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Os problemas da narrativa do enriquecimento de Bettina

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Um dos problemas do discurso de Bettina é a lógica do enriquecimento: uma fórmula que dependeria apenas de você mesmo; bastaria aplicá-la para ficar rico. Esse tipo de narrativa se concentra nos indivíduos e ignora o fato de que todos vivemos em sociedade extremamente desigual

Bettina, investidora e empresária da Empiricus (Imagem: Influverse)

Jana Viscardi*, Justificando

Meu nome é Bettina, eu tenho 22 anos e um milhão e quarenta e dois mil reais de patrimônio acumulado“. Se você é um assíduo consumidor de conteúdo no Youtube, possivelmente já se deparou com a propaganda estrelada por Bettina Rudolph, em que ela apresenta, brevemente, essa história de sucesso.

Bettina não está contando essa história sozinha: a razão de sua imagem aparecer em tantos inícios de vídeo no Youtube tem nome, Empiricus, empresa responsável por “ajudar pessoas comuns a conquistarem a sua independência financeira” (conforme informação do site da própria empresa).

A curta história de Bettina surpreende: 22 anos, um milhão de reais em patrimônio, tendo começado com mil e quinhentos reais. No entanto, a narrativa de Bettina – que, definitivamente, foi “eficiente” ao chamar a atenção de muita gente – não esclarece como esse enriquecimento aconteceu. E o objetivo é justamente esse: pescar você que a assiste ali naquela propaganda para se cadastrar e receber “a fórmula que seguiu para juntar um MILHÃO de reais com ações entre outros ativos e fontes de renda” (conforme informação do site da própria empresa).

A história de Bettina rapidamente repercutiu – mas não só positivamente. Foi então que a empresa Empiricus publicou um outro vídeo, com carga dramática: fundo preto, um olhar sério da protagonista para o horizonte enquanto lia os comentários de pessoas do Twitter “caçoando” de sua conquista. Ao final, um complemento à história que lemos no começo deste texto:

Oi, meu nome é Bettina, eu tenho 22 anos e começando com mil quinhentos e vinte reais eu acumulei um patrimônio de mais de um milhão, dependendo exclusivamente de mim mesma. Se vc quer saber tudo sobre essa história, clica no botão que vai aparecer na sua tela“.

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É importante deixar claro aqui: a história repercutiu porque a empresa tem grana, muita grana, para fazer publicidade no Youtube. Muitos vídeos vêm com diferentes propagandas da empresa. As pessoas parecem ter comprado pouco a história e, por isso, tanta repercussão negativa. O problema, então, que fique claro, não é a Bettina especificamente, mas a empresa que repercute narrativas dessa natureza para caçar pessoas que querem crescer. Em uma sociedade tão desigual e com tantos desempregados, quem não quer?

Mas qual o problema da narrativa, Jana?

Vamos lá: um dos problemas desse tipo de discurso é a lógica do enriquecimento que parece ter uma fórmula e que depende, exclusivamente, de mim mesma. Basta aplicar a fórmula, à exaustão, e pum! Você acumula muito capital.

Esse tipo de narrativa se concentra, portanto, nos indivíduos e ignora, dentre tantas coisas, o fato de que todos vivemos em sociedade, mais especificamente, em uma sociedade extremamente desigual. E a desigualdade, em todos os níveis em que atua, não permite que os indivíduos partam do mesmo ponto para se desenvolverem e, supostamente, enriquecerem. Aplicar uma fórmula não funcionará da mesma maneira para todos porque 1) não partimos do mesmo ponto; 2) o mercado de ações não é exatamente previsível e estável.

Quem a apoiou para que tivesse o dinheiro de entrada para investir? Como ela garantiu que, ao longo de três anos, não precisaria fazer uso do dinheiro que separou para investir? Com que regularidade acompanhava as informações da Bolsa para garantir que estava fazendo as melhores escolhas? Como construiu esse arcabouço teórico para poder fazer isso?

Se essas fórmulas mágicas funcionassem, todos seríamos ricos. A narrativa seria absolutamente adequada. No entanto, cá estão muitos brasileiros, beirando a pobreza. Então, dirão: “você não conseguiu porque não se esforçou o suficiente“, “você não seguiu a fórmula que te garante a melhoria”, “você está poupando pouco, poupando errado, gastando dinheiro onde não devia“. Ou seja, o problema é seu, só seu.

Esforços individuais para a conquista de objetivos são importantes, e podem ser reconhecidos. No entanto, narrativas que têm foco exclusivo no aspecto individual ignoram em absoluto a complexidade do desenvolvimento individual em uma sociedade desigual. Ignoram também que, em uma sociedade capitalista, não há espaço para que todos enriqueçam. Mas, novamente, se você se concentra apenas no argumento individual, você acha que o seu esforço vale a pena, e que você será o merecedor dessa mudança de vida.

Por isso, cuidado: nada disso depende exclusivamente de você. É preciso muito mais que sua vontade e uns poucos conhecimentos para investir na Bolsa. Sequer comentarei a possibilidade de ficar milionário – não é mesmo tão simples e rápido (ou mesmo possível) para todos.

O que te contam e como te contam é muito importante para a maneira como você compreende a realidade. Fique atento às narrativas, elas podem te capturar, sem que você enriqueça com elas.

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*Jana Viscardi é doutora em Linguística pela UNICAMP, com passagem pela UniFreiburg, na Alemanha. Professora e palestrante, faz vídeos semanais sobre linguagem e comunicação (e “otras cositas más”) no canal do Youtube que leva seu nome.

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