PEC que criminaliza o aborto avança no Senado e pode ser votada na CCJ
Atualmente o aborto é permitido no Brasil no caso de gestação causada por estupro ou risco de vida da mãe, de acordo com o Código Penal. Decisão do STF também incluiu a previsão para casos de fetos anencéfalos
Marcella Fernandes, Huffpost
Desarquivada em fevereiro, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 29/2015, que garante a “inviolabilidade da vida desde a concepção”, pode avançar nos próximos dias no Senado Federal.
Se aprovado, o texto pode barrar futuras flexibilizações na descriminalização do aborto, provocar retrocessos nos direitos reprodutivos e dificultar esse procedimento em caso de anencefalia, autorizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) desde 2012.
O parecer da relatora, senadora Juíza Selma (PSL-MT), deve ser lido nesta quarta-feira (24), na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa, mas a votação pode ocorrer a partir de 7 de maio. Após a leitura do relatório, cabe pedido de vista (mais tempo para análise) e o colegiado não se reúne na próxima semana, devido ao feriado em 1º de maio.
De autoria do ex-senador Magno Malta (PR-ES), a proposta altera o artigo 5º da Constituição para a seguinte redação:
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida desde a concepção, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”
O texto foi desarquivado pelo plenário do Senado em 12 de fevereiro, por votação simbólica após movimentação do senador Eduardo Girão (Podemos-CE), que conseguiu 29 assinaturas para o requerimento de desarquivamento. O parlamentar também organiza o lançamento da “Frente Parlamentar Mista Pela Vida, Contra o Aborto” na próxima quinta-feira (25).
Ao justificar a defesa da PEC, Girão negou intenção de retroceder na legislação e disse que o objetivo era evitar o “ativismo judicial”. “A “PEC da Vida, é um projeto que creio ser o sonho da maioria do povo brasileiro”, disse, em nota enviada ao HuffPost.
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Atualmente o aborto é permitido no Brasil no caso de gestação causada por estupro ou risco de vida da mãe, de acordo com o Código Penal. Decisão do STF também incluiu a previsão para casos de fetos anencéfalos.
Estão em análise no tribunal um pedido para descriminalização até a 12ª semana, sem previsão de julgamento, e outro para grávidas infectadas com zika, que está na pauta do plenário do dia 22 de maio.
Qual impacto da PEC 29/2015?
O relatório da senadora Juíza Selma mantém a previsão de aborto em caso de estupro e risco de vida da mãe. A CCJ, contudo, pode votar o texto original, mais restritivo. O colegiado pode também rejeitar a constitucionalidade da PEC.
Caso a proposta avance, precisa ser analisada por pelo menos uma comissão de mérito e depois segue para o plenário, onde são necessários 49 votos, em dois turnos, para aprovação. Se isso ocorrer, o texto segue para Câmara dos Deputados.
Na avaliação de Gabriela Rondon, advogada do Anis – Instituto de Bioética, a aprovação da PEC não teria um efeito imediato sobre aborto em caso de anencefalia, mas poderia impactar negativamente nos direitos reprodutivos.
“O que a PEC pretende provocar é uma confusão sobre o debate do aborto no Brasil. Sobrepor uma vida em potencial à proteção da vida de mulheres”, afirmou ao HuffPost.
Alguns integrantes da bancada conservadora defendem que até mesmo o uso de alguns anticoncepcionais deveria ser proibida.
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A especialista lembra que um dos argumentos usados pelos defensores da PEC seriam supostas consequências na saúde de mulheres que abortam, mas não há evidências científicas sobre o tema.
″É uma estratégia bastante perversa porque é uma tentativa de dizer que é para proteger os direitos das mulheres”, criticou.
Ao HuffPost, o senador Eduardo Girão, afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que “está comprovado que o aborto deixa sequelas físicas, psíquicas e emocionais gravíssimas nas mulheres, causando depressão, ansiedade, que culminam muitas vezes na dependência química e no suicídio, grande mal desses tempos”.
A criminalização da interrupção da gravidez, por sua vez, tem impactos concretos na vida das brasileiras. De acordo com o Ministério da Saúde, o aborto é a 5ª causa de morte materna no País.
Em 2016, dos 1.670 óbitos causados por problemas relacionados à gravidez ou ao parto ou ocorridos até 42 dias depois, 127 foram devido ao abortamento.
Integrante do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA), Jolúzia Batista aponta o início de uma articulação para avançar com o tema no Congresso. “Há uma estratégia montada. À medida que a reação contrária se coloca, vai ter uma arena mesmo”, afirmou ao HuffPost.
Na avaliação da especialista, a iniciativa encontrou espaço no Senado devido aos esforços da Câmara estarem voltados para outros assuntos, como a reforma da Previdência, e graças à redução de parlamentares progressistas nessa legislatura. “É uma cobrança do eleitorado de um núcleo duro que não representa a diversidade e complexidade da sociedade brasileira”, completa.
A articulação é vista também como uma reação prévia ao julgamento que se aproxima no STF. De acordo com Rondon, há um incompreensão sobre a ação direta de inconstitucionalidade (ADI 5581), que inclui o pedido descriminalização do aborto para mulheres infectadas pelo vírus Zika.
O diagnóstico, durante a gestação, está associado a casos de microcefalia e outras malformações fetais. A advogada destaca que o objetivo da ação é evitar o sofrimento mental das mulheres nessa situação que quiserem optar pela interrupção da gravidez. Proposta pela Associação dos Defensores Públicos (Anadep), a ADI tem apoio do Instituto Anis.
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