O modus operandi das casernas, gestado pelos que vestem fardamento verde oliva, atravessou todos os governos desde a redemocratização e reluz atualmente no estandarte bolsonarista.
Luis Gustavo Reis*, Pragmatismo Político
Hoje, 31 de março, completou-se 55 anos que a ditadura civil-militar foi instaurada no Brasil.
Para muitas pessoas, as cruezas do regime denunciadas nos livros didáticos não passam de lendas, elaboradas por autores e editores altamente contaminados pelo ideário comunista. O delírio daqueles que enxergam comunismo até em beterrabas nas barracas de feiras, ofusca o rigor e o escrutínio que os livros escolares são submetidos. Por meio de edital com regras definidas, os livros passam por minuciosa avaliação de técnicos, professores universitários e membros da sociedade civil.
É oportuno lembrar que o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), em voga há décadas, é uma política de Estado, à despeito do mandatário e do partido que ocupa a cadeira da presidência da República.
As cassandras que defendem o regime militar, fecham os olhos para o macabro filme de horror escrito nos porões do Dops e da chamada “Casa da Morte”. Segundo relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV), entre 1964 e 1985, a ditadura cassou cerca de 4.840 pessoas, torturou outras 20 mil, ceifou a vida de aproximadamente 420 pessoas e deixou um saldo incalculável de traumas psicológicos.
Quem não se lembra do emblemático caso de Carlos Alexandre Azevedo, que foi torturado junto com a mãe, Darcy Andózia. Em entrevista concedida em 2010, revelou que para ele a ditadura não tinha acabado, vivia recluso, sem trabalhos e nem amigos, e tomava antidepressivo e antipsicótico. Três anos após a entrevista, com apenas 40 anos de idade, Carlos Alexandre se suicidou.
Evidentemente que a violência do regime não atingiu todas as pessoas da mesma forma, sobretudo porque os alvos eram muito bem definidos. No entanto, dizer que o regime de exceção instaurado no país foi só um “probleminha”, que torturadores arrancaram apenas “umas unhazinhas”, ou relativizar com argumentos de que havia “emprego”, “segurança” e “moradia” é de uma perversidade monumental.
É preciso destacar que os agentes da ditadura civil-militar praticavam sadismos de toda ordem. Relato do grupo “Brasil Nunca Mais”, aponta que um homem foi algemado nu nas grades de uma cela, teve um cabo de aço enfiado no canal da uretra, enquanto os agentes esquentavam o metal com maçarico. Outro caso foi cometido contra mulheres, que eram presas em macas e tinham baratas depositadas sobre seus corpos. Como a crueldade não tinha limites, os insetos eram introjetados no ânus e na vagina das torturadas.
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Não há o que celebrar nestes 55 anos de golpe militar, pelo contrário, é preciso lembrar a barbárie para que ela nunca mais se repita. Comemorações de qualquer natureza relacionada ao período de exceção, trata-se de insulto à civilização, crime contra a humanidade.
Em qualquer país decente, um presidente que conclama a população a festejar uma ditadura composto por assassinos e torturadores seria alvo de achincalhe e defenestração imediata. Mas estamos no Brasil, e aqui o sujeito abertamente racista, homofóbico e misógino, que idolatrou torturadores e concedeu homenagens a milicianos, foi catapultado a condição de “mito”.
Um desgoverno age por estratégias e o ingrediente principal do bolsonarismo é a ideologia. Esta que hipnotiza, seduz e encanta os incautos. Sua força persuasiva encontra solo fértil na preguiça intelectual e na ignorância histórica. Já não é preciso estudar, investigar, duvidar, refletir, ler: os grupos de WhatsApp, as milícias virtuais e os slogans vazios elevam qualquer um à condição de sábio. Numa alegoria, a ideologia é a cama, o colchão, o travesseiro, o lençol e o cobertor onde repousa uma miríade de sabichões.
É importante destacar que, em três meses, Bolsonaro foi de “mito” a bobo da corte. Seguido cada vez menos por um séquito que deixou o cérebro na portaria ao passar pela catraca, os que regressam tentam resgatar o que sobrou dos neurônios. As pesquisas divulgadas recentemente, demonstram que as bravatas que garantiram a vitória nas eleições precisam ser transformadas em ações concretas para melhoria de vida da população, caso contrário, o mandatário está fadado a ser varrido da presidência, sem direito de voltar ao Planalto nem para pegar o paletó.
É bom lembrar que “mitos” são estátuas de cera no deserto, prontas a derreter no calor das contingências. Um outro “mito”, diga-se de passagem, viu sua popularidade derreter e hoje, justa ou injustamente – a depender do interlocutor –, amarga a última fase da vida no calabouço.
O mesmo “mito” que enviou tropas brasileiras para fazer o papel sujo de pistoleiros de aluguel de Washington no Haiti, sob o silêncio sepulcral da mídia, do Congresso e de alas “progressistas” da sociedade. Saíram do Haiti e deixaram um rastro de desmandos, truculência, estupros e toda sorte de malfeitos. De Porto Príncipe, desembarcaram na malfada operação militar ocorrida nos morros cariocas, cujo saldo foi a interrupção da vida de centenas de inocentes e uma soma volumosa de dinheiro desperdiçado em ações fracassadas.
O modus operandi das casernas, gestado pelos que vestem fardamento verde oliva, atravessou todos os governos desde a redemocratização e reluz atualmente no estandarte bolsonarista.
Saúdo o velho Charles Bukowski, quando disse que “a diferença entre uma democracia e uma ditadura consiste em que numa democracia se pode votar antes de obedecer às ordens”.
É isso que temos feito aqui desde a famigerada Proclamação da República: batido continência, abaixado a cabeça e obedecido as ordens.
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*Luis Gustavo Reis é professor e editor de livros didáticos.
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