Em 2016, Lava Jato dispensou delação que levou à prisão de Temer
Michel Temer foi preso nesta quinta-feira com base em uma delação dispensada pela Lava Jato em 2016. Na época, documento teria sido arquivado para não inviabilizar o impeachment de Dilma Rousseff
A delação do engenheiro José Antunes Sobrinho, dono da construtora Engevix, que serviu de base para o mandado de prisão preventiva do ex-presidente Michel Temer, foi rejeitada pela Lava Jato em ao menos duas situações.
Na primeira, em 2016, a Lava Jato de Curitiba dispensou o acordo. Depois, quando ela foi apresentada à força-tarefa e à Procuradoria-Geral da República (PGR), os procuradores não viram indícios suficientes para justificar um acordo de delação.
No Rio de Janeiro, o Ministério Público também não se interessou pelas informações trazidas por Antunes Sobrinho. Ele havia sido preso em setembro de 2015 pela Lava Jato, mas solto por um habeas corpus em maio de 2016.
O empresário, que conta ter pago R$ 1 milhão em propina ao ex-presidente, só conseguiu fechar um acordo de delação premiada com a Polícia Federal em outubro de 2018, mais de dois anos depois da primeira investida com o MP. O ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso homologou o acordo, após a PGR não manifestar oposição.
“A denúncia descreve detalhadamente o funcionamento de um esquema duradouro de corrupção que se teria formado em torno do ex-presidente da República, Michel Temer. Em suma, o denunciado teria se valido largamente de seus cargos públicos, ao longo de mais de 20 anos para conceder benefícios indevidos a empresas do setor portuário, em troca de um fluxo constante de pagamento de propinas”, apontou Barroso, no despacho.
À época, a PF concluiu que Temer recebeu propina para beneficiar empresas e incluiu trechos da delação de Antunes Sobrinho no relatório final da investigação.
No primeiro momento, a Lava Jato de Curitiba não viu, na proposta de delação, elementos comprobatórios dos atos de corrupção relatados por Antunes Sobrinho.
Além disso, esses elementos não estavam relacionados ao foco principal da força-tarefa naquele momento: a Petrobras. Como ele contava sobre o pagamento de propina na Eletronuclear, no Rio, o Ministério Público entendeu ser melhor dispensar o acordo. No Rio de Janeiro, a Lava Jato também não demonstrou interesse.
Como ele conseguiu ser absolvido no processo que o envolvia em crimes relacionados à Petrobras, Sobrinho desistiu de procurar o MP para fechar o acordo. Apesar da falta de interesse nas informações, investigadores da Lava Jato se disseram surpresos com a desistência.
Depois disso, Antunes passou a perseguir um acordo de leniência para a Engevix a fim de que a empresa pudesse voltar a trabalhar com órgãos públicos.
“Quem faz o acordo de leniência? Como é que o acordo de leniência foi conduzido? Nós tínhamos inicialmente o Ministério Público, que não deveria fazer, mas fazia no Paraná. Hoje, nós temos a CGU, a AGU e o TCU. Passa pelo Ministério Público, segue passando e passa também pelo Judiciário”, afirmou durante uma palestra no final do ano passado. Até agora não há um acordo de leniência firmado pela empresa.
Com a homologação, em outubro, o processo caiu no colo do juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro. Fundamentada não somente nela, mas também em outras delações, Bretas pode pedir a prisão preventiva de Michel Temer e impedir que o processo seja relatado no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo ministro Gilmar Mendes — na Suprema Corte, o ministro deve ser Edson Fachin, relator dos processos decorrentes da Operação Radioatividade, que já apurou, na Justiça Federal do Rio, desvios na Eletronuclear.
De quebra, pode rejeitar a tese de crime eleitoral, o que jogaria o processo para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) — em sua decisão, Bretas ressalta que “não há elementos que indiquem a existência de crimes eleitorais”.
A Delação
Nos documentos que foram entregues nas diversas vezes à Lava Jato, e nas conversas que teve com os procuradores, Antunes dizia ter pago propina a operadores que falavam em nome do então vice-presidente da República, Michel Temer, e presidente do Senado, Renan Calheiros, ambos do PMDB — antigo MDB.
Segundo ele, nos governos dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, Temer e Calheiros indicaram afilhados políticos para cargos de estatais na Petrobras e na Eletronuclear.
Enquanto apresentava sua proposta de delação, Antunes afirmava que a Argeplan, uma empresa que havia conquistado um contrato de R$ 162 milhões numa licitação da Eletronuclear, era uma empresa ligada a Michel Temer. Os dois sócios eram o arquiteto Carlos Alberto da Costa e o coronel João Baptista Lima Filho, o Coronel Lima.
Segundo Antunes, o coronel Lima “é a pessoa de total confiança de Michel Temer”. Lima, que é do círculo próximo de Temer, também foi alvo de mandado de prisão pela Polícia Federal.
Antunes dizia que Lima era próximo do almirante Othon Pinheiro, presidente da Eletronuclear nos governos Lula e Dilma, que foi preso na Lava Jato, acusado de corrupção nos contratos de Angra 3. Lima teria convidado Antunes a entrar no consórcio para a construção da usinar nuclear.
Antunes afirmava ainda que foi por duas vezes ao escritório de Temer em São Paulo, sempre acompanhado por Lima, para tratar de assuntos que incluíam a Eletronuclear.
Por fim, foi cobrado por Lima, que dizia agir em nome de Temer, a fazer um pagamento de R$ 1 milhão, que iria para a campanha do peemedebista em 2014. Antunes disse ter feito o pagamento por meio de uma fornecedora da Engevix.
Machado da Costa e Ana Clara Costa, Revista Época