
O acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), hoje, é para pessoas com mais de 65 anos que estão abaixo da linha da pobreza – famílias com renda per capita inferior a um quarto do salário mínimo vigente (R$ 249,50). Até agora, todos recebem um salário mínimo (R$ 998,00). O BPC não é uma aposentadoria, mas um benefício assistencial e não demanda contribuição anterior.
Os defensores desse ponto da Reforma da Previdência afirmam que pagar os R$ 400,00 a partir dos 60 irá beneficiar milhões. Se o objetivo for a qualidade de vida dos idosos pobres, Bolsonaro poderia, então, propor o benefício de R$ 400,00 a partir dos 60, mantendo o de um salário mínimo a partir dos 65, como é hoje. Mas a questão não é essa, mas de uma contrapartida insuficiente diante de uma mudança para economizar recursos.
A proposta de Reforma da Previdência de Michel Temer trouxe, inicialmente, a mesma sugestão de Jair Bolsonaro – que idosos pobres poderiam pleitear o benefício não mais aos 65, mas aos 70 anos. Com a pressão dos parlamentares e da sociedade, o relator na Câmara dos Deputados baixou para 68 – com um regra de transição que aumentaria a idade nos próximos anos. E, enfim, a última proposta mantinha os 65.
O governo Bolsonaro também propõe que as idades previstas para obtenção da assistência social a idosos pobres “deverão ser ajustadas quando houver aumento na expectativa de sobrevida da população brasileira“. Mas não apresentou, junto com a entrega da proposta ao Congresso Nacional, programas que ajudem na empregabilidade desse público.
A expectativa de vida no Brasil aumentou e tende continuar aumentando, bem como os índices de sobrevida após os 65 anos – que é o que realmente importa para o cálculo da previdência e da seguridade social. Isso poderia servir como justificativa para aumentar a idade mínima do BPC em três ou cinco anos. Mas segue muito difícil para os mais pobres com 65 anos ou mais conseguirem um emprego ou mesmo um bico decente.
Mesmo que o governo diga que estará separando o que é aposentadoria do que é assistência para justificar a desvinculação do benefício parcial do salário mínimo, a lógica fria não sobrevive à realidade de quem não conta com mais nenhum auxílio, além do Estado. Isso sem contar que um grande naco desses idosos em condição de miserabilidade chegaram a contribuir para a Previdência Social ao longo de sua vida. Mas devido ao desemprego e à informalidade, o montante foi insuficiente para pleitear uma aposentadoria.
Considerando que uma massa de trabalhadores pobres, mas não tão pobres, que atuam na informalidade, terá mais dificuldades para se aposentar por conta do aumento de 15 para 20 anos para contribuição mínima, item proposto pela Reforma da Previdência, espera-se uma demanda maior do BPC. O que é um dos motivos que leva o governo a querer estreitar a porta de entrada.
A questão das mudanças no BPC serão, muito provavelmente, alteradas pelos parlamentares, com pressão principalmente daqueles da Região Nordeste – ao menos aqueles que não tenham tendência suicida na política. O mais provável é que entre como moeda de troca para outro ponto do pacote proposto.
*Leonardo Sakamoto é jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo
Siga-nos no Instagram | Twitter | Facebook