Professora e pós-doutora em Direito desmascara fundação bilionária da Lava Jato com dinheiro da Petrobras
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu a eficácia do “Acordo de Assunção de Compromissos”, pelo qual o Ministério Público Federal (MPF) curitibano obrigava a Petrobrás, de forma ilegal, a conceder mais de R$ 2,5 bilhões para supostos fundo de reparação de acionistas e fundação privada, com a complacência da 13.ª Vara da Justiça Federal de Curitiba.
Fazendo jus à pesquisa da Associação dos Magistrados Brasileiros segundo a qual 52% dos juízes desconsideram a jurisprudência (Estado, 18/2), a juíza Gabriela Hardt não citou nenhuma jurisprudência, nem um único dispositivo legal para justificar a homologação do acordo. A decisão proferida em menos de 48 horas após a assinatura do pacto carece da mais básica fundamentação técnica.
A juíza não enfrentou a questão principal: a quem caberia originalmente a destinação dos bilhões.
Por que não seriam destinados à União Federal?
Afirmou que a escassez de investimentos públicos para combate à corrupção justificaria alocação do valor ao MPF curitibano, atribuindo-lhe, contrariamente à lei, competências do Poder Executivo para realizar políticas públicas. Também ignorou que compete ao Poder Legislativo a destinação de receitas públicas (artigo 48, II, da Constituição federal).
Contra previsão do MPF, a juíza achou desnecessário aprovar o “Comitê de Curadoria Social” que supervisionaria a constituição do fundo, justificando que ela mesma não tinha “condições de avaliar”. Em suma, o MPF curitibano obteve da juíza mais do que pediu. Tudo convenientemente decidido em sigilo judicial, sem que os brasileiros, outras autoridades e a imprensa soubessem o que acontecia na “república de Curitiba”, emancipada pelo juízo de Hardt. A publicidade dos documentos só se deu após a consumação.
É notório que a juíza também atropelou a autoridade do seu predecessor, o ex-juiz Sergio Moro, pois, por outra perspectiva, poderia caber a ele, como ministro da Justiça, a gestão dos recursos bilionários, por meio do Conselho Federal Gestor do Fundo de Defesa de Direitos Difusos (CFDD), ligado à sua pasta. A diferença entre o CFDD de Moro e a pretensa fundação é que o primeiro tem previsão legal desde 1985 (Lei 7.347) e 34 anos de experiência em gestão de recursos, enquanto a segunda só existe na cabeça do coordenador da Lava Jato, Deltan Dallagnol, e de sua equipe. O CFDD conta com representante do MPF, mas o poder sobre o dinheiro sairia de Curitiba.
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O procurador Carlos Fernando Lima justificou que a fundação “visa ressarcir os danos difusos” (Facebook, 8/3), o que foi compartilhado por Dallagnol. Assim, a força-tarefa tinha ciência de que o dinheiro poderia ser alocado ao CFDD, do ministério de Moro, que é o detentor de competência original para executar políticas de combate à corrupção no País.
Mas Dallagnol e sua equipe, com o endosso da juíza substituta, quiseram atribuir-se poder maior que o do ministro. Enquanto Moro abandonou carreira estável de magistrado e se subordinou ao presidente Bolsonaro para gerir o orçamento de R$ 4,8 bilhões do Ministério da Justiça, os procuradores visavam a administrar mais da metade do orçamento de Moro sem deixar seus cargos estáveis nem se subordinar a ninguém do Executivo. Desse modo, a força-tarefa buscava criar “ministério da justiça” paralelo em Curitiba, mas sem obrigação nenhuma para com os 26 Estados da Federação e o Distrito Federal.
Alegações da força-tarefa de que a “fundação” seria controlada por toda “a sociedade civil” são pura balela. Qualquer pessoa letrada em governança sabe que o controle final pertenceria ao MPF curitibano, uma vez que o acordo espúrio com a Petrobrás estabelecia que representantes do MPF e do MP do Paraná teriam prerrogativa de ocupar assentos no órgão de deliberação (cláusula 2.4.4) e o MPF de Curitiba controlaria sozinho o processo de escolha – e destituição – de nomes para o tal “Comitê de Curadoria Social” (cláusula 2.4.3). Aliás, nem o estatuto da fundação poderia alterar os termos do pretenso acordo (cláusula 2.4.3.5).
Para salvar as aparências, antecipando a desaprovação da procuradora-geral da República, a força-tarefa recuou e pleiteou a suspensão do acordo à 13.ª Vara. Rachel Dodge reconheceu que o pacto mina a independência funcional do MPF e sua credibilidade, pedindo ao STF a declaração de sua nulidade. Mas faltou admitir que intenções políticas desvirtuaram o combate à corrupção nacional.
Em português propositalmente truncado, destoante da fluência dos procuradores na língua pátria em outros contextos, acha-se a maior aberração. A cláusula 2.4.1 (i) do acordo previa que a tal fundação de direito privado buscasse “administrar o fundo patrimonial e veicular o investimento social, em relação à Petrobrás, ou mesmo em relação a grupos ou pessoas ligados à política partidária”.
A Constituição federal proíbe a membros do MP “exercer atividade político-partidária” (artigo 128, § 5.º, II, “e”), mas o coordenador da Lava Jato e sua equipe pretendiam “legalizar” recursos advindos da Petrobrás para investir em política partidária!
Voltemos ao início: de qual prática criminosa o MPF de Curitiba acusa aqueles que caíram na Lava Jato? Não foi a de desviar recursos da Petrobrás para favorecimento de políticos e partidos? E isso não equivaleria ao que a própria Lava Jato de Curitiba se autopossibilitaria com o fundo eleitoral da tal fundação?
A artimanha foi tão meticulosamente engendrada que, se questionada, já havia resposta pronta: não atuariam na fundação pessoas filiadas a partidos políticos (cláusula 2.4.6). Ora, os meros subalternos da fundação não seriam filiados, facilitando à cúpula do MPF fazer “investimento social” na política nacional sem nenhum antagonismo interno.
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Érica Gorga, Agência Estado
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