Os riscos que o Brasil corre ao ceder Alcântara aos EUA
Críticos avaliam que Bolsonaro agiu como 'sabujo' dos EUA na questão de Alcântara. Acordo que permite aos americanos utilizarem base no Maranhão mostra submissão, pode servir a objetivos militares e ameaça comunidades quilombolas que vivem há séculos na região
Eduardo Maretti, RBA
Parlamentares de oposição na Câmara dos Deputados acreditam que a necessária tramitação, no Congresso, do acordo que permite aos Estados Unidos a utilização da base de Alcântara, no Maranhão, é importante por tornar a discussão pública. O tratado, assinado pelos governos de Jair Bolsonaro e Donald Trump na segunda-feira, não é sequer conhecido pelos parlamentares brasileiros.
“O fato de estar na Câmara é um avanço, porque a gente vai polemizar, politizar e explicar o quão ruim é para o país”, diz o deputado federal Enio Verri (PT-PR).
“Pretendemos fazer uma grande obstrução e denunciar a alienação da soberania nacional porque a base de Alcântara é um grande ativo do povo brasileiro. Liberar para os americanos a utilização de um local privilegiado com pouca reciprocidade é muito grave”, afirma Ivan Valente (Psol-SP). “E mais: estamos falando de soberania nacional e não conhecemos as condições do acordo ainda.”
Os dois parlamentares utilizam a mesma expressão para definir o comportamento de Bolsonaro não só em relação a Alcântara como sua postura perante Trump.
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“Na verdade ele tem se demonstrado um sabujo dos Estados Unidos”, diz Verri. “A questão de Alcântara representa a gente abrir mão de uma área estratégica de segurança nacional em nome da submissão aos Estados Unidos.”
“Ao invés de investimos em resgatar a potencialidade da base, oferecemos um lugar privilegiado aos americanos. Além disso, o governo Bolsonaro é sabujo do presidente americano, e uma base como essa sempre pode servir a objetivos militares, inaceitável sob todos os pontos de vista”, aponta Valente.
O deputado do Psol lembra uma outra questão associada à base no Maranhão muito preocupante: o fato de inúmeras comunidades quilombolas viverem na região e estarem ameaçadas, a partir de agora. “Os quilombolas, que residem lá há séculos, têm uma grande luta em torno da base. Eles podem querer operar a evasão dessas pessoas”, observa.
Já o presidente Jair Bolsonaro disse, em Washington, que vai dar emprego para essa população. “Vamos oferecer um mercado de trabalho para os quilombolas.”
Na opinião de Valente, como se trata de uma questão de soberania, o tema pode sensibilizar alguns setores da Câmara dos Deputados. Mas, antes de mais nada, é preciso que a Casa tome conhecimento do tratado em detalhes, destaca.
Verri não está otimista diante do quadro. “Com o perfil dessa nova Câmara, infelizmente acho que passa, até porque o debate do nacionalismo aqui não é muito forte e não vai prevalecer”, afirma. “Se o próprio presidente da República não tem uma postura de defesa do país que ele representa e de sua soberania, os parlamentares da sua base seguem o mesmo comportamento.”
Enquanto isso, parlamentares da base do governo defendem o presidente. Segundo o deputado Carlos Jordy (PSL-RJ), a oposição está “desantenada” sobre as negociações entre Brasil e EUA. “Ontem, a Bovespa atingiu o inédito índice de 100 mil pontos”, justificou, segundo a Agência Câmara.
A Casa deve realizar uma audiência conjunta entre as comissões de Ciência e Tecnologia e Relações Exteriores e de Defesa Nacional. Os deputados Márcio Jerry (PCdoB-MA) e Bira do Pindaré (PSB-MA) protocolaram pedidos para que os ministros Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia) e Ernesto Araújo (Relações Exteriores) expliquem o tratado.
Jerry apresentou um requerimento à Mesa da Câmara para a constituição de uma comissão externa para acompanhar a aplicação do acordo, já que os americanos sabem o seu conteúdo, enquanto os brasileiros o desconhecem.
A repercussão da postura do presidente brasileiro diante dos Estados Unidos e seu chefe de Estado repercutiu até mesmo no mais importante jornal da capital americana, o Washngton Post.
Para falar da visita oficial de Bolsonaro, o diário publicou matéria intitulada “‘Vergonha’: Enquanto Bolsonaro visita Trump, brasileiros tuítam seu constrangimento”. Segundo o Post, “nem todos na maior nação da América Latina estão aplaudindo” as atitudes do presidente brasileiro “de extrema-direita” nos EUA. “Bolsonaro enfrentou nesta terça-feira uma tempestade no Twitter – informa a matéria – por supostamente vender a maior nação da América Latina aos Yankees.”
À RBA, o ex-ministro Celso Amorim demonstrou preocupação com o tema. Para ele, os americanos poderão condicionar a presença de brasileiros na base a seus próprios interesses.
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