Bolsonaro encerra grupos de trabalho que buscavam identificar vítimas da ditadura. Equipe técnica investigava ossadas achadas em Perus (São Paulo) e no Araguaia (Pará/Tocantins)
Dois grupos de trabalho (GTs) que atuavam na identificação de corpos de vítimas da ditadura civil-militar foram extintos pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL).
Os grupos Perus e Araguaia foram atingidos pelo Decreto 9.759, assinado no último dia 11, que extingue conselhos e órgãos colegiados ligados à administração federal e visa acabar com a participação popular no governo federal.
O GT Perus era responsável pela identificação das ossadas encontradas numa vala clandestina no cemitério de mesmo nome, na zona noroeste da capital paulista, descoberta em 1990. Já o GT Araguaia fazia trabalho equivalente em relação aos restos mortais dos integrantes da guerrilha que enfrentou o Exército e a ditadura durante três anos na floresta amazônica, na região entre os estados do Pará e Tocantins (na época, Goiás), na década de 1970.
Ambos os grupos estavam vinculados à Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, e os trabalhos de identificação atendiam a determinação da Justiça Federal.
“Mais do que enterrar os desaparecidos, o governo está implodindo todo um sistema voltado à justiça”, disse a procuradora regional da República Eugênia Gonzaga, que preside a comissão ao jornal O Estado de S. Paulo nesta segunda-feira (22).
A comissão foi criada por lei federal e não pode ser extinta por decreto, mas os GTs atingidos paralisam os trabalhos de identificação.
“Embora haja verba prevista e determinação judicial para que o trabalho seja feito, não há ninguém hoje que possa assinar um documento ou contratar quem quer que seja para realizar os trabalhos”, detalha a procuradora.
O trabalho de identificação das vítimas da ditadura sempre foi ridicularizado pelo presidente Bolsonaro. Enquanto deputado, ele mantinha numa das paredes de seu gabinete o cartaz que dizia que quem procurava osso era cachorro, em referência aos trabalhos do GT Araguaia.
Já o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, comandado por Damares Alves, apenas disse que “está avaliando, estudando e proporá algo dentro dos parâmetros do decreto”, mas não garantiu a continuidade do trabalho de identificação das ossadas.
Em fevereiro de 2018, foi identificada a ossada de Dimas Antônio Casemiro, militante e dirigente do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT), morto em abril de 1971 em São Paulo, aos 25 anos, e enterrado como indigente em Perus.
Em dezembro do mesmo ano, o GT Perus também identificou os restos mortais de Aluízio Palhano Pedreira Ferreira, militante morto no mesmo ano, no DOI-Codi de São Paulo, comandado à época por Carlos Alberto Brilhante Ustra, ídolo de Bolsonaro.
São mais de mil caixas com ossadas que, depois de um período de abandono, passaram a ser investigadas pelo GT Perus, em trabalho realizado em parceria entre Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, as secretarias nacional e municipal de Direitos Humanos, a Comissão Especial e a Universidade Federal de São Paulo. Dessa parceria, surgiu o Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (Caaf), responsável pela análise do material.
Confira a linha do tempo desde a descoberta da vala de Perus:
1990: Local é descoberto em 4 de setembro e Prefeitura de São Paulo exuma mais de 1000 sacos plásticos contendo as ossadas;
1990: Trabalho de identificação é iniciado no departamento de Medicina Legal da Unicamp;
1994: Análises são interrompidas;
1998: Verificou-se a má conservação dos ossos, que ficaram armazenados em péssimo estado de conservação, empilhados em uma sala, com carteiras escolares em cima dos sacos, além de estarem molhados devido a uma inundação ocorrida no local;
1999: Ministério Público Federal (MPF) interveio e em setembro foi instaurado na Procuradoria da República em São Paulo o Inquérito Civil Público nº 06/99, para apurar o lento andamento dos trabalhos na identificação das ossadas;
2001: Com a intervenção do MPF, a Secretaria de Segurança Pública providenciou a transferência das ossadas da Unicamp para o Instituto Médico Legal, para prosseguimento dos trabalhos sob a responsabilidade da Universidade de São Paulo (USP);
2002: As ossadas são transferidas para o Cemitério do Araçá;
2006: Trabalhos da USP são paralisados;
2009: Paralisação levou ao ajuizamento de ação civil pública pelo MPF em São Paulo;
2014: CAAF recebe as 1.047 caixas e análise é assumida pelo Grupo de Trabalho Perus.
2017: Mais da metade das caixas tiveram seu conteúdo limpo e analisado e amostras de ossadas são enviadas para laboratório na Bósnia.
2019: Mais de 900 ossadas limpas e examinadas.
informações da RBA
Siga-nos no Instagram | Twitter | Facebook