Governo

Olavo de Carvalho, o homem que confunde o Brasil com um penico

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Inconsequente e sem perceber o grau de perturbação crescente do homem a quem chama de guru, Jair Bolsonaro não só segue os supostos ideais do homem que tudo vê e a todos julga, como partilhou seu governo com ele

Olavo de Carvalho (Imagem: Captura de tela | Youtube)

Ricardo Miranda*, Gilbertopaodoce

Em um de seus livros mais famosos, o brilhante e bem-humorado neurologista britânico Oliver Sacks narra com texto acessível para leigos casos de pacientes que têm deficiências cerebrais ou que perderam a memória, incapazes de reconhecer objetos comuns, como um professor de música que confunde sua própria esposa com um chapéu. “O homem que confundiu sua mulher com um chapéu” serviu para que Sacks contasse casos de várias dessas condições neurológicas raras.

Em outros livros explorou a surdez, o daltonismo e as alucinações. Sacks morreu de câncer aos 82 anos, em 2015, sem tempo de examinar o incrível caso do astrólogo que se convenceu e a outros que era um grande filósofo e que, no processo de doutrinação e conquista de adoradores, confundiu o país onde nasceu, mas onde decidiu não morar, com um penico.

O estado complexo de Olavo de Carvalho tem se agravado desde que um de seus discípulos, um medíocre capitão da reserva e deputado de extrema-direita conseguiu, numa perversa conjuntura política, tornar-se presidente do Brasil. O que deu a ele, o astrólogo, um status quase sobrenatural – capaz de nomear ministros a desqualificar líderes políticos e chefes de poderes, de ditar políticas de governo a reunir seu seguidor-mor em torno de fascistas, numa viagem internacional, envergonhando o país mundialmente. Tudo na base de um incompreensível tarô ideológico e de uma desastrosa numerologia política.

Inconsequente, e sem perceber o grau de perturbação crescente do homem a quem chama de guru, Jair Bolsonaro e seu tecido familiar – os filhos Flávio, Eduardo e Carlos -, não só seguem os supostos ideais – uma macarronada de preconceitos e ideias ultrapassadas com cagação de regras sobre temas diversos, sempre com o propósito de provocar polêmica e repercutir – do homem que tudo vê e a todos julga, de sua casa Richmond, no estado norte-americano de Virgínia – atualmente em reformas -, como partilhou seu governo com ele.

Concedeu-lhe vários nacos, entre eles o Ministério da Educação, entregue ao obtuso Ricardo Vélez Rodríguez, que de tantas lambanças foi desautorizado a fazer mudanças no aparelho administrativo do MEC – em três semanas, 15 exonerações foram realizadas, nenhuma passando pelo ministro.

Ernesto Araújo, a outra cria do encosto, além da falta de experiência, dá demonstrações de que não tem preparo intelectual e acadêmico para servir na função de chanceler.

A prova é que tanto o General Hamilton Mourão, o vice odiado por Olavo, foi colocado como sua babá na última cúpula de Lima quanto um dos filhos de Bolsonaro sentou no seu lugar no encontro com Donald Trump.

Tanto Vélez quanto Araújo, se tivessem brios, tinham-se demitido, mas, fiéis ao guru fake, seguram suas bandeiras olavistas na Esplanada, suportando todo tipo de humilhação.

O problema do Brasil sob Bolsonaro não é Olavo de Carvalho existir. Bolsonaro poderia acreditar no Coelhinho da Páscoa e ter uma tara por chocolate que o país no máximo acompanharia a evolução de sua obesidade. É Bolsonaro dar a ele uma importância que não tem – nem como intelectual, nem como pensador, nem como articulador político, provavelmente nem mesmo como tarólogo diletante.

É possível que Bolsonaro seja responsável, inclusive, pelo surto de Olavo, que passou a se enxergar como uma entidade sem limites, mas cujas palavras, afiançadas indiretamente pelo presidente que lhe concedeu a cadeira vizinha no jantar para os nazidireitistas norte-americanos na breve passagem do presidente por sua meca política, passaram a gerar, mais do que curiosidade ou desprezo, crises políticas.

Num dos episódios mais recentes, e que mede bem o grau de deslocamento da realidade do drugstory cowboy, ele agrediu de forma chula o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. “O Nhonho quer articular cu com piroca. A piroca dele e o cu nosso”, escreveu Olavo pelo Twitter, que alterna com vídeos no Youtube e postagens no Facebook para exercitar sua vertigem.

Cada vez mais com palavrões de baixo calão e uma pré-diagnosticada fixação anal. Os ataques de Bolsonaro e Olavo a Maia, além da campanha de seu filho Carlos, apelidado de Tonho da Lua, foram quase simultâneos, o que mostra um padrão.

O general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ministro da Secretaria de governo, não precisou fazer cursinho na Cruz Vermelha para identificar Olavo de Carvalho como “desequilibrado”. “Por suas últimas colocações na mídia, com linguajar chulo, com palavrões, inconsequente, o desequilíbrio fica evidente”, disse Cruz em entrevista.

Olavo já chamou o vice-presidente, general Hamilton Mourão, de “idiota” e classificou a tropa de farda na Esplanada de um “bando de cagões”. “O presidente está de mãos amarradas por militares próximos com mentalidade golpista”, afirmou, em ocasião recente.

Bolsonaro se cala vendo seu ídolo de barro desancar os militares mais importantes de seu governo, o que dá a tudo um inevitável – e inexplicável – ar de concordância. “Nenhum general disse uma palavra contra os inimigos do Bolsonaro, só contra os amigos dele – os filhos e eu”, disse, colocando-se numa estranha trincheira que só isola o seu seguidor-presidente.

Nas redes sociais, o homem que tem o ego do tamanho de sua espingarda com mira telescópica, dedica-se, como se percebe com tempo sobrando, a xingar o que considera seus inimigos comunistas, como se houvesse um clube de detratores que enfrenta com poucos argumentos e muitos palavrões. Xinga também, preferencialmente, a mídia e militares, como se estivessem de um mesmo lado. Possessivo, não admite rivais nem na direita.

Os anti-olavistas de hoje são monstruosamente mais incultos e mais burros que os da década de 90. O que escrevem contra mim não dura um só dia, já nasce morto. Passará como pó de merda ao vento”, escreveu, como se houvesse mesmo um olavismo e um anti-olavismo.

O também direitista Marco Antonio Villa, historiador, que Olavo apelida de “Vil”, ganhou recentemente comentários como esse. “O Decálogo que o Vil escreveu para o presidente deveria ter o título: Dez Maneiras Infalíveis de Se Foder”. Como se Bolsonaro precisasse de instruções para isso.

Olavo tem também seus seguidores fantasmas, que cita vez por outra, gente que supostamente fez seus pseudocursos de ciência política e passa a se comportar como pós-graduados de coisa alguma, na mesma linha dos autoproclamados bispos das igrejas neopentecostais. Como um certo Flávio Lindolfo Sobral, de seu “grupo de estudos”, que aparentemente só ele lê. “Só uma pústula falante pode imaginar que foi para um dia dar pitacos na política miúda de um país de merda que fiz tudo aquilo que o Flávio Lindolfo Sobral descreveu”, tuitou Olavo.

A quem o hostiliza por seu vocabulário à base de palavrões, Olavo responde comparando-se a James Joyce e Henry Miller. Não, querido, você é só mesmo Olavo de Carvalho. E o Brasil, lamento dizer, não é o seu penico.

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*Ricardo Miranda é jornalista, editor, tem mais de 35 anos de experiência nas principais redações do país e em grandes agências de comunicação.

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