Ministro Ernesto Araújo altera estatuto social da Apex para proteger 2 diretores e provoca reação de embaixador: "Nunca pensei que um ministro de Estado faria isso. Legislando sem transparência. Tentam me colocar em situação constrangedora. Como sou filho de militar, aprendi que é melhor morrer lutando"
Sem consultar, ou pelo menos avisar, o presidente da Agência Brasileira de Exportações e Investimentos (Apex), embaixador Mário Vilalva, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, alterou em cartório o estatuto social da agência em pontos que retiram de Vilalva várias atribuições.
A alteração foi realizada em março e veio a público após uma reportagem da Folha de S.Paulo. Foi também dessa forma que Vilalva soube das mudanças no estatuto.
“Nunca pensei que um ministro de Estado faria isso. Legislando sem transparência, modificando em cartório o estatuto da Apex e tentando me induzir ao erro. Tentam me colocar em situação constrangedora. Como sou filho de militar, aprendi que é melhor morrer lutando”, disse em entrevista ao G1.
Entre as mudanças deliberadas por Ernesto Araújo que mais chamam a atenção está a proibição de o presidente da Apex de demitir dois diretores: Letícia Catelani (Negócios) e Márcio Coimbra (Gestão Corporativa). Os dois entraram em conflito com Vilalva por insubordinação. Eles se recusaram a assinar atos da agência e nomearam funcionários, supostamente sem currículo para alguns postos, como um ex-candidato a deputado pelo PSL.
Um dos casos que mais chamaram atenção foi quando Catelani se negou a revogar um contrato, mesmo sob recomendação expressa da diretoria e do secretário de Governo, general Santos Cruz, alegando que a entidade, supostamente, era “ligada ao PT”.
Estranhamente, Santos Cruz passou nos últimos dias a ser um dos alvos dos ataques do guro de Bolsonaro e Ernesto Araújo, Olavo de Carvalho. De Virgínia (EUA), onde mora, o escritor que não faz parte dos quadros do governo acusa Santos Cruz de tráfico de influência.
Catalani também é apontada como pivô na crise que levou à demissão de Alecxandro Carreiro da presidência da Apex, após sete dias no cargo. Seu afastamento aconteceu após um desentendimento público entre ele e Catelani.
Letícia Catalini foi secretária-geral do PSL e foi expulsa do partido em setembro do ano passado. Ela é muito próxima ao ministro Ernesto Araújo, sendo apontada como uma espécie de braço direito do chanceler. Segundo informações da Folha de S.Paulo, durante o período de transição entre governos, pessoas próximas ao ministro reclamaram que ela controlava todo o acesso a ele.
Em entrevista à coluna de Julia Duailibi, no G1, Mario Vilalva declarou que não pretende se demitir da função na presidência da Apex. A nomeação dele foi bem recebida pela área técnica do governo – foi embaixador no Chile, Alemanha e em Portugal, além de diretor-geral do Departamento de Promoção Comercial do Ministério das Relações Exteriores.
A demissão de um diplomata de carreira e com o currículo de Vilalva aumentaria o desgaste de Ernesto Araújo e do governo frente à opinião pública, especialmente mercado e exportadores. Assim, as mudanças no estatuto da Apex, feita às escondidas e retirando poderes do chancelar, são analisadas como uma forma de desgastá-lo e obrigando a pedir demissão.
Ainda à coluna de Duailibi, Vilalva se disse decepcionado com Araújo dizendo que sofreu um “golpe”. “Fui leal a ele desde o começo. Fui leal na questão substantiva, nas questões relacionadas à minha função. Só que me recusei a fazer parte desse esquema imoral”, afirmou.
Já em entrevista à Folha, o embaixador expôs sua preocupação com a qualidade dos serviços da Apex e, ainda, que os nomes indicados por Araújo paralisam as atividades da Agência.
“O que está acontecendo aqui é que as pessoas estão trabalhando em agendas pessoais, e com isso não estão preocupadas em fazer com que o trabalho da agência corra normalmente, como sempre aconteceu”, pontuou.
Vilalva negou que procura se blindar com o apoio da ala militar, entretanto destacou que mantém boas relações com os generais do governo, citando o vice-presidente Hamilton Mourão e o ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), general Augusto Heleno.
“Eu sou filho de militar, portanto eu tenho total conhecimento do que é a ala ou o ambiente militar. Eu cresci nesse ambiente e prezo muito os militares, tenho muito respeito pelo trabalho que eles fazem no Brasil. Evidentemente que eu cheguei a conversar com alguns representantes da ala militar no Planalto sobre essa questão, e eles compreenderam perfeitamente bem a minha situação de aflição dentro da agência”, acrescentou.
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