"Entre os trabalhadores e estudantes, Bolsonaro é muito rejeitado. Todo mundo desconfia e sabe que ele vai ser catastrófico. No meio patronal, Jair Bolsonaro é visto como uma nova oportunidade de investir no Brasil e ganhar muito dinheiro [...]"
Willy Delvalle, DCM
A urgência de medidas ambiciosas contra o aquecimento global foi um dos motivos que levou Bertil Munk e a Juventude Socialista Suíça a organizar uma manifestação em Davos contra Jair Bolsonaro no final de janeiro. Para o militante de 21 anos, estudante de relações internacionais na Universidade de Genebra, os suíços estão com medo de Bolsonaro e sabem que seu governo será uma catástrofe social e ambiental. Munk afirma que o Brasil vive uma série de escândalos.
Cita a prisão de Lula, que ele define como uma “trama” de um juiz que virou ministro de seu opositor. Ele afirma que o governo americano, que por anos desconfiou da América do Sul, está contente “de ter no Brasil alguém que possa conter o movimento operário”.
Líder da JSS, um dos grupos mais ativos de combate ao fascismo nos anos 1930, Bertil Munk conta que o movimento, ligado ao Partido Socialista, não sofre atualmente do mesmo recuo que os partidos tradicionais no mundo. Ele observa, nesta entrevista para o DCM, a emergência de partidos de esquerda radical na Europa, mas teme que, diferentemente dos anos 1930, eles não sejam páreo para o fascismo.
Por que vocês organizaram um protesto contra Jair Bolsonaro em Davos?
Nossa manifestação aconteceu durante o Fórum Econômico Mundial no final de janeiro, quando a elite mundial se reúne para fazer acordos um pouco estranhos em detrimento da população mundial. Nós tentamos criticar essa situação mundial a cada ano. E como esse ano havia Jair Bolsonaro e nós temos contatos no Brasil e seguimos as atualidades mundiais, sabíamos até que ponto Bolsonaro é um perigo para a humanidade, para o povo brasileiro e para o planeta. Temos muito medo que ele faça um grande um desmatamento da floresta amazônica, que é o pulmão do nosso planeta. E ficamos escandalizados que havia um acolhimento tão hospitaleiro a esse personagem sem credibilidade alguma.
Com quem vocês têm contato no Brasil?
Com a juventude sobretudo do PT. A prisão de Lula nos sensibilizou enormemente. Uma prisão política ter permitido a eleição de uma personalidade de extrema direita é algo escandaloso. O fato de que o ministro que prendeu Lula tenha chegado ao ministério da justiça realmente nos escandalizou.
Como vocês veem esse processo?
Um processo perigoso para a democracia. Significa que a burguesia pode dizer “há pessoas que têm um apoio forte da população, um apoio do povo, que são capazes de realmente mudar a economia para que ela seja vantajosa para todo mundo”. O que decide fazer o 1% mais rico? Ele tem muito contato com os políticos liberais. Coloca na prisão as pessoas que o incomodam para colocar seus capachos (no poder) de modo a continuar ganhando bastante dinheiro.
Como foi a manifestação este ano?
Para os que não conhecem, Davos fica no alto de uma montanha, a duas horas de Zurique, um pequeno vilarejo. Muito duro de se manifestar lá. Acontece de algumas vezes não concederem uma autorização para nos manifestarmos. Não podemos nos deslocar. Ficamos apenas uma praça. Devíamos ser pacíficos e sempre respeitamos essa regra. Havia um tempo limite para protestar, entre duas e três horas, o qual não podíamos ultrapassar. Houve pessoas que tomaram a palavra no coletivo “Brasil pela democracia” sobre os perigos que estão presentes em Bolsonaro.
O que achou do discurso de Bolsonaro no evento?
Foi uma piada. Mas cremos que Bolsonaro deveria ter tido uma recepção dura, muito crítica do Fórum Econômico e da política suíça, o que não aconteceu. O que acontece agora no Brasil é absolutamente horrível. Jair Bolsonaro começou a aplicar uma política repressiva sobre todos os movimentos sociais que lhe incomodam e dos quais que ele não gosta. Isso, nós não aceitamos.
