1964: Isso precisa ser lembrado, jamais "comemorado"
No dia 2 de abril (1964), no Recife, o dirigente Gregório Bezerra foi amarrado seminu à traseira de um jipe e puxado pelos bairros populares da cidade. No fim da viagem, foi espancado com uma barra de ferro em praça pública. Isso era apenas o começo
“No dia 2 de abril (1964), no Recife, o dirigente comunista Gregório Bezerra (63 anos) foi amarrado seminu à traseira de um jipe e puxado pelos bairros populares da cidade. No fim da viagem, foi espancado por um oficial do Exército, com uma barra de ferro, em praça pública. Machucado e sentado no chão do pátio do quartel da Companhia de Motomecanização, no bairro da Casa Forte, Gregório Bezerra foi visto na noite de 2 de abril pelos espectadores da TV Jornal do Commercio, que o filmara. Episódios semelhantes repetiram-se em algumas cidades do país. Eram parte do jogo bruto provocado pela radicalização dos últimos anos. O medo entrara na transação política.
De sua coluna diária no jornal Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, Carlos Heitor Cony, primeira voz destemida a denunciar as violências, escrevia, no dia 7 de maio: “Para atender a essa gente, a todos os Joões de Tal que não voltaram ou não voltarão um dia, espero merecer a atenção e o respeito de todos. É preciso que alguém faça alguma coisa. E já que não se pode mais pedir justiça, peço caridade”.
A violência ia além dos Joões de Tal ou dos dirigentes comunistas. No dia 2 de junho, Cony publicou em sua coluna uma carta de Dilma Aragão, filha do almirante Cândido Aragão, o comandante dos fuzileiros navais de João Goulart. Ela conseguira visitar o pai, capturado no dia 2 de abril e preso havia dois meses na fortaleza da Lage, na entrada da baía de Guanabara.
Dizia: “Encontrei-o relegado a uma condição tão deprimente que só um verme cheio de peçonha mereceria ter. […] O espectro de homem que vi chora e ri desordenadamente, e não consegue articular uma frase sequer, no mesmo assunto. O desespero me faz pedir, por esmola, que cobrem o crime (político) de um ser humano, mas na condição de seres humanos”.
O tratamento dado pela Marinha ao almirante Aragão rompia, pela primeira vez em mais de meio século, o código pelo qual, a despeito das divergências políticas, os oficiais das Forças Armadas podiam esperar de seus colegas um comportamento de cavalheiros.
Vinte anos depois, rememorando esses dias, Golbery observava:
“Nos meses seguintes à Revolução houve excessos. Eu achava que tudo não passava de acontecimentos produzidos pelo calor da hora, como, por exemplo, o que fizeram com o Gregório Bezerra. Você não faz uma omelete sem quebrar ovos. Casos como esse, as levas de exilados e os problemas individuais provocados pela reação emocional, me pareciam toleráveis porque haveriam de ser controlados no futuro. Além disso, eu achava que muitas das denúncias eram fruto do exagero. Outras, por certo, eram produto de condutas ignorantes. Quem não se lembra daquele caso da patrulha que apreendeu os exemplares do romance O vermelho e o negro, de Stendhal? Mas, numa hora dessas, que se há de fazer?””
-Trecho do livro “A Ditadura Envergonhada” de Elio Gaspari – Companhia das Letras, 2002.
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