Orientações sádicas de educadora bolsonarista chocam mães e pais. Não sentir pena de crianças com atrasos cognitivos e deficiência física é uma das recomendações. “Eu voltava e assistia de novo porque achei que tinha entendido errado. Eu não sabia que isso existia no Brasil”, desabafa mãe
Vídeos da educadora Simone Gaspar Quaresma estão sendo difundidos nas redes sociais e em grupos de WhatsApp nas últimas semanas. A reação ao conteúdo tem se espalhado na mesma proporção.
Simone é educadora e palestrante. Em um dos seus vídeos mais famosos, ela responde a uma pergunta que teria sido feita por uma mãe: “Com que idade posso começar a usar vara?”
A educadora inicia: “Se você tá falando com um bebê com menos de 1 ano de idade, às vezes, você precisa só dar uma chacoalhadinha nele, um tapinha na mão, na coxinha dele, pra que ele acorde”, orienta ela.
“Mas com o passar do tempo, ele vai começar a entender. E quando você perceber que ele está entendendo, a coisa tem que ser mais incisiva, e largar esses ‘sustinhos’ pela vara mesmo”, afirma Simone.
Ao se depararem com as orientações de Simone, mães e pais ficaram incrédulos. “A criança é reflexo dos adultos. Se ela é agredida, ela entenderá que pode agredir também”, declarou a jornalista e mãe Luciana Santos. “Vi esses vídeos e fiquei enjoada, cheguei a chorar. Não tem cabimento”, declarou outra mãe que assistiu ao conteúdo.
“Eu voltava e assistia de novo porque achei que tinha entendido errado. Eu não sabia que isso existia no Brasil”, revelou Paula Chohfi em entrevista à revista Crescer.
Paula diz que recebeu o vídeo através de um grupo de WhatsApp. Ela decidiu denunciar Simone, mas acabou ameaçada e recebeu centenas de mensagens de ódio.
“Como eu tenho uma rede social com um número expressivo de mães, compartilhei e pedi que elas denunciassem essa mulher. A partir do momento em que se compartilha ensinamentos em uma rede social pública, incitando a violência doméstica, isso se torna uma ofensa à lei e à integridade física das crianças”.
“Depois de criticá-la, recebi ameaças à minha família, a meu filho… Isso me chocou muito. Os vídeos continuam salvos no perfil dela, mas ela bloqueou o acesso após as denúncias”, desabafa Paula.
Confira a transcrição de trechos do que Simone Quaresma fala em seus vídeos:
Sobre a vara. “Não, a aplicação da vara não depende do temperamento da criança. A criança pode ter o temperamento que ela quiser, o uso da vara é mandamento bíblico pra toda e qualquer idade, pra todo e qualquer temperamento. O objetivo é fazer com que doa […]”
Disciplinar em público. “Em primeiro lugar, a gente precisa ter cuidado com isso, porque, sabe como é, hoje em dia os pais não têm direitos mais. Mas não tem como você criar filhos da maneira como você acha, como você quer, tem que ser como a bíblia manda.”
Em outro vídeo, Simone ainda recomenda que os pais não devem sentir pena de crianças com atrasos cognitivos leves ou deficiência física, e diz que eles devem orientar as crianças a não comentarem com outros adultos os castigos físicos que sofrem dentro de casa. A educadora ainda sugere que os pais agridam seus filhos sem deixar marcas.
Militante
Simone é militante bolsonarista nas redes sociais (imagem: facebook/reprodução)
Simone Quaresma também usa as redes sociais para exercer militância política. Defensora de Jair Bolsonaro (PSL), em diversas publicações a educadora critica pessoas de “esquerda” e repete jargões como “a nossa bandeira jamais será vermelha” e “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”.
Sobre os vídeos em que recomenda que pais usem de práticas de sadismo contra seus filhos, Simone diz que apenas está seguindo os “ensinamentos bíblicos”.
“Parte da criação dos filhos é impor limites. A forma como escolhi fazer isso é de acordo com os preceitos bíblicos em que acredito, utilizando os meios citados nas Escrituras. A ‘vara’ é o termo que a Bíblia Sagrada utiliza para se referir ao modo como os filhos devem ser disciplinados (‘Aquele que poupa a vara, aborrece a seu filho; mas quem o ama, diligentemente o corrige’, Provérbios 13.24)”, defende-se a educadora.
Crime
Segundo o advogado Ricardo Cabezón, os vídeos de Simone Quaresma constituem crime. “Podemos enquadrar a conduta como incitação ao crime de maus tratos, por representar excesso no exercício dos poderes que os pais possuem de correção junto aos seus filhos; ou mesmo crime de tortura, quando faz clara alusão à advertência física em bebês. Nesse caso, a pena de reclusão pode variar de dois a oito anos”, diz o especialista em direito da criança.
“Além disso, importante destacar que a protagonista do vídeo alerta para não deixar marcas, ou seja, meios de dificultar a ação do Estado na responsabilização da conduta ilícita, o que torna ainda mais execrável sua postura e caracterizadora de agravante”, acrescenta o advogado.
Desde 2014, qualquer ação punitiva ou disciplinar com emprego de força física que resulte em sofrimento físico ou lesão a uma criança ou adolescente é considerada crime, de acordo com a Lei da Palmada.
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