Muitos veículos europeus criticaram o discurso.
O Fórum Econômico não deveria ter acolhido um personagem tão duvidoso, dar-lhe a tribuna inicial dessa grande missa do neoliberalismo. O que ele disse que foi que antes de Temer, os governos foram nefastos para os negócios e que agora todos os lobbies agrícolas, industriais vão poder continuar ganhando muito dinheiro, sem distribuí-lo.
Como você vê a relação entre Jair Bolsonaro e Donald Trump?
Donald Trump está muito contente de ter um Jair Bolsonaro usando métodos repressivos em seu próprio país. Donald Trump e os Estados Unidos desconfiaram por anos da América do Sul, com a tomada do poder que veio do campo operário. E isso mudou mais ou menos nos últimos cinco anos. O movimento operário se enfraqueceu na América do Sul. Donald Trump está muito contente de ter no Brasil alguém que possa conter esse movimento operário.
Como Bolsonaro é percebido na Suíça?
Tudo depende de onde. No meio universitário, ele tem uma percepção muito ruim. No meio sindicalista, ele é muito rejeitado. Em todos os meios associativos, todo mundo já o odeia. Todo mundo desconfia e sabe que ele vai ser catastrófico. No meio patronal, Jair Bolsonaro é visto como uma nova oportunidade de investir no Brasil e ganhar muito dinheiro, de onde a negociação da Suíça com o Mercosul para um novo tratado e tirar vantagem das grandes mudanças econômicas que Bolsonaro vai promover contra os direitos dos trabalhadores.
De que forma você avalia esse tratado entre a Suíça e o Mercosul?
Queremos a suspensão dessas negociações enquanto Bolsonaro não libertar Lula, um prisioneiro político, enquanto Bolsonaro continuar fazendo políticas repressivas contra os sindicalistas, contra os homossexuais, contra a população afrobrasileira. Estimamos que este tratado só beneficiará os mais ricos da Suíça, do Brasil e dos outros países do Mercosul.
Como Sergio Moro é percebido na Suíça?
Ele não é muito conhecido. Houve um estranhamento quando ele virou ministro da Justiça de Bolsonaro. Todo mundo entendeu a trama que houve no fato de colocar Lula na cadeia. Quando Sergio Moro foi nomeado, a visão que os suíços, os suíços de esquerda, têm de Lula foi claramente reforçada.
O que pensam os suíços sobre as propostas de Bolsonaro e seu ministro de relações exteriores sobre o meio ambiente?
Horríveis. No dia 2 de fevereiro, os suíços, fomos 60 mil às ruas exigir políticas climáticas bem mais ambiciosas para evitar o sufocamento em 30 anos do planeta. 60 mil é muito na Suíça, temos uma população de 7 milhões, somos um país bastante conservador. Sabemos muito bem que a questão climática não pode ser resolvida a nível nacional. Então esperamos que haja um multilateralismo que se reforce, mais ambicioso que as diferentes COPs. E Bolsonaro no comando de um país tão grande como o Brasil e tão central para nosso planeta nos dá muito medo.
A ausência de poderosos líderes políticos em Davos esse ano é revelador de um momento político no mundo atual?
Trump não pôde vir por causa do shutdown. Macron não pôde vir por causa dos coletes amarelos. O vice-presidente da China veio. Angela Merkel estava presente. Teve Bolsonaro. As relações internacionais e econômicas mudam rapidamente às vezes. Assistimos a mais protecionismo, menos abertura. De resto, (o evento) permanece a mesma coisa: pessoas de todo o mundo no topo da pirâmide, concentrando poder e que não compartilham esse poder com o resto da população.
Como você as propostas de políticos da extrema direita contra o multilateralismo e a cooperação internacional?
São muito perigosas. Ainda que não possamos conceber o multilateralismo como uma finalidade em si, é o que evita de entrarmos em guerra. Nas relações internacionais, há sempre esse grande perigo que nos ronda, o perigo de ter violência internacional. A única maneira de responder a isso é a ONU. E a ONU deve ser reforçada, o que não acontece. Também é problemático que o Fórum Econômico de Davos tenha mais força do que a ONU.
