É chegado o momento de nós, professores, jornalistas, músicos e artistas críticos e progressistas, retornarmos aos clássicos
Luís Felipe Machado de Genaro*, Pragmatismo Político
No Brasil de Março de 2019, conhecimento é lixo. Debate é descartável. Crítica é subversão (em um período de esvaziamento cognitivo, só comparado aos anos áureos da ditadura civil-militar, não faltam segmentos da sociedade para ‘delatar’ aqueles que acreditam destruir os ‘valores’ e a ‘moralidade’).
Mesmo na ditadura, muitos procuravam ficar a parte ou distantes dos acontecimentos políticos – por temerem a própria vida ou a de seus filhos, ou simplesmente por ignorarem conscientemente o que ocorria. Hoje, não. A horda bolsonarista rechaça o conhecimento sério; ataca debates e encontros acadêmicos; e, por ignorância também consciente, almeja eliminar os que são críticos, sejam professores, jornalistas, músicos ou artistas.
Se o mundo descontrolado e entorpecente da internet, com seus portais de notícias falsas e sites descaradamente duvidosos, e ‘obras’ de caráter sensacionalista que recheiam livrarias, rasas e cheias dos mais baixos preconceitos, corroem as mentes e corações brasileiros, foi por que nós, progressistas, assim deixamos. O sinal mais vívido desta derrota foi o último dia 28 de Outubro de 2018.
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O nosso trabalho é árduo. Como escrevi em último artigo publicado pelo Pragmatismo, a resistência ocorrerá nas ruas e no Parlamento. Porém, pode e deve ocorrer nas escolas e nas universidades, nas praças e campi de todo o Brasil. Não como forma de doutrinação, mas construção de conhecimentos.
Em um período onde a formação histórica da sociedade brasileira passa por tamanho revisionismo (visto que muitos acreditam ‘não ter existido ditadura’, ou que ‘São Paulo sempre foi o motor do Brasil’, e mesmo que ‘os escravos tinham outros escravos e a escravidão foi branda’), temos, como disse acima, um trabalho difícil pela frente.
Difícil, mas não impossível.
Precisamos revisitar os clássicos brasileiros: Darcy Ribeiro, Sérgio Buarque, Florestan Fernandes, Caio Prado Junior, Raymundo Faoro, Josué de Castro, Celso Furtado, entre tantos outros interpretes do Brasil profundo, das mazelas nacionais e de seus processos históricos estruturais.
Outros grandes nomes do nosso pensamento crítico que despontaram nas últimas décadas e mesmo nos últimos anos, como Ricardo Antunes, Carlos Fico, Djalma Ribeiro, Lilia Schwarcz, Vladimir Safatle, Marcio Poshman, André Singer, etc, carecem de mais leitura e atenção. Urge devorarmos suas ideias com o intuito de transformá-las em realidade: políticas públicas e resistência contra toda forma de descriminação e perda de direitos historicamente conquistados.
Em tempos sombrios, onde se louva a irracionalidade e se compartilham impropérios e inverdades, mesmo a respeito de fatos fartamente documentados como a história da ditadura civil-militar de 1964, precisamos transformar conhecimentos por vezes elitistas e floreados por um academicismo distante em saberes de todos e para todos.
É chegado o momento de nós, professores, jornalistas, músicos e artistas críticos e progressistas, retornarmos aos clássicos, debater obras de grande valor para a atualidade e encontrar maneiras de compreender, transformar e debater com os milhares de milhões de brasileiros que ainda se encontram distantes destes conhecimentos.
Entre a urgência e a angustia, de forma horizontal e solidária, precisamos revisitar o Brasil.
*Luís Felipe Machado de Genaro é historiador e mestre em história pela UFPR
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