Jean-Marie Tillard, grande teólogo, nos últimos anos de vida muitas vezes perguntava: "Será que somos os últimos cristãos?". Agora idoso, eu também sou tentado a me fazer essa pergunta, e pela evidência das mesmas razões [...]
“A fé cristã não pode ser reduzida a um modo para alguém ‘se tornar pessoalmente melhor’, mas deve permanecer como uma comunicação de vida, uma graça que justifica a existência de cada um e a torna alegre. A alegria do Evangelho é alegria de fé!“.
O comentário é de Enzo Bianchi, monge italiano e fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado por Jesus, Janeiro-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo:
Jean-Marie Tillard, grande teólogo de sopro ecumênico e, para mim, mestre e amigo, nos últimos anos de vida, muitas vezes perguntava: “Será que somos os últimos cristãos?“. Ele era um discípulo de Jesus, não tomado pelo pessimismo ou pela amargura, mas essa pergunta surgia nele espontaneamente; e era levado a apresentá-la aos outro e a si mesmo não pelas estatísticas que revelavam a diminuição do número de cristãos no nosso ocidente, mas constatando a falta da paixão, da convicção por parte de muitos batizados que, mesmo assim, continuavam a declarar-se cristãos e até mesmo confessavam pertencer à igreja.
Agora idoso, eu também sou tentado a me fazer essa pergunta, e pela evidência das mesmas razões.
Raramente, de fato, encontro cristãos que nutrem uma paixão por Jesus Cristo, pelo Evangelho, e estão realmente convencidos não só de que Jesus pode ser uma resposta às suas perguntas sobre o sentido da vida, mas que seja a sua vida, o seu futuro. É verdade, hoje podemos ver entre os cristãos uma busca pela vida espiritual ou interior muito intensa, talvez mais intensa do que no passado. Mas muitas vezes trata-se de uma espiritualidade que se alimenta de uma crença específica em Deus, de uma busca de bem-estar interior, e espera não o Reino que há de vir, nem Jesus Cristo, mas um ensinamento ético para viver melhor, uma legenda antropológica que permita encontrar paz, harmonia em si e com os outros.
Assim, a mensagem de Jesus é esvaziada e reduzida a uma espiritualidade refinada, mas sem a graça, a um caminho de auto salvação. Quem cita ainda a palavra de Jesus: “Quem quiser salvar a sua vida, a perderá; mas quem perderá a sua vida por minha causa e pelo Evangelho, a salvará” (Mc 8,35)? Precisamente por isso, há falta de paixão, que é uma experiência mais que um sentimento, uma experiência capaz de despertar a vida em nossas vidas. Se houver essa paixão, haverá também a alegria de ser cristãos, de poder viver junto com Jesus Cristo, de poder sentirmo-nos irmãos e irmãs na comunidade dos discípulos do Senhor.
A experiência cristã é muito mais do que viver uma espiritualidade que, como vida interior, todos os seres humanos podem fazer. Hoje são muitos aqueles que parecem ofuscados pela atenção de muitos batizados à “espiritualidade“; mas quando se investiga mais a fundo, verifica-se que eles não estão engajados em uma “vida espiritual“, isto é, animada pelo Espírito Santo, portanto vida em Cristo, mas sim em caminhos de interioridade originados pelas diferentes sabedorias humanas. Infelizmente, até mesmo muitos autores, verdadeiras estrelas da espiritualidade que se dizem católicos, na verdade ensinam apenas uma ética terapêutica. A fé cristã não pode ser reduzida a um modo para alguém “se tornar pessoalmente melhor“, mas deve permanecer como uma comunicação de vida, uma graça que justifica a existência de cada um e a torna alegre. A alegria do Evangelho é alegria de fé!
Bento XVI recordou, enfaticamente, que “no início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas um acontecimento, o encontro com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e um rumo definitivo” (Encíclica Deus caritas est, no. 1, 25 de dezembro de 2005).
No encontro com Jesus Cristo somos gerados como amantes, como pessoas cuja paixão é realmente amar mais ele do que o pai, a mãe e até mesmo a própria vida (cf. Lc 14:26; Mt 10:37), é realmente conhecer a profundidade e amplitude do amor. E preste atenção: não me refiro a um amor místico, simplesmente de desejo, mas ao amor que conhece a gratuidade do amor de Deus, sempre oferecido e nunca a ser merecido.
Então orar é uma festa, celebrar a liturgia é uma festa, ler as escrituras ouvindo a palavra é uma festa, uma bênção. Somos, portanto, os últimos cristãos?
Devemos nos resignar a viver em uma comunidade onde falta fogo, aquele fogo que Jesus queria trazer para a terra e desejava tanto ver arder (cf. Lc 12, 49)? Não fomos capazes de transmitir a paixão que torna a fé contagiante?
Às vezes eu digo a mim mesmo que a dureza de coração é melhor do que a apatia … Em qualquer caso, acredito que essas perguntas e, principalmente, essa busca intensa por uma paixão por Cristo, não possam ser evitadas ou omitidas com presunção.
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