Num momento de recuo de partidos políticos tradicionais no mundo, acontece o mesmo com o Partido Socialista Suíço?
Felizmente não. Temos consciência do fracasso da socialdemocracia europeia. Vemos seus percentuais eleitorais, a socialdemocracia aceitou o mundo neoliberal e sente as consequências perdendo toda a influência sobre a política nacional. O Partido Socialista Suíço permanece na Europa como um dos partidos mais à esquerda. Mantemos no nosso programa superar o capitalismo. E ao nosso ver, é isso que nos permite continuar bastante fortes e manter nossos famosos 20%, que estão sempre longe da chegada ao poder, mas esperamos chegar lá e fazer políticas mais ambiciosas sobre o plano social e ecológico.
Quais estratégias vocês mobilizam para não vivenciar esse recuo pelo qual passam os partidos tradicionais?
Uma estratégia bastante ofensiva. A socialdemocracia, nos últimos 40 anos, se acomodou um pouco sobre todas as conquistas que ela obteve depois da II Guerra. Na Suíça, as conquistas que o movimento operário obteve no Pós-Guerra continuam relativamente fracas em comparação com a Europa e isso nos permite continuar sendo combativos para dizer que não vamos aceitar o desmonte dos direitos sociais. Pelo contrário, queremos um verdadeiro direito social, um verdadeiro direito trabalhista na Suíça, o que não existe o suficiente por enquanto.
Países da União Europeia declararam o presidente paralelo da Venezuela como presidente interino. Por outro lado, há relatos de centenas de assassinatos (de líderes de movimentos sociais) na Colômbia, mas nenhuma palavra sobre. Nem sobre Bolsonaro. O que você acredita?
Sobre o golpe de Estado na Venezuela? Não conheço essa situação perfeitamente. Não sei o que está acontecendo na Colômbia. Mas é um perigo de ingerência por parte dos Estados Unidos que dá medo. Eles têm grandes problemas na política interna, mas isso não justifica uma intervenção de Trump.
Vocês defendem a superação do capitalismo por um socialismo democrático. No Brasil, os bolsonaristas frequentemente associam o socialismo e o comunismo a ditaduras e ao declínio moral e econômico da sociedade. Como lhes responderiam?
Digamos que é bastante bizarro que Bolsonaro associe o socialismo e o comunismo a ditaduras quando ele mesmo se felicita pela ditadura brasileira que houve há 30 anos. O socialismo é a quintessência da democracia. Somos por um socialismo democrático. Evidentemente criticamos todos os socialismos, todas as tentativas ou todos os fracassos do socialismo que não foram democráticos. Foram fracassos porque: não foram democráticos; acabaram sendo um capitalismo de estado com uma pequena porção do poder político indo parar nos próprios bolsos. O socialismo é uma vontade de colocar a democracia também dentro das empresas, o que não existe hoje.
Como a sociedade suíça reage a suas propostas?
A sociedade tem mudado bastante. A Juventude Socialista, que de certo modo é a parte mais radical do Partido Socialista, sempre se faz ouvir. A sociedade suíça, que geralmente é conservadora, começa a nos ouvir e seguir às vezes nossos conselhos políticos. Observamos na Europa a emergência de uma esquerda mais radical. Em todos os países europeus.
Por que há a emergência de uma esquerda mais radical na Europa no mesmo momento que o de uma extrema direita?
Porque o neoliberalismo mostrou suas enormes debilidades. O neoliberalismo precarizou centenas de milhares de pessoas. A crise de 2008 precarizou centenas de milhares de pessoas. Estamos numa urgência climática e as pessoas já estão conscientes que o status quo não pode ser eficaz e que será necessário mudar de sistema para que todo mundo viva melhor.
O Brexit se deu após processos de manipulação de forças da extrema direita. Como você, de um país que não faz parte da União Europeia, enxerga esse processo?
A Suíça é conhecida por sua democracia semidireta. Sempre ficamos contentes quando há referendos, pois estimamos que é a melhor forma de democracia. O que lamentamos é quando referendos se transformam em plebiscito a favor ou contra a pessoa que lançou o referendo. Houve isso na Itália; houve muito disso no Brexit, foi a favor ou contra Cameron. Isso prejudica a questão democrática. Devemos nos posicionar sobre temas.
Como você vê a emergência dos coletes amarelos na França?
Os coletes amarelos são a prova de que esse neoliberalismo coloca em dificuldades centenas de milhares de pessoas. São pessoas que não suportam ver seu poder aquisitivo não aumentar, de ter salários estagnados enquanto as fortunas dos milionários franceses eram cada vez menos fiscalizadas. Estamos decepcionados que o movimento sindical, o movimento operário não esteja tão presente entre os coletes amarelos. Mas essa raiva é extremamente legítima. E ela faz sentido na medida em que Macron não toma medidas para restabelecer o imposto sobre grandes fortunas. Aproveito para expressar minha solidariedade ao presidente do sindicato do ensino médio que foi atingido por uma bala de borracha durante a manifestação dos coletes amarelos. O LBD, essa arma produzida na Suíça, queremos que parem a exportação dessas armas que são usadas contra a oposição democrática na França.
De que maneira você avalia a reação policial aos coletes amarelos?
Totalmente desproporcional. Macron teve a escolha de ir à reivindicação dos coletes amarelos. Havia uma maioria de franceses que não era favorável à sua política dos mais ricos. Ele poderia ter restabelecido o ISF (imposto sobre grandes fortunas). Mas ele decidiu pela via autoritária, repressiva, o que ele faz há várias semanas atacando manifestantes que não são de forma alguma violentos.
Então você não acredita no debate nacional que ele propôs?
Pelo que acompanhei, ele propôs o debate nacional para acalmar os coletes amarelos e mostrar que vai fazer alguma coisa. Mas o debate é enviesado para dizer “onde vocês querem que cortemos os serviços públicos?” no lugar de dizer para reforçar os serviço públicos implantando um imposto sobre grandes fortunas.
Você não acredita que esse movimento possa ser recuperado pela extrema direita?
Sempre há esse risco quando o movimento operário não estiver suficientemente presente. Eu acredito na teoria do jornalista francês Schneidermann de que o Rassemblement Nacional, depois de mudar de nome e se reforçar com o passar dos anos, em algum momento teria que haver um grande acontecimento para mudar essa dinâmica, que interrompa o crescimento desse partido de extrema direita. Os coletes amarelos são esse acontecimento. Há ligações sociais que se criam e esses laços permitem às pessoas de se desconectar da extrema direita, que existe por causa da ausência de ligações sociais na comunidade.
Na Itália estão no segundo trimestre consecutivo de recessão. Nos Estados Unidos, houve o maior shutdown de sua história, com Trump. Em Israel, Netanyahu vive um momento de instabilidade política, acusado de corrupção. A extrema direita já vive um fracasso?
A extrema direita deve viver um fracasso e que bom que isso esteja acontecendo rapidamente. Mas para que o fracasso da extrema direita seja durável, é necessário que a esquerda possa se reforçar em todos os países europeus e mundiais. Se a esquerda for fraca, a extrema direita ganha. Foi o que vimos na Itália. A Liga nasceu por causa da traição do Partido Democrático.
A Juventude Socialista Suíça foi uma das mais ativas forças de combate ao nazifascismo nos anos 1930. Você vê essa ameaça reaparecer na Europa e no mundo?
Muito claramente. Não vou dizer que em 2019 os anos 1930 se repetem. São forças um pouco diferentes, mas são forças de extrema direita, frequentemente forças fascistas. No Brasil, como em outros países, conduzem políticas repressivas contra o movimento operário, contra os sindicalistas. Todo mundo deveria estar consciente disso. A JSS, assim como outras juventudes socialistas europeias, temos uma situação em que os Estados são contra esses partidos fascistas e não aceitam essas violências escandalosas, que poderiam existir por parte desses partidos, mas é possível que em um momento ou outro esses estados aceitem esse tipo de violência fascista e então seria uma situação muito preocupante pois a esquerda no século XXI não tem a mesma força que ela tinha nos anos 1930.